Por Nilton Viana, no
Brasil de Fato
“É hora do governo
aliar-se ao povo ou pagará a fatura no futuro”. Essa é uma das avaliações de
João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST sobre as mobilizações em
todo o país.
Segundo ele, há uma
crise urbana instalada nas cidades brasileiras, provocada por essa etapa do
capitalismo financeiro. “As pessoas estão vivendo um inferno nas grandes
cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar
com a família, estudando ou tendo atividades culturais”, afirma.
Para o dirigente do MST,
as redução da tarifa interessava muito a todo o povo e esse foi o acerto do
Movimento Passe Livre, que soube convocar mobilizações em nome dos interesses
do povo.
Nesta exclusiva ao
Brasil de Fato, Stedile fala sobre o caráter dessas mobilizações, e faz um
chamamento: devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos
todos para as ruas disputar corações e mentes para politizar essa juventude que
não tem experiência da luta de classes.
“A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa,
mercantil”, constata.
E faz um alerta: o mais
grave foi que os partidos de esquerda institucional, todos eles, se moldaram a
esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. As forças populares e os
partidos de esquerda precisam colocar todas as suas energias para ir à rua,
pois está ocorrendo, em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa
ideológica permanente da luta dos interesses de classes. “Precisamos explicar
para o povo quem são seus principais inimigos”.
Como você analisa as recentes manifestações que vem sacudindo o Brasil
nas últimas semanas? Qual é base econômica para elas terem acontecido?
Há muitas avaliações de
porque estarem ocorrendo estas manifestações. Me somo à analise da professora
Erminia Maricato, que é nossa maior especialista em temas urbanos e já atuou no
Ministério das Cidades na gestão Olivio Dutra.
Ela defende a tese de
que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras provocadas por essa
etapa do capitalismo financeiro. Houve uma enorme especulação imobiliária que
elevou os preços dos alugueis e dos terrenos em 150% nos últimos três anos.
O capital financiou sem
nenhum controle governamental a venda de automóveis, para enviar dinheiro pro
exterior e transformou nosso trânsito um caos. E nos últimos dez anos não houve
investimento em transporte público. O programa habitacional Minha Casa, Minha
Vida, empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infraestrutura.
Tudo isso gerou uma
crise estrutural em que as pessoas estão vivendo num inferno nas grandes
cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar
com a família, estudando ou tendo atividades culturais.
Somado a isso, a péssima
qualidade dos serviços públicos, em especial na saúde, e mesmo na educação,
desde a escola fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber
fazer uma redação. E o ensino superior virou lojas de vendas de diplomas a
prestações, onde estão 70% dos estudantes universitários.
E do ponto de vista político, por que aconteceu?
Os quinze anos de
neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de composição de classes
transformou a forma de fazer política refém apenas dos interesses do capital.
Os partidos ficaram velhos em suas práticas e se transformaram em meras siglas
que aglutinam, em sua maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou
disputar recursos públicos para seus interesses.
Toda juventude nascida
depois das diretas já não teve oportunidade de participar da política. Hoje,
para disputar qualquer cargo de vereador, por exemplo, o sujeito precisa ter
mais de 1 milhão de reais. Deputado custa ao redor de 10 milhões de reais. Os
capitalistas pagam, e depois os políticos obedecem. A juventude está de saco
cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil.
Mas o mais grave foi que
os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos.
Envelheceram e se burocratizaram. E, portanto, gerou na juventude uma ojeriza a
forma dos partidos atuarem. E eles tem razão. A juventude não é apolítica, ao
contrário, tanto é que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência do seu
significado.
Estão dizendo que não
aguentam mais assistir na televisão essas práticas políticas, que seqüestraram
o voto das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de
esquerda precisam reapreender que seu papel é organizar a luta social e
politizar a classe trabalhadora. Senão cairão na vala comum da história.
E porque as manifestações eclodiram somente agora?
Provavelmente tenha sido
a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, mais do que
alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as
denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo.
Vejam alguns episódios. A Rede Globo
recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de reais de
dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas horas, no sorteio
dos jogos da Copa das Confederações.
