Por Wanderley Guilherme dos Santos
Regras democráticas e
direitos constitucionais não transferem suas virtudes às ações que os
reivindicam como garantia. Máfias e cartéis econômicos também são organizações
voluntárias e nem por isso o que perpetram encontra refúgio na teoria
democrática ou em dispositivos da Constituição. Esgueirar-se entre névoas para
assaltar pessoas ou residências não ilustra nenhum direito de ir e vir, assim
como sitiar pessoas físicas ou jurídicas em pleno gozo de prerrogativas civis,
políticas e sociais, ofendendo-as sistematicamente, nem de longe significa
usufruir dos direitos de agrupamento e expressão. Parte dos rapazes e moças que
atende ao chamamento niilista confunde conceitos, parte exaure a libido
romântica na entrega dos corpos ao martírio dos jatos de pimenta, parte
acredita que está escrevendo portentoso capítulo revolucionário. São estes os
subconjuntos da boa fé mobilizada. Destinados à frustração adulta.
É falsa a sugestão de
que se aproximam de uma democracia direta ou ateniense da idade clássica. Essa
é a versão de jornalistas semi-cultos que ignoram como funcionaria uma
democracia direta e que creem na versão popularesca de que Atenas era governada
pelo Ágora – uma espécie de Largo da Candelária repleto de mascarados e
encapuzados trajando luto. Os Ágoras só tratavam de assuntos locais de cada uma
das dez tribos atenienses. Em outras três instituições eram resolvidos os
assuntos gerais da cidade, entre elas a Pnyx, que acolhia os primeiros seis mil
atenienses homens que lá chegassem. Ali falava quem desejasse, apresentassem as
propostas que bem houvessem e votos eram tomados. Os nomes dos proponentes,
porém, ficavam registrados e um conselho posterior avaliava se o que foi
aprovado fez bem ou mal à cidade. Se mal, seu proponente original era julgado,
podendo ser condenado ao confisco de bens, exílio ou morte. A ideia de
democracia direta como entrudo, confete e um cheirinho da loló é criação de
analistas brasileiros.
As cicatrizes que
conquistarem nos embates que buscam não semearão, metaforicamente, sequer a
recompensa de despertar o País para a luta contra uma ditadura (pois
inexistente), apesar de derrotados, torturados e mortos – reconhecimento
recebido pelos jovens da rebelião armada da década de 70. Estão esses moços de
atual boa fé, ao contrário, alimentando o monstro do fanatismo e da
intolerância e ninguém os aplaudirá, no futuro, pelo ódio que agora cultivam,
menos ainda pelas ruínas que conseguirem fabricar. Muito provavelmente buscarão
esconder, em décadas vindouras, este presente que será o passado de que
disporão. Arrependidos muitos, como vários dos participantes do maio de 68,
francês, cuja inconsequência histórica (e volta dos conservadores) é
discretamente omitida nos panegíricos.
Revolução? – Esqueçam.
Das ideias, táticas e projetos que difundem não surgirá uma, uma só,
instituição política decente, democrática ou justa. Não é essa a raiz dessa
energia que os velhotes têm medo de contrariar. É uma enorme torrente de energia,
sem dúvida, mas é destrutiva tão somente. E mais: não deseja, expressamente,
construir nada. Sob cartolinas e vocalizações caricaturais não se abrigam senão
balbucios, gagueira argumentativa e proclamações irracionais. Os cérebros do
niilismo juvenil sabem que não passam de peões, certamente alguns muitíssimo
bem pagos, talvez em casa, a atrair bispos, cavalos e torres para jornadas de
maior fôlego. Afinal, os principais operadores da ordem que se presumem capazes
de substituir são seus pais e avós. Em cujas mansões se escondem, no Leblon e
nos Jardins.
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