Da Caros Amigos
A Editora Sundermann
acaba de lançar Últimos escritos e Diário das secretárias, uma coletânea de
cartas e artigos redigidos por Lenin entre setembro de 1921 e março de 1922, ou
seja, nos seus 18 últimos meses de atividade política.
A temática mais geral da
coletânea, presente em praticamente todos os materiais reunidos, é a luta de
Lenin contra a burocratização do Estado soviético e do Partido Bolchevique.
Mesmo com sua saúde extremamente abalada devido a dois derrames cerebrais,
Lenin declara uma verdadeira guerra, não apenas teórica, mas contra todas as
expressões práticas da burocratização: os privilégios dos dirigentes, a
opressão nacional, o rebaixamento do nível político e teórico do partido e
outras.
O mito stalinista e liberal
Entre os textos
publicados, está a “Carta ao congresso”, conhecida também como “Testamento
político de Lenin”. Nela, o fundador da URSS faz uma dura avaliação sobre
Stalin e seu papel no aparato do partido. Mais do que uma simples crítica,
Lenin propõe a destituição de Stalin do cargo de Secretário Geral e sua
relocalização em outra tarefa partidária:
“Stalin é grosseiro
demais, e este defeito, plenamente tolerável em nosso meio e entre nós, os
comunistas, se torna intolerável no cargo de Secretário Geral. Por isso
proponho aos camaradas que pensem a forma de passar Stalin a outro posto e
nomear a este cargo outro homem, que se diferencie do camarada Stalin em todos
os demais aspectos apenas por uma vantagem, a saber: que seja mais tolerante,
mais leal, mais delicado e mais atencioso com os camaradas, menos caprichoso
etc.”
Bastaria esta citação
para demonstrar como são falsas as “teorias” de que o stalinismo é a
continuação do leninismo. Ao contrário, a última batalha de Lenin foi
justamente contra Stalin, não apenas por sua postura burocrática, mas também
por razões políticas profundas. Lenin e Stalin estiveram em campos opostos em
todas as mais importantes lutas daquele período: na questão do monopólio do
comércio exterior, quando o CC bolchevique flexibilizou as leis de controle da
economia a revelia das posições de Lenin; na assim chamada “questão georgiana”,
quando membros do CC do Partido Comunista da Geórgia foram agredidos
fisicamente por Sergo Ordzhonikidze, enviado especial de Stalin à Geórgia em
1922 para discutir a formação da URSS. Em todas essas questões e em inúmeras
outras, Lenin via claramente a influência de Stalin e lutava contra ele. Sua
proposta de conformar com Trotsky um “bloco contra a burocracia em geral e
contra o Bureau de Organização em particular” é altamente ilustrativa a esse
respeito.
Mas o enfrentamento
entre Lenin e Stalin não se restringiu ao campo político. Na véspera de seu
terceiro derrame, que lhe retiraria completamente a fala e os movimentos do
corpo, Lenin rompe suas relações pessoais com Stalin devido a um incidente
envolvendo Nadezhda Krupskaya, esposa de Lenin. Em uma carta secreta, datada de
5 de março de 1923, Lenin escrevia a Stalin:
“Você fez a grosseria de
chamar minha esposa ao telefone e ofendê-la. (…) Não tenho intenção de esquecer
tão facilmente o que foi feito contra minha pessoa, e não tenho necessidade de
lhe dizer que o que for feito contra minha esposa eu considero também feito
contra mim. Portanto, peço-lhe que reflita e comunique-me se está disposto a
retirar suas palavras e a se desculpar ou se prefere romper as nossas relações.”
Estes e outros materiais
foram escondidos ou ignorados durante muitos anos. Primeiro pelo stalinismo,
por razões óbvias. E depois, pela própria historiografia liberal, pois desses
escritos emerge um Lenin que luta com todas as suas últimas forças contra a
burocratização do partido e do Estado, e para impedir a degeneração completa da
maior obra revolucionária de todos os tempos: a república soviética de
operários, camponeses e soldados.
Diário das secretárias
Foi incluído também
nesta coletânea o assim chamado Diário das secretárias, um conjunto de cadernos
de notas, utilizados pelas secretárias de Lenin durante os últimos meses de
trabalho do líder revolucionário. Nestas anotações, feitas por secretárias e
estenografistas que eram ao mesmo tempo militantes e quadros bolcheviques,
revela-se o lado mais humano de Lenin, seus hábitos, comentários isolados e
reações em um momento tão difícil de adoecimento e perda progressiva de suas
faculdades físicas. Além disso, nas entrelinhas do Diário ficam evidentes as
limitações burocráticas às quais Lenin estava submetido por parte do Bureau
Político, mais especificamente por parte de Stalin. Através das observações
sobre a rotina de trabalho de Lenin, é possível reconstruir mentalmente o
verdadeiro cordão sanitário construído em torno ao líder afastado, de forma que
este soubesse o mínimo possível e opinasse menos ainda.
Uma lição para o futuro
Entre os materiais
reunidos, há vários textos inéditos em português e outros que não eram
publicados desde o final da década de 1970. A presente edição dos Últimos
escritos foi enriquecida ainda com inúmeras notas explicativas, além de uma
detalhada introdução histórica, que localiza cada tema em seu tempo e
importância.
Os Últimos escritos, bem
como as anotações das secretárias, encerram-se no dia 06 de março de 1923,
quando Lenin sofre o terceiro derrame, que o afasta definitivamente de toda e
qualquer atividade política até sua morte, ocorrida em 21 de janeiro de 1924.
Com a presente edição,
esperamos dar uma ideia o mais completa e precisa possível a respeito do
gigantesco trabalho de luta política e reflexão teórica realizado por Lenin em
seus últimos dias. Como escreveu Trotsky em 1926, referindo-se a Lenin: “Seu
pensamento trabalhou para a causa da libertação do proletariado até o exato
momento em que se apagou por completo”. É nosso dever conhecer e levar a todos
os operários conscientes esse trabalho.
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