Pular para o conteúdo principal

A soberania dos Ministros Supremos

Por Jeová Barros Almeida Júnior
Volto a levantar âncora, para singrar nesses mares, já dantes navegados, nesse tempo em que os princípios revogam o que a lei determina, a torto e a direito, e o STF chega a dizer que a Constituição é aquilo que ele diz ser. Vejamos.
A história nos conta que, em 1789, a plebe francesa, cansada dos desmandos e das arbitrariedades do rei Luis XVI, se rebelou, prendeu a ele e a Rainha Maria Antonieta e os guilhotinou.
A plebe, esclarecida com as novas idéias do Iluminismo, queria um governo de leis, e não um governo dos homens. Os abusos cometidos pela dinastia dos Bourbon (reis franceses), tão comum nas monarquias daqueles tempos, consistia, mais ou menos, no seguinte: havia uma lei para os nobres e outra para a patuléia. Por exemplo, se um nobre fosse pego afanando alguma coisa, a pena dele seria, digamos, 4 meses longe de Paris (longe das festas, do luxo dos palácios), enquanto que a pena para o pobre coitado, caso fosse pego roubando um pão, seria ter a mão decepada.
Para além de tal arbitrariedade, na época dos reis, a malta não possuía segurança, não sabia como se conduzir (a não ser abaixando a cabeça) e poderia ser pega de surpresa, pois a lei era mudada de acordo com o humor da Majestade.
Imagine que, até a primeira semana de setembro, num sábado lindo de independência, a lei dizia que deveria se dirigir pela direita e, de repente, quando você pegasse seu carro pra dirigir no domingo, estando pela direita, fosse abordado por um guarda e este o multasse, pois na madrugada de ontem, depois de um Baile no Palácio de Versalhes, Luís XVI, chapado até alma, “bebum”, houvera modificado a lei, sendo que agora só era permitido dirigir pela esquerda. Por fim, seu carro foi apreendido.
Eis que, depois de ter retirado seu carro do DETRAN, neste último fim de semana, você sai dirigindo pela esquerda e o mesmo guarda, com um sorriso nos lábios, te pára e diz que vai te multar, que vai apreender seu carro, pois o Rei, depois de ter brigado com a digníssima rainha, por ter sido ela quem havia dado a malfadada idéia de mudar a lei de trânsito, decidiu que não mais se deveria dirigir pela esquerda, mas sim pela direita, como era antes. Aí, a gente precisa fazer terapia, né?!
Esse é o nosso STF: em 1995, decidiu que o mandato de parlamentar condenado era cassado pelo congresso; em 2011, também decidiu assim; em 2012, quando do “Mensalão”, disse que o congresso só declarava a cassação, mas não decidia; há três semanas, quando julgou o deputado Donadon, disse que a atribuição para cassar era do congresso. Depois que o Congresso não cassou e manteve o mandato, disse que não, que não era bem assim, que isso e aquilo, e aquiloutro... Vamos todos ter que fazer terapia!
Foi por isso que os franceses fizeram a revolução; foi por isso que saímos de uma monarquia para uma democracia; foi por isso, para um governo baseado em leis e não baseado na vontade e desejo de um homem (o rei), que se decidiu que quem determinaria como as coisas deveria ser era a Constituição do país, e não aquilo que um iluminado dissesse: um rei, um imperador ou até, nos dias do principiologismo, um ministro decidisse.
Ou será que esquizofrênica é a nossa Constituição, que num dia diz uma coisa e no outro diz outra? Quem consegue viver nessa loucura e nessa insegurança, sem saber se deve dirigir pela esquerda ou pela direita? Vamos ter de saber quando os ministros foram para um Baile em Versalhes, se chaparam, e resolveram, de repente, mudar a interpretação da Constituição? Ou será que vai ser uma briga de casal, entre um ministro e a digníssima esposa dele, que vai determinar se quem cassa é o Congresso ou o Supremo?
Era melhor no tempo dos Bourbons, quando existia só um Rei, ou é melhor hoje? Porque, dessa maneira que está e que vem decidindo o nosso Judiciário, podemos falar que temos 11 Reis no STF, mais 33 no STJ e tantos outros quantos juízes temos no país inteiro. A qual majestade serviremos, pois?
E haja terapia!
Concluindo, faço-me porta-voz não autorizado do professor Lênio Streck, pois temos que fugir dessa encruzilhada entre o objetivismo da lei e o subjetivismo do intérprete, ou seja, dessa antagonia, na qual ora o juiz é escravo da lei, ora o juiz é dono da lei (interpretando-a conforme melhor aprouver a ele), porque o sentido não está nas coisas, ou na lei (hermenêutica clássica) nem está na cabeça do interprete (hermenêutica moderna), mas sim na linguagem (hermenêutica pós-moderna).
Ele advoga que há um meio termo a seguir e o mundo jurídico há de despertar para sair desse pântano ou mangue, pois, de tanto andarmos acocorados, rastejando, já começamos a nos tornar homens-caranguejo (Josué de Castro). Isso está patente! O problema é que tem muita gente que quer que permaneça como está, uma vez que o casuísmo é funcional e benéfico para alguns (os donos dos poderes), mas não para a Democracia, não para o Estado Democrático de Direito.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Por que a luta por liberdade acadêmica é a luta pela democracia

Por Judith Butler Muitos acadêmicos se encontram sujeitos à censura, à prisão e ao exílio. Perderam seus cargos e se preocupam se algum dia poderão dar continuidade às suas pesquisas e aulas. Foram privados de seus cargos por causa de suas posições políticas, ou às vezes, por pontos de vista que supõem que tenham ou que lhes é atribuído, mas que não eles não têm. Perderam também a carreira. Pode-se perder um cargo acadêmico por várias razões, mas aqueles que são forçados a deixar seu país e seu cargo de trabalho perdem também sua comunidade de pertencimento. Uma carreira profissional representa um histórico acumulado de uma vida de pesquisa, com um propósito e um compromisso. Uma pessoa pensa e estuda de determinada maneira, se dedica a uma linha de pesquisa e a uma comunidade de interlocutores e colaboradores. Um cargo em um departamento de uma universidade possibilita a busca por uma vocação; oferece o suporte essencial para escrever, ensinar e pesquisar; paga o salário que lib

54 museus virtuais para você visitar

American Museum of Natural History ; My studios ; Museu Virtual Gentileza ;

O mundo como fábula, como perversidade e como possibilidade: Introdução geral do livro "Por uma outra globalização" de Milton Santos

Por Milton Santos Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação? De um lado, é abusivamente mencionado o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mun­do físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente percebido. Explicações mecanicistas são, todavia, insuficientes. É a maneira como, sobre essa base material, se produz a história humana que é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada. Quando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de um mundo veraz, o que é imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, q