Por Edmilson Costa
A ideologia
pós-modernista é responsável por grande parte das derrotas dos movimentos
sociais nestas duas décadas. Não só porque esse modismo teórico influenciou
parte da juventude e lideranças dos movimentos sociais, como também porque
levou à frustração milhares de lutadores sociais. Isso porque as lutas
fragmentadas geralmente se desenvolvem de maneira espontânea. No início tem uma
trajetória de ascenso, empolga milhares de pessoas, mas logo depois o movimento
vai enfraquecendo até ser absorvido pelo sistema.
Os anos 90 do século
passado e os primeiros dez anos deste século foram marcados por intenso debate
entre as forças de esquerda sobre o papel dos movimentos sociais, das minorias,
das lutas de gênero e das vanguardas políticas nos processos de transformação
econômica, social e política da sociedade. Colocou-se na ordem do dia a
discussão sobre novas palavras de ordem, novos agentes políticos e sociais,
novas formas de luta, novas concepções sobre a ação prática política.
Esses temas e concepções
ocuparam o vazio político nesse período em funções de uma série de fenômenos
que ocorreram na década de 80 e 90, como a queda do Muro de Berlim, o colapso
da União Soviética e dos países do Leste Europeu, o refluxo do movimento
sindical, a redução das lutas operárias nos principais centros capitalistas, a
perda de protagonismo dos partidos revolucionários, especialmente dos
comunistas,além da ofensiva da ideologia neoliberal em todas as partes do
mundo, sob o comando das forças mais reacionárias do capital.
A conjuntura de derrota
das forças progressistas favoreceu a todo tipo modismo teórico e fetiche
ideológico. Sob diversos pretextos, certas forças políticas, inclusive alguns
companheiros de esquerda, começaram a questionar a centralidade do trabalho na
vida social, o papel dos partidos políticos como vanguarda dos processos de
transformações sociais e políticas, a atualidade da luta de classes como
instrumento de mudança da história e o próprio socialismo-comunismo como
processo que leva à emancipação humana.
Esse movimento teórico e
político envolveu forças difusas, mas influentes junto à juventude e vários
movimentos sociais. O objetivo era desconstruir o discurso dos partidos
políticos revolucionários, do movimento sindical e do próprio marxismo, como
síntese teórica da revolução. Para estas forças, os discursos de temas
abrangentes, como a igualdade, o socialismo, a emancipação humana, os valores
históricos do proletariado, as soluções coletivas contra a opressão humana,
eram coisa do passado e produto de um mundo que já existia mais.
No lugar desses velhos
temas, tornava-se necessário colocar um novo discurso, como forma de forma a
reconhecer a fragmentação da realidade e do conhecimento, a constatação da
diferença, a emergências de novos sujeitos sociais, com características,
valores e reivindicações específicas, como os movimentos sociais, de gênero,
raça, etnia, etc, e novas formas de formas de luta, inclusive com renúncia à
tomada do poder.
O condensamento desse
ecletismo conservador, dessa matriz teórica diluidora, pode ser expresso no que
se convencionou chamar de pós-modernismo. Essa é a fonte teórica inspiradora de
todos os modismos teóricos e fetiches que se tornou moda as duas últimas
décadas. Quais são os principais supostos teóricos dos pós-modernistas, que
tanta influência tiveram nesses anos de vazio político? Vamos nos ater a três
vertentes fundamentais que norteiam os fundamentos dessa corrente teórica.
1) O fim da centralidade
do trabalho. Um dos temas mais destacados pelos pós-modernistas é o fato de que
as tecnologias da informação, a reestruturação produtiva e a inserção acelerada
de ciência no processo produtivo tornaram obsoleto o conceito de classe
operária e proletariado, até mesmo porque esses atores estão se tornando
residuais num mundo globalizado onde impera a robótica, a internet e a
informática avançada. Alguns desses teóricos chegaram a dar adeus ao
proletariado, que seria um conceito típico da segunda revolução industrial.
Prova disso, seria a constatação de que a classe operária está diminuindo em
todo o mundo e, por isso mesmo, perdeu o protagonismo para outros movimentos
emergentes no capitalismo globalizado.
Os teóricos
pós-modernistas se comportam como o caçador que vê apenas as árvores mas não
consegue enxergar a floresta. Olham o mundo a partir de uma perspectiva da
Europa ou Estados Unidos. Por isso, não conseguem compreender que o capital
possui uma extraordinária mobilidade, em função da busca permanente por
valorização. Por isso, são incapazes de perceber que o proletariado está
crescendo de maneira expressiva em termos mundiais, com o deslocamento de
milhares de indústrias dos EUA e da Europa para a Ásia, processo que está
incorporando ao mundo do trabalho centenas de milhões de trabalhadores na
China, na Índia e em toda a Ásia, num movimento que está mudando a conjuntura
mundial.
