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“O caminho é a integração”, afirma o cientista social Theotonio dos Santos

Por Osvaldo León, Agencia Latinoamericana de Información
Em entrevista, Theotonio dos Santos avalia os processos de integração na América Latina, fala sobre a relação com a China e alerta para a ameaça da Aliança do Pacífico
No ato de abertura do VIII Fórum da Associação Mundial de Economia Política, no final de maio deste ano, o cientista social brasileiro Theotonio dos Santos foi homenageado com o Prêmio Economista Marxista 2013, que esta entidade outorga desde o ano de 2011, como reconhecimento de sua extensa produção intelectual, que tem como um dos eixos a “Teoria da Dependência”, tendo em vista que participou na sustentação inicial dela.
Formado em economia, sociologia e ciência política, este professor emérito, da Universidade Federal Fluminense e coordenador da Cátedra e Rede UNESCO-ONU de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reglen), participou da Conferência da União de Nações Sul-Americanas sobre “Recursos Naturais para um Desenvolvimento Integral da Região”, realizada entre 27 e 30 de maio, que ocorreu em Caracas, Venezuela, onde aconteceu a entrevista que se segue.
A entrevista é de Osvaldo León, publicada pela Agencia Latinoamericana de Información e traduzida pelo Cepat.
Nos últimos dias do mês de março, você esteve na China, atendendo aos convites da Academia Chinesa de Ciências Sociais, e na de Xangai. O que você pode nos dizer sobre as expectativas desse país em relação à América Latina?
A China tem um interesse muito grande pela América Latina porque é uma fonte de matérias-primas, o que para ela é fundamental. Nos anos 1990, também buscaram estabelecer acordos de cooperação tecnológica, especialmente com o Brasil. Entre 1994 e 1995, finalmente se concretizou um na questão espacial, mas o Brasil não cumpriu grande parte do acordo. A China neste campo conseguiu um desenvolvimento colossal, enquanto que o Brasil não conseguiu enviar nenhum foguete ao espaço. Então, esta cooperação não avançou muito. Agora, eles pensam muito na América Latina para chegarem a acordos regionais e já propuseram uma reunião regional...
Com a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos)?
Não tanto com a Celac, porque foi formada recentemente, mas certamente agora irão efetivar. O interesse manifesto é, especialmente, em relação ao Mercosul e a Unasul. Eles querem chegar a acordos mais amplos, pois estão trabalhando com escalas de produção muito grandes, mas nossas comitivas, que vão até lá, levam empresários que não conhecem a China, que não sabem o que podem fazer, o que para eles significa muita perda de tempo, sendo que esperam que seja possível fazer acordos regionais, porque estão acostumados a operar assim. Então, o problema é que nós não temos uma articulação regional para fazer boas propostas com eles, mas, agora, acredito que a Unasul irá buscar criar condições para esses tipos de acordos, e para os chineses será mais fácil negociar com a Unasul.
De fato, caso se estabeleça uma negociação em bloco, há melhores condições do que se cada país segue seu caminho...
Claro que sim. Podemos dizer, por exemplo, nós não queremos mais exportar matéria-prima pura, queremos exportar, mas com um importante valor agregado. Em alguns casos, pode-se chegar, inclusive, a acordos com eles, pois se nós não temos as condições técnicas para fazer isso, acredito que eles estarão dispostos a transferir tecnologia para nós. Algumas pessoas dizem que os chineses estão nos obrigando a vender matéria-prima, não é assim, não estão nos obrigando a vender matéria-prima, pois os chineses, basicamente, compram dos Estados Unidos produtos industrializados, compram da Europa e Japão produtos industrializados, já que possuem necessidade de produtos industrializados.
