O Brasil está em condições de restabelecer uma macroeconomia da reindustrialização, a partir do pré-sal
Por Luiz Gonzaga Belluzzo
Vista geral do
navio-plataforma Cidade de Angra dos Reis, primeiro sistema definitivo de
produção instalado na área do campo Lula (ex-Tupi), para exploração da camada
pré-sal da Bacia de Santos.
Desde meados dos anos 80
do século XX, a estrutura e a dinâmica da produção e do comércio globais foram
transformadas pela concomitância entre os movimentos da grande empresa dos
países centrais e as políticas nacionais dos emergentes, particularmente as da
China. O Brasil, protagonista das décadas anteriores, ficou fora do jogo,
golpeado pela crise da dívida externa dos anos 80, depois paralisado pela
política cambial e de abertura sem estratégia na posteridade da estabilização
dos anos 90. Entorpecido pelas trapaças ideológicas dos economistas
comprometidos com a finança, o País não conseguiu acompanhar a reconfiguração
espacial e tecnológica dos núcleos manufatureiros globais.
O leitor de
CartaCapital, imagino, está incomodado com minhas insistências. Mas não custa
repetir. Desde meados dos anos 70 do século XX as transformações na morfologia
da grande empresa transnacional deram origem a uma estruturação dos mercados e
às formas contemporâneas de concorrência de escala global.
O movimento da grande empresa
promoveu a reconfiguração do ambiente internacional. A metástase do sistema
empresarial da tríade desenvolvida – Estados Unidos, Europa e Japão –
determinou uma impressionante mutação na organização das cadeias produtivas e
nos fluxos de comércio. É crescente a importância do comércio intrafirmas e
decisivo o papel do global sourcing, fenômeno acentuado a partir da década de
90.
A nova concorrência
engendrou simultaneamente: 1. A centralização do controle, mediante as ondas de
fusões e aquisições observadas desde os anos 80. 2. A nova distribuição
espacial da produção, ou seja, a internacionalização das cadeias de geração de
valor.
Centralização do
controle e descentralização da produção: esse movimento de dupla face afetou a
natureza e a direção do investimento direto em nova capacidade, reconfigurou a
divisão do trabalho entre produtores de peças e componentes e os “montadores”
de bens finais. E, como já foi dito, alterou a participação dos países nos
fluxos de comércio. O propósito da competição entre os grandes blocos de
capital é assegurar simultaneamente a diversificação espacial adequada da base
produtiva da grande empresa e o “livre” acesso a mercados.
Depois da crise de 2008
e de suas consequências, os países que perderam posição na disputa competitiva
da manufatura, sobretudo os EUA, acenam com uma nova rodada de inovações,
aquelas que seriam classificadas de “poupadoras de mão de obra”.
Na primeira década do
terceiro milênio, o Brasil valeu-se da dotação de recursos naturais (água,
energia, terras agriculturáveis e base mineral) e do dinamismo do agronegócio
para assumir uma posição defensiva no comércio mundial. A situação benigna das
commodities provocou o descuido com a persistência dos fatores que determinaram
o encolhimento e a perda de dinamismo da indústria: câmbio valorizado, tarifas
caras dos insumos de uso geral e carga tributária onerosa e kafkiana.
O Brasil está em
condições de restabelecer uma macroeconomia da reindustrialização, mediante o
uso inteligente de suas vantagens e das promessas que se revelaram recentemente
nas áreas de petróleo e gás. Não basta concentrar os esforços na manutenção de
um câmbio real competitivo ou esperar a queda dos juros produzir
automaticamente a recuperação do investimento industrial.
No Brasil dos anos 50,
60 e 70 havia sinergia – como em qualquer outro país – entre o investimento
público, então comandado pelas empresas estatais, e o investimento privado. A
crise da dívida externa quebrou as empresas públicas encalacradas no
endividamento em moeda estrangeira.
Após a estabilização de
1994, apesar dos avanços na área fiscal, os governos sucessivos se empenharam,
mas não conseguiram administrar de forma eficaz os gastos de capital. Seria
desejável aprimorar a gestão do gasto público e avançar na constituição de um
orçamento de capital para orientar as estratégias de investimento privado.
O volume elevado de
investimento público em infraestrutura é importante para a formação da taxa de
crescimento. Não só: também é decisivo para a política industrial fundada na
formação de “redes de produtividade” entre as construtoras e seus fornecedores:
encomendas para os provedores nacionais e critérios de desempenho para as
empresas encarregadas de dar resposta à demanda de equipamentos, peças e
componentes.
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