Não conseguem entender
que o próprio capitalismo é uma contradição em processo, pois quanto mais se
moderniza, quanto mais insere ciência na produção, mais amplia sua composição
orgânica e, consequentemente, mais pressiona as taxas de lucro para baixo. Por
isso, o capitalismo não pode existir sem seu contraponto, o proletariado. Se o
capitalismo automatizasse todas suas fábricas o sistema entraria em colapso,
pois os robôs são até mais disciplinados que os seres humanos, são capazes de
trabalhar sem descanso, não reivindicam salário, nem fazem greve, mas também
tem seu calcanhar de Aquiles: não consomem. Se não tem consumidores, os
capitalistas não têm para quem vender suas mercadorias. Ou seja, antes de uma
automatização total, o sistema entraria em colapso em função de suas próprias
contradições.
2) O fim da centralidade
da luta de classes. Outro dos argumentos dos teóricos pós-modernos é a alegação
de que a luta de classes é coisa do passado. Afinal, dizem, se o proletariado
está se reduzindo aceleradamente, não existe mais identidade de classe e,
portanto, não teria sentido se falar em luta de classes. Nessa perspectiva,
dizem, a reestruturação produtiva pode ser considerada uma espécie de dobre de
finados que veio sepultar os velhos agentes do passado, como o movimento
sindical. Prova disso, é que os sindicatos perderam o protagonismo e agora
agonizam em todo o mundo. E o principal representante teórico do mundo do
trabalho, o marxismo, também estaria ultrapassado, em função de sua visão
monolítica do mundo.
Novamente, os teóricos
pós-modernistas também não compreendem a história e confundem sua submissão
ideológica à ordem capitalista com a realidade dos trabalhadores. A luta de
classes sempre existiu desde que as classes se constituíram na humanidade e
continuará sua trajetória enquanto existir a exploração de um ser humano por
outro. Não porque os marxistas querem, mas porque a realidade a impõe. Nos
tempos de refluxo as lutas sociais diminuem, parece que os trabalhadores estão
passivos e os capitalistas imaginam que conseguiram disciplinar para sempre os
trabalhadores.
Nessa conjuntura, o
discurso do fim da luta de classe, da passividade dos trabalhadores, chega a
influenciar muita gente, afinal, quem não tem uma perspectiva histórica do
mundo se atém apenas à superfície dos fenômenos, à aparência das coisas. Mas
nos momentos de crise do capitalismo, esse discurso se torna inteiramente
inadequado, entra em choque com a realidade, uma vez que a crise coloca a luta
de classes naordem do dia com uma atualidade extraordinária, para desespero
daqueles que imaginavam o seu fim.
Se observarmos a
realidade atual, onde o sistema capitalismo enfrenta sua maior crise desde a
Grande Depressão, poderemos facilmente constatar e emergência da luta de
classes em praticamente todas as partes do mundo. É só observar as insurreições
no Oriente Médio, na África, as lutas na América Latina, as greves e
mobilizações na Europa. Além disso, a crise também tornou o marxismo mais atual
do que nunca. Mesmo os capitalistas estão lendo O Capital para tentar entender
o que está ocorrendo no mundo.
3) As vanguardas
políticas não têm mais nenhum papel a desempenhar no mundo globalizado. O
terceiro dos argumentos-chave dos teóricos pós-modernistas é o fato de os
partidos revolucionários, especialmente os comunistas, não têm mais nenhum
papel a desempenhar no mundo atual. A ação política agora deve ser comandada
pelos movimentos sociais, pelos movimentos de gênero, minorias étnicas, de
raças, sexuais, etc, que são vítimas de “opressões específicas”. Isso porque os
partidos seriam organizações autoproclamatórias, autoritárias, portadoras de um
fetiche autorealizável, que é a revolução socialista.Essas instituições,
portadoras de um discurso utópico de emancipação humana, estão também
definhando em todo o mundo porque não estariam entendendo a realidade do mundo
globalizado.
Mais uma vez os teóricos
pós-modernistas não conseguem compreender a totalidade da vida social. Por
isso, vêem o mundo sem unidade, fragmentado e disperso. Não entendem que, por
trás da “opressãoespecífica” que atinge os movimentos sociais e de gênero,
etnia, raça, sexual, está o grande capital apropriando a mais-valia de todos,
independentemente de raça, sexo ou orientação religiosa . Não compreendem que
os movimentos, por sua própria natureza, têm limites institucionais e de
representatividade.
