Por Paulo Moreira Leite
Depois das bombas, das
cacetadas e das balas de borracha, das trapalhadas, das frases infelizes, das
incompreensões mútuas, já se pode perceber claramente quem quer a mudança e
quem quer conservar tudo como está em nosso sistema político.
Até uma criança já sabe
que o Congresso não quer e não vai fazer uma reforma política que afaste o
poder econômico dos partidos, garanta uma transparência maior à eleição e maior
representatividade a nossos partidos. Não é uma questão de adivinhação, de análise,
mas de memória.
Sempre que o debate
chegou a esse ponto, das medidas concretas de mudança, aquela maioria
gelatinosa que domina a política brasileira em tantos aspectos fundamentais se
manifesta para manter tudo como está. A última vez foi em março deste ano,
quando uma frente partidária matou a possibilidade, ainda que ela tivesse
condições de andar pelo plenário.
Foi para enfrentar essa
fortaleza irresistível, que está além das alianças de governo e da fidelidade
partidária, que surgiu a proposta de plebiscito.
A ideia é muito simples:
o povo aprova, em urna, as linhas gerais das propostas de mudança. Em seguida,
os parlamentares, seguindo os princípios definidos pelo voto popular, se
encarregam de transformar a vontade do povo em lei.
Com esse apoio direto da
população, é possível, entre outras medidas, eliminar a contribuição das
empresas para campanhas, que permite ao poder econômico alugar o Estado a seus
interesses.
Ao contrário do que
sugerem nossos moralistas, a origem da corrupção encontra-se aí, neste caminho
aberto para negócios clandestinos e tramas interesseiras à sombra do Estado.
Não é falta de princípios. São as regras do negócio – inclusive eleitoral.
É compreensível que,
nessa circunstância, aqueles que querem impedir uma reforma verdadeira já
tenham se alinhado com uma orientação simples: impedir o plebiscito.
Vão fingir e dissimular.
Vão gritar chavismo, peronismo, e até, quem sabe, lulismo. Não importa.
O objetivo é
estratégico. Sem essa vontade popular expressa em urna, enterra-se aquilo que
não lhes interessa. No fundo, no fundo, se tudo ficar como está, talvez com uma
ou outra maquiagem, já está muito bom.
Sem plebiscito, chega-se
ao mais importante, que é manter o povo, impotente, fora dos debates. A reforma
se resolve dentro dos muros do Congresso – e nós sabemos muito bem os
interesses que prevalecem nessa situação. São os mesmos que prevaleceram até
agora. Aí, se faz um referendo e todos voltam para casa depois de um piquenique
no parque.
O problema, em tempos
atuais, é que é muito difícil assumir o próprio conservadorismo.
O conservadorismo
escancarado compromete a máscara que permite a um neoliberal se apresentar como
libertário, apontando o Estado de Bem-Estar Social como forma de opressão e o
Estado mínimo como libertação.
O programa de reforma
eleitoral dessa turma é contribuição privada para campanha e voto facultativo.
Querem transformar o Estado numa ONG, quem sabe um clube.
Não querem que o povo
tenha o direito de escolher como se dá o acesso ao Estado.
Este é o debate, agora.
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