Por Marcos de Moura e Souza
Quem assistiu nos
telejornais às cenas de depredação ocorridas em Belo Horizonte na quarta-feira
deve ter ficado espantado com o poder de ação dos vândalos. Mas o que talvez
não tenha ficado claro pela TV é que os vândalos agiram em grande medida sob o
aplauso e a aprovação de milhares de jovens que horas antes marchavam em paz
com cartazes nas mãos contra corrupção, contra a má qualidade do transporte
público, contra gastos com a Copa, por reforma política e muito mais.
O que era de se esperar
deles? Que quando grupos de garotos desandaram a provocar policiais – com
pedras, paus e bombas artesanais e a retirar parte das grades de ferro para
garantir a segurança do entorno do estádio do Mineirão – esses manifestantes
pacíficos se afastassem.
O Valor acompanhou a
passeata assim que esta chegou à Avenida Presidente Antônio Carlos, sob o
viaduto José Alencar. É o trecho onde, na marcha do sábado, já havia ocorrido
choques entre policiais e manifestantes além de depredações.
A polícia observava de
longe. As grades marcavam um perímetro de segurança de dois quilômetros no
entorno do estádio do Mineirão. Brasil e Uruguai disputavam as semifinais da
Copa das Confederações naquele momento.
De repente, a
tranquilidade começou a ser quebrada por um pequeno e barulhento grupo de
adolescentes e jovens nos início de seus 20 anos que bloqueou a passagem do
carro de som. Trajavam calças pretas ou jeans surrados, camisetas de bandas de
rock ou estampadas com o A de anarquia. Vários seguravam no alto seus skates.
Vários cobriam o rosto com lenços ou camisetas. Cobravam que o protesto fosse
em direção ao estádio. O grito empolgou alguns e a multidão que mais tarde
seria estimada em 40 mil a 60 mil pessoas começou a dar meia volta. Não queriam
briga.
Mas dali em diante, os
manifestantes viraram plateia. Assistiam aos mais violentos que lançavam o que
tinham nas mãos contra policiais na esquina com a Avenida Abraão Caram – que
leva até o Mineirão. E a plateia filmava ou fotografava com celulares a
confusão e por mais de uma vez explodiu em aplausos e urros quando viam os
mascarados arremessarem de volta para o cordão de policiais as bombas de gás
lacrimogêneo riscando o ar com fumaça branca.
Menos