Pois bem, como nós não temos produtos industrializados, possuem todo o interesse em comprar a matéria-prima, mas não fazem tanta questão de agregar valor, porque eles estão trabalhando muito em investimentos de alta tecnologia, etc. De imediato, os produtos que podemos oferecer são, digamos, em vez de vender ferro, vender aço, talvez algo de metalurgia, etc. O Brasil poderia, por exemplo, fazer isto sem muito problema. Então, são essas coisas que temos condições de vender agora, mas com o tempo podemos agregar mais valor.
Fizeram um acordo com a Venezuela para adquirir petróleo e vão entregar 17 acordos, já entregaram um hospital completo, com altíssima tecnologia. Este foi um acordo de bloco, no qual a Venezuela vai garantir uma cota de petróleo muito importante, talvez com uma cota de exportação maior do que a que vai para os Estados Unidos. De modo que para a China será muito importante ter uma fonte definida, em longo prazo, neste caso o petróleo, mas se a Venezuela tivesse condições de exportar petroquímica, acredito que não seria tão dramático para eles.
A China está numa etapa de industrialização, em que competir por estas fases iniciais de industrialização não é tão importante para eles. Claro que importa, mas caso seja a condição para que obtenha uma série de produtos, que a região pode oferecer e que ela necessita, terá que aceitar as condições. Não vejo como ela pode deixar de aceitar. Além disso, nós temos que fazer isso de um modo geral, não apenas com a China.
Isto é factível com os Estados Unidos e a Europa?
Os Estados Unidos têm dificuldades de fazer negociações tão gerais, mas também pode-se impor para eles. Os europeus gostariam de trabalhar com o Mercosul, em um nível mais regional, e de chegar a acordos mais gerais, mas, nas negociações, o Brasil, com o apoio dos outros países, apresentou uma questão difícil: que deixem de subsidiar sua agricultura, e aí há um problema de segurança alimentar, que nós, aqui, podemos entregar com certa facilidade, mas pessoas que tiveram várias guerras e que sabem o que é não ter alimentos em sua própria nação e precisar importá-los, em situação de guerra, sabem muito bem que isto é uma coisa muito grave. Então, não sei se a Europa irá aceitar, vejo que é muito difícil que deixem de subsidiar sua produção agrícola.
Com os Estados Unidos é a mesma coisa. O Brasil também quer que abandonem esse subsídio, e o Mercosul apoiou um pouco essa ideia, mas não acredito que irão deixar de fazer, porque, se assim procedem, a produção será zero, pois é muito cara a produção agrícola nesses países, realmente não são competitivos. No caso do Japão, inclusive, concebem que não podem perder a tecnologia agrícola de tipo campesina, etc, pois significaria perder todo um conhecimento que é muito importante; o mesmo está acontecendo agora com a indústria, como também conservaram os artesãos, já que possuem esse sistema de tesouros nacionais que são os grandes artesãos, os grandes atores de teatro, porque é uma forma de conhecimento e uma prática que, quando eliminada totalmente, perde-se toda uma conexão histórica muito importante. Agora, com a indústria está acontecendo isso. Com efeito, como a indústria está saltando à robótica e está desaparecendo a indústria, em muitos setores, eles estão criando sistemas para que também se possa conservar a produção industrial, com o sentido de que não podemos perder toda uma era econômica, que desapareça assim. Assim, não acredito que essas pessoas aceitem essa ideia de não subsidiar, de livre-comércio. Eles querem o livre-comércio para os outros, não para eles. Os outros, sim, não podem subsidiar, mas eles sim.
Como você avalia os processos de integração, atualmente, em curso na América Latina?
A região precisa se integrar. Primeiro, por uma questão muito importante: em todo nível as escalas de produção contam. As novas tecnologias, que estão se desenvolvendo massivamente, exigem escalas de produção muito grandes, então, se você não tem um mercado local e regional, que garanta esse mercado, é muito difícil ter competitividade em qualquer produto. Os chineses, por exemplo, tem um mercado interno muito grande, mas, apesar disso, em certos produtos, para poder desenvolvê-los, precisam ser pensados em termos planetários, e para isso é preciso estar na ponta da ponta. De modo que isso obriga a região a buscar a integração, o caminho é a integração, e não há dúvida de que temos avançado bastante. Por exemplo, em muito pouco tempo o comércio do Brasil com o mercado latino-americano cresceu de quase 0,2% para mais de 20%, nota-se que havia um potencial de crescimento enorme, paralisado pela falta de políticas de integração.
