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O FBI e a construção do terrorismo

Por Trevor Aaronson
Como o FBI de Boston incentivou um terrorista lunático a seguir em frente com seu plano mirabolante, para depois prendê-lo.
Será que os ataques de Boston poderiam ter sido impedidos? Logo depois dos ataques, essa pergunta ganhou destaque com as notícias de que o FBI estava seguindo o rastro do suposto terrorista Tamerlan Tsarnaev mais de dois anos atrás. Mas a pergunta é ainda mais enfatizada por outra operação que o FBI realizou na área de Boston durante o mesmo período – focada em um assunto diferente, e de importância duvidosa.
Em janeiro de 2011, quando o FBI examinou a ficha do suposto terrorista da Maratona de Boston e o descartou como ameaça, agentes do escritório de Boston foram atrás de outro suspeito de terrorismo. Ao mesmo tempo que decidiu parar de rastrear Tsarnaev – cuja viagem de seis meses para a Rússia, feita na época, é agora de primordial interesse dos investigadores – o FBI conduziu uma intrincada operação policial contra um jovem muçulmano que tinha um plano fantasioso de atacar o Capitólio dos Estados Unidos com um avião de controle remoto.
O contraste entre os dois casos ocorridos em Boston no início de 2011 levanta questões sobre a efetividade da estratégia antiterrorista do FBI.
Desde os ataques de 11 de setembro, em 2001, a prioridade do FBI tem sido prevenir um próximo ato terrorista. O órgão gasta US$ 3,3 bilhões com antiterrorismo todos os anos, a maior porção de seu orçamento anual de US$ 8,2 bilhões. (Isso representa US$ 650 milhões a mais do que o FBI gasta investigando o crime organizado, sua segunda maior prioridade de financiamento). Um elemento chave da estratégia do FBI tem sido fazer operações contra supostos terroristas – em muitos casos percorrendo longos caminhos para capacitar perpetradores improváveis, como dem onstrado em reportagem de 2011 na revistaMotherJones, e no livro A Fábrica do Terror.
O FBI tem atuado sobre esses suspeitos usando informantes e vigilância online, como análise da presença e do histórico do suspeito na internet, como atividades em fóruns extremistas, interesse em vídeos militantes jihadistas e outras coisas que indiquem simpatia por organizações terroristas.
Foi desta maneira que o FBI perseguiu vigorosamente Rezwan Ferdaus, formado pela Universidade de Northeastern, nascido em Massachusetts, que morava com os pais no subúrbio de Boston.
Ferdaus chamou a atenção do FBI por meio de um informante que fingiu ser agente da Al Qaeda – um homem que recebeu US$ 50 mil do FBI por seus esforços, enquanto escondia seu vício em heroína dos agentes.
De acordo com registros da justiça, Ferdaus segredou ao informante que queria destruir a cúpula de ouro do Capitólio dos EUA utilizando um avião de controle remoto recheado com granadas. Se esse plano já era improvável, a possibilidade de que Ferdaus pudesse tentar colocá-lo em prática também era: ele não tinha armas, e mesmo que soubesse onde comprar explosivos, Ferdaus estava falido.
Mas, através do seu informante pago, o FBI encorajou Ferdaus a seguir com sua ideia de atacar o Capitólio dos Estados Unidos.
A agência destinou recursos significativos para a operação, dando a Ferdaus US$ 4 mil para comprar um avião de controle remoto F-86 Sabre e fornecendo “explosivos” para ele – 25 quilos de C-4 falso e três granadas inertes.
Em maio de 2011, Ferdaus viajou para Washington, para analisar locais a partir de onde poderia lançar sua arma – tudo isso enquanto estava sendo secretamente filmado por agentes do FBI. Finalmente, em 28 de setembro de 2011, após uma operação policial de nove meses, agentes do FBI prenderam Ferdaus, acusando-o de, entre outras coisas, de tentar destruir um prédio federal e fornecer material de apoio para terroristas.
Ferdaus se declarou culpado e foi sentenciado a 17 anos de prisão, ainda que nenhuma prova indicasse que ele poderia ter construído e lançado uma arma sem o dinheiro e o material dado pelo FBI.
Desde os ataques de 11 de setembro, o FBI prendeu mais de 175 supostos terroristas usando operações como a de Boston, em que Ferdaus foi preso. Nessas operações caras e elaboradas, os alvos são geralmente homens às margens das comunidades muçulmanas. Muitos estão economicamente desesperados e alguns são doentes mentais, e são facilmente manipulados por informantes pagos e agentes secretos.
Trevor Aaronson é co-diretor do Centro de Reportagem Investigativa da Flórida e autor de A Fábrica do Terror: dentro da guerra fabricada do FBI contra o terrorismo ((The Terror Factory: Inside the FBI’s Manufactured War on Terrorism).

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