O estádio de Brasília
custou 1,4 bilhão de reais e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e
as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A
reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras:
no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço!
E aí o aumento das
tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado
de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo Gerlado
Alckmin, que protegido pela mídia que ele financia e acostumado a bater no povo
impunemente, como fez no Pinheirinho, jogou sua polícia para a barbárie. Aí
todo mundo reagiu.
Ainda bem que a
juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que soube
capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa.
Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?
É verdade, a classe
trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na rua são os filhos da classe
média, da classe média baixa, e também alguns jovens do que o André Singer
chamaria de sub-proletariado, que estudam e trabalham no setor de serviços, que
melhoraram as condições de consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos
apareceram mais em outras capitais e nas periferias.
A redução da tarifa interessava muito a todo povo e esse foi o
acerto do MPL. Soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o
povo apoiou as manifestações e isso está expresso nos índices de popularidade
dos jovens, sobretudo quando foram reprimidos.
A classe trabalhadora
demora a se mover, mas quando se move, afeta diretamente ao capital. Coisa que
ainda não começou a acontecer. Acho que as organizações que fazem a mediação
com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e estão um pouco
tímidas. Mas acho que enquanto classe, ela também está disposta a lutar. Veja
que o número de greves por melhorias salariais já recuperou os padrões da
década de 80.
Acho que é apenas uma
questão de tempo, e se as mediações acertarem nas bandeiras que possam motivar
a classe a se mexer. Nos últimos dias, já se percebe que em algumas cidades
menores, e nas periferias das grandes cidades, já começam a ter manifestações
com bandeiras de reivindicações bem localizadas. E isso é muito importante.
E vocês do MST e camponeses também não se mexeram ainda.
É verdade. Nas capitais
onde temos assentamentos e agricultores familiares mais próximos já estamos
participando. E inclusive sou testemunha de que fomos muito bem recebidos com
nossa bandeira vermelha, com nossa reivindicação de Reforma Agrária e alimentos
saudáveis e baratos para todo povo.
Acho que nas próximas
semanas poderá haver uma adesão maior, inclusive realizando manifestações dos
camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na nossa militância está todo mundo doido para entrar na briga e
se mobilizar. Espero que também se mexam logo.
Na sua opinião, qual é a origem da violência que tem acontecido em
algumas manifestações?
Primeiro vamos
relativizar. A burguesia através de suas televisões tem usado a tática de
assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e
quebra-quebra. São minoritários e insignificantes
diante das milhares de pessoas que se mobilizaram.
Para a direita interessa
colocar no imaginário da população que isso é apenas bagunça e, se no final se
tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das forças armadas.
Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a guarda nacional e as
forças armadas para reprimir as manifestações. É tudo o que a direita sonha!
Quem está provocando as
cenas de violência é a forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi
preparada desde a ditadura militar para tratar o povo sempre como inimigo. E
nos estados governados pelos tucanos (SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de
impunidade.
Há grupos direitistas
organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em São Paulo atuaram
grupos fascistas e leões de chácaras contratados. No Rio de Janeiro atuaram as
milícias organizadas que protegem seus políticos conservadores. E, claro, há
também um substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular,
seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja tentando tirar seus
proveitos.
Há então uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude
manifestando sua indignação?
É claro que há uma luta
de classes na rua. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é
mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem
consciência de que está participando de uma luta ideológica.
Vejam, eles estão
fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos
cartazes: somos contra os partidos e a política? Por isso tem sido tão difusa
as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação,
uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens
estão sendo disputados pelas idéias da direita e pela esquerda. Pelos
capitalistas e pela classe trabalhadora.
Por outro lado, são
evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de
inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das mascaras e procuram
criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De repente, uma mensagem
estranha alcança milhares de mensagens. E ai se passa a difundir o resultado
como se ela fosse a expressão da maioria.
Esses mecanismos de
manipulação foram usados pela CIA e o departamento de estado Estadunidense na
primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da
Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus
objetivos.
E quais são os objetivos da direita e suas propostas?
