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As máscaras do conservadorismo

Por Wanderley Guilherme dos Santos
Com uma esquerda que debanda ou adere ao primeiro berro selvagem da direita, não surpreende que as instituições representativas, Legislativo e Executivo, respondam um tanto como baratas tontas, um tanto como gatos tentando surrupiar sardinhas. Medidas aprovadas por coação antes que por convencimento nem sempre acertam a dose ou mesmo o alvo pretendido. Os dois prá lá dois prá cá na alocação dos recursos futuros do petróleo à saúde e educação, por exemplo, podem estar contratando problemas futuros de não pouca monta.
Hospitais sem aparelhos ou médicos a contento serão focos de insatisfação antes que unidades prestadoras dos serviços esperados. O mesmo se diga de unidades escolares, em qualquer nível, sem apoio logístico material e pessoal apropriado. Falar em pessoal equivale a introduzir o tema da remuneração do serviço público, cujo montante é sempre considerado absurdamente elevado pela mesma classe média a pedir melhor atendimento nos hospitais que, aliás, não freqüenta. Exigir melhores serviços públicos e ser contra as medidas – impostos e salários públicos dignos – necessários à sua materialização é típico dos conservadores, expresso na tese de que Rousseaus, altruístas, são os outros, bastando-lhes o magnífico egoísmo individualista de Adam Smith.
Em algum momento a aprovação do passe livre universal para estudantes – não apenas para os do Pró-Uni – há de ser devidamente analisado. Enquanto os trabalhadores sem carteira assinada e os que trabalham por conta própria não forem cobertos por um programa distributivo do tipo “vale-transporte” – financiado este pelo empresariado aos que possuem carteira assinada -, o passe gratuito universal para estudantes será, em larga medida, um privilégio dos rebentos da classe média.  Não esquecer que a demanda por tarifas subsidiadas para estudantes se repete anualmente há quase cem anos, em busca do mesmo mimo, assim como o pagamento de meia-entrada em centros de diversão. O problema crucial do trabalhador com carteira assinada não é o custo da passagem, mas o custo em tempo e desgaste físico do trajeto casa-trabalho-casa. Mas ai, prezados, o problema não está só do lado dos legisladores suscetíveis a suborno, mas também dos corruptores sobre os quais os anônimos não dão um pio: empreiteiras, imobiliárias, bancos, que destruíram a civilidade de nossas grandes metrópoles.
Enquanto nos Estados Unidos a população, sabendo onde mora o perigo, ocupa Wall Street, aqui os muito bem treinados mascarados conduzem a multidão a depredar Assembléias Legislativas, justamente as Casas criadas para ajudar a defender os vulneráveis dos instintos canibalescos dos mercados.
E a cereja do bolo: a reforma política – a mais peçonhenta manobra sacada por políticos acuados para escapar a uma prestação de contas de respeito. No caso atual, não há nem uma proposta em circulação que seja nova ou que aumente a liberdade dos cidadãos. Ao contrário, várias visam justamente reduzir sua capacidade de intervenção. Enquanto necessário escreverei às terças e quintas analisando o perjúrio em andamento.

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