Um sindicato, por mais
combativo que seja, deve representar os interesses dos trabalhadores que
representa. Da mesma forma que uma entidade estudantil, uma organização de
moradores, de mulheres ou dehomosexuais tem como objetivo defender os
interesses específicos de seus representados, atuam nos limites institucionais
da ordem burguesa. Somente o partido político revolucionário, que se propõe a
derrotar a ordem capitalista e que junta em suas fileiras todos esses segmentos
sociais, possui condições para entender a totalidade da luta política e lançar
propostas globais para a transformação da sociedade.
A prática das lutas sociais
Se observarmos as lutas
sociais que foram realizadas nos últimos anos, poderemos constatar facilmente
que grande parte delas foram derrotadas exatamente porque não existiam
vanguardas com capacidade de conduzir e orientar essas lutas para a radicalidade
da luta de classes e a emancipação do proletariado. Não se trata aqui de negar
a importância das lutas específicas ou dos movimentos sociais. Pelo contrário,
são fundamentais para qualquer processo de mudança, servem também como
aprendizado da luta dos trabalhadores, mas deixadas por si mesmas, apenas com
seu conteúdo espontaneísta, não tem condições de realizaras transformações da
sociedade e terminam se esvaziando e sendo derrotadas pelo capital.
O teatro de operações é
mais ou menos o seguinte: após um momento de euforia e mobilização os
movimentos sociais são capazes de realizar proezas impressionantes, como
desacreditar a velha ordem, desafiar as classes dominantes, mas num segundo
momento a euforia se esgota em si mesma sem atingir os objetivos por falta de
perspectivas. A América Latina é um importante posto de observação para
constatarmos essahipótese, mas também em várias partes do mundo os exemplos são
férteis para verificarmos a necessidades de vanguardas políticas.
A Bolívia, por exemplo,
foi palco de várias insurreições populares contra governos neoliberais. As
massas se sublevaram, foram às ruas aos milhões, derrubaram os governos
conservadores, mas o máximo que conseguiram foi eleger um presidente
progressista que é fustigado a todo momento pelo capital e não consegue
realizar plenamente nem o próprio programa a que se propôs no período das
eleições.
No Equador, ocorreram
também várias insurreições populares. Em uma delas, os movimentos conquistaram
o poder e o entregaram a um militar que depois os traiu e agora é um personagem
conservador na política do País. Posteriormente, no bojo de outra insurreição,
conseguiram eleger um presidente progressista, mas este não consegue
implementar um programa transformador porque o capital não lhe dá trégua.
Recentemente quase foi deposto por um setor militar sublevado.
Na Argentina, em função
da crise econômica herdada do governo neoliberal de Menem, as massas também se
sublevaram aos milhões em várias regiões do País. Em um período curto o País
mudou três vezes de presidente. O resultado da sublevação popular foi a eleição
de Nestor Kirchner e, posteriormente, de sua companheira, Cristina Kirchner.
Nesses anos de poder, os Kirchner também não realizaram nenhuma mudança de fundo.
O capitalismo seguiu seu curso como se nada tivesse acontecido.
Mais recentemente, duas
grandes insurreições populares derrubaram os governos conservadores da Tunísia,
do Egito e do Iêmen. Milhares de pessoas se sublevaram durante vários dias,
centenas de pessoas morreram, os ditadores deixaram o poder, mas os movimentos
sociais, sem vanguarda política, não conseguiram seus objetivos. Setores da
burguesia local encabeçaram a formação de novos governos e os trabalhadores
mais uma vez deixaram escapar de suas mãos a revolução.
No Brasil, um grande
movimento social, o Movimento dos Sem Terra (MST) enfrentou com bravura os
governos neoliberais, tendo como norte a bandeira da reforma agrária. Organizou
um movimento original e de massas, com base social em todo o País,
especialmente entre a população mais pobre da cidade e do campo. O MST ocupou
fazendas dos latifundiários, realizou formação de grande parte dos seus quadros
e até mesmo conseguiu construir uma universidade popular para formação
permanente dos seus militantes.
No entanto, o
desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e a emergência do
agronegócio criaram uma nova conjuntura no campo brasileiro, onde as relações
de produção passaram a se darpredominantemente entre capital e trabalho. Essa conjuntura,
aliada ao programa de compensação social do governo Lula, o “Bolsas Família”,
uma programa de transferência de renda para a população mais pobre, levou o MST
a uma encruzilhada.
Ou seja, a realidade
mudou radialmente no campo brasileiro, mas a razão de ser do MST era a reforma
agrária. Por isso, o movimento, que se tornara um dos símbolos de luta contra o
neoliberalismo e, por isso mesmo obteve simpatia mundial, agora está perdendo
protagonismo. Os acampamentos do MST foram reduzidos para menos da metade e o
movimento vive grandes dificuldades estratégicas. Afinal, se a maioria dos
trabalhadores está nas cidades, se o capitalismo hegemonizou as relações de
produção no campo e subordinou a pequena agricultura à lógica do capital,
torna-se difícil a sobrevivência no longo prazo de um movimento que tem apenas
a bandeira da reforma agrária como luta estratégica.