Agora, está se tomando consciência da necessidade de intervir em infraestrutura, por exemplo, em matéria de transportes, porque tudo está orientado para os Estados Unidos e a Europa. Os investimentos em infraestrutura são relativamente grandes, mas existe um excedente financeiro muito alto na região, que caso seja bem aplicado, pode se desenvolver internamente, sem necessidade de ajuda internacional.
Do ponto de vista cultural, o avanço foi pequeno, embora existam muitas iniciativas que estão surgindo. A Telesur conseguiu entrar em quase toda a região, mas não no Brasil. No plano cultural, há sinais importantes, há iniciativas de encontros. No plano universitário, que deveria ser muito mais amplo, não se conseguiu prosperar na região, como na questão do reconhecimento de títulos. E o que a Unasul está propondo é muito mais do que isso: concebe que cheguemos a ter estratégias conjuntas e, quem sabe, isso permita dar o salto. Seria um erro profundo não entender isto, embora, infelizmente, nossa classe dominante historicamente não demonstrou uma grande capacidade de buscar soluções dentro da região, confiando que seu papel subordinado na economia mundial é o melhor que possa fazer. Algumas pessoas ganharam muito com isso, as comissões da dívida, por exemplo, foram fantásticas e criou aí uma gigantesca burguesia compradora do setor financeiro. Companheiros, que eram professores, meteram-se no governo, entraram nesses acordos, obtiveram suas comissões, e hoje são banqueiros. E isso não aparece como corrupção.
Neste momento, há uma tentativa do que poderíamos chamar um novo “progressismo”, que aceita que é preciso permitir que haja certos avanços e, inclusive, de promovê-los, eventualmente, para ganhar um espaço histórico amplo. E é assim que governos de direita falam de distribuição da renda, de preocupação com o meio ambiente, enfim, com a ideia de fazer concessões para evitar uma radicalização muito grande, e para eles a integração é parte de um processo desse tipo.
Neste contexto, como você vê a Aliança do Pacífico?
O que é que o governo dos Estados Unidos pode oferecer aos países da área do Pacífico? O comércio com os Estados Unidos. Parte da crise deste país é que registra um superávit comercial, pois importa muito mais do que exporta, e isso tem a ver com a valorização do dólar, por isso está desvalorizando o dólar para aumentar as exportações e está conseguindo. Em tais condições, os países que entram em tal associação não fazem acordos entre eles, fazem acordos de cada um deles com os Estados Unidos, isso não é integração. E mais, cada um deles, na relação com Estados Unidos, será convertido em deficitário.
Veja o Brasil, por exemplo, tem um superávit, sobretudo, com a China, mas tem déficit com os Estados Unidos que, inclusive, está comprometendo o superávit no Brasil. A relação com os Estados Unidos tende a ser deficitária. Parece que os Estados Unidos estão ganhando mercados no Japão, mas o Japão também está muito preocupado em manter um superávit, não vejo que o Japão se comprometa numa política que o leve a uma posição deficitária. Em todo caso, é evidente que é importante a relação com a Ásia, mas a Ásia significa China, Índia, que não estão no projeto. Então, trata-se de uma proposta para que se coloquem a serviço dos Estados Unidos. De modo que considero que se trata de uma aventura, e os países que se embarcarem irão num sentido contrário à integração, sem poder, inclusive, dizer isto, pois seria o cúmulo do erro político e seus povos não aceitariam, porque a ideia de integração é majoritária. Então, por aí, não vejo muito futuro.

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