A classe dominante, os
capitalistas, os interesses do império Estadunidense e seus porta-vozes
ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, tem um grande objetivo:
desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da
classe trabalhadora, derrotar qualquer propostas de mudanças estruturais na
sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia
total no comando do estado brasileiro, que agora está em disputa.
Para alcançar esses
objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. As vezes provocam
a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. As vezes colocam nos
cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado em
São Paulo, embora pequena, foi totalmente manipulada por setores direitistas
que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e
palavras de ordem iguais.
Certamente a maioria dos
jovens nem sabem do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a
direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez a UDN (União Democrática Nacional) em tempos
passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas.
Tenho visto nas redes
sociais controladas pela direita que suas bandeiras, além da PEC 37, são a
saída do Renan do Senado, CPI e transparência dos gastos da Copa, declarar a
corrupção crime hediondo, e fim do Foro especial para os políticos. Já os
grupos mais fascistas ensaiam Fora Dilma e abaixo-assinados pelo impechment.
Felizmente essas
bandeiras não têm nada ver com as condições de vida das massas, ainda que elas
possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé.
Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os
maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da
Copa? A Rede Globo e as empreiteiras!
Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as
organizações populares e partidos de esquerda?
Os desafios são muitos.
Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações, e irmos
todos para a rua, disputar corações e mentes para politizar essa juventude que
não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa
se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como
diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas
concretos da classe, do ponto de vista econômico e político.
Terceiro, precisamos
explicar para o povo quem são seus principais inimigos. E agora são os bancos,
as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os
latifundiários do agronegócio, e os especuladores.
Precisamos tomar a
iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de
redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de
investimentos públicos seja em saúde, educação, Reforma Agrária.
Mas para isso o governo
precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200
bilhões de reais que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores
de uma dívida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos
e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os
recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas
do povo?
Aprovar em regime de
urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego,
que no mínimo institua o financiamento público exclusivo da campanha. Direito a
revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados.
Precisamos de uma
reforma tributária que volte a cobrar ICMS (Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços) das exportações primárias, penalize a riqueza dos ricos
e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam.
Precisamos que o governo
suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios
e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todo royalties do petróleo em
educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os
outros 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo
nos leilões!
Uma reforma urbana
estrutural, que volte a priorizar o transporte público, de qualidade e com
tarifa zero. Já está provado que não é caro e nem difícil instituir transporte
gratuito para as massas das capitais. Controlar a especulação imobiliária.
E finalmente, precisamos
aproveitar e aprovar o projeto da Conferência Nacional de Comunicação,
amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação. Para
acabar com o monopólio da Globo e para que o povo e suas organizações populares
tenham ampla acesso a se comunicar, criar seus próprios meios de comunicação,
com recursos públicos. Ouvi de diversos
movimentos da juventude que estão articulando as marchas, que talvez essa seja
a única bandeira que unifica a todos: Abaixo ao monopólio da Globo!
Mas para que essas
bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e os
políticos, somente acontecerá se a classe trabalhadora se mover.
O que o governo deveria fazer agora?
Espero que o governo
tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor
que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na
sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo.
E para isso o governo
precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a
burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em
áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas,
tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de
comunicação. Criar mecanismos para investimento pesados em transporte público,
que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a Reforma Agrária e um plano de
produção de alimentos sadios para o mercado interno.
Garantir logo a
aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os
níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de
qualidade, até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública.
Sem isso, haverá uma
decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, que
levarão a novas manifestações visando desgastar o governo até as eleições de
2014. É hora do governo aliar-se ao povo, ou pagará a fatura no futuro.
E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos
próximos meses?
Tudo ainda é uma
incógnita. Porque os jovens e as massas estão em disputa. Por isso que as
forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias
para ir à rua. Manifestar-se, colocar as bandeiras de luta de reformas que
interessam ao povo, porque a direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas
bandeiras conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das
idéias de mudanças sociais.
Estamos em plena batalha
ideológica que ninguém sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, cada
manifestação, precisamos disputar corações e mentes. E quem não entrar, ficará
de fora da história.
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