A condensação mais
expressiva da teoria movimentista foi o Fórum Social Mundial (FSM). Por ocasião
do primeiro FSM, em Porto Alegre, parecia que todos tinham encontrado a fórmula
ideal, a varinha mágica,para as novas lutas sociais. Milhares de lutadores de
todo o mundo convergiram para o Rio Grande do Sul para se fazer presentes no
lançamento da nova grife da luta mundial autônoma. Foi um sucesso
extraordinário e um contraponto ao Foro de Davos, onde os capitalistas tramavam
novas estratégias para dominação do mundo.
O sucesso de público e
de mídia do FSM parecia ter enterrado de vez a noção de vanguarda política.
Agora seriam os movimentos sociais, os movimentos de gênero, etnia, das
mulheres, os movimentos sociais que doravante comandariam as lutas no mundo.
Adeus partidos políticos, adeus movimento sindical, adeus velhos atores sociais
da segunda revolução industrial. Agora eram os movimentos difusos, sem
centralidade política, inteiramente autônomos, livres de dogmas e ideologias
ultrapassadas que iriam provar ao mundo a nova realidade da luta social e
política.
Muita gente sinceramente
acreditou que o FSM poderia ser a fórmula mágica, o contraponto contemporâneo
ao capital, o substituto das velhas vanguardas políticas e seu discurso
autoproclamatório. Mas a realidade aos poucos foi colocando no devido lugar o
modismo movimentista. Com o tempo, o FSM foi perdendo fôlego, foi se esvaziando,
até o ponto em que hoje ninguém mais acredita que possa ser alternativa a coisa
nenhuma. Mas uma vez a vida provou que os movimentos por si só não têm
condições de mudar a sociedade, é necessário a vanguarda política para conduzir
os processos de transformação.
O significado do pós-modernismo e as lutas sociais
Em outras palavras, a
ideologia pós-modernista é responsável por grande parte das derrotas dos
movimentos sociais nestas duas décadas, não só porque esse modismo teórico
influenciou parte da juventude e lideranças dos movimentos sociais, como também
porque levou à frustração milhares de lutadores sociais. Isso porque as lutas
fragmentadas geralmente se desenvolvem de maneira espontânea. No início tem uma
trajetória de ascenso, empolga milhares de pessoas, mas logo depois o movimento
vai enfraquecendo até ser absorvido pelo sistema.
Em outras palavras, o
pós-modernismo é o fetiche ideológico típico dos tempos de neoliberalismo e
representa a ideologia pequeno-burguesa da submissão sofisticada à ordem do
capital. Mas essa ideologia carrega consigo uma contradição insolúvel: no
momento em que o capital mais se globaliza, com a internacionalização da
produção e das finanças, é justamente neste momento que os pós-modernos pregam
a fragmentação da realidade, a setorização das lutas sociais, a especificidade
dos combates de gênero, etnia, raça, sexo, etc. Só mesmo quem não quer mudar a
ordem capitalista pensa desse jeito.
Na verdade, todos que
seguem esse ritual teórico, de maneira direta ou indireta, estão abrindo mão de
um projeto emancipatório e escondem sua impotência mediante um discurso cheio
de abstrações sociológicas, mas muito conveniente para o capital. Por isso,
combatem as lutas gerais, para fragmentá-las em lutas específicas, que não
afrontam abertamente o sistema dominante.Trata-se do verejo da política
fantasiado de moderno.
Esses setores cumpriram,
nos últimos 20 anos e ainda cumprem até hoje, um papel muito especial na luta
ideológica atual: eles são a mão esquerda do social-liberalismo capitalista.
Influenciam as gerações mais jovens, desenvolvem um discurso com aparência de
modernidade, influem na organização das lutas sociais. Com seu discurso
eclético e fatalista, cheio de senso comum, desorientam setores importantes da
sociedade no que se refere à ação política e, na prática, ajudam a organizar,
mesmo que indiretamente, a submissão de vários setores sociais à ordem
capitalista e aos valores do mercado.
Essas duas décadas de
experiências fragmentadas nos levam à conclusão de que, mais do que nunca, as
vanguardas revolucionárias têm um papel fundamental no processo de transformações
sociais. São elas exatamente que podem conduzir e orientar os vários movimentos
sociais com uma plataforma estratégica de emancipação da humanidade, o que
significa derrotar o imperialismo e o capitalismo e transitar para a construção
da sociedade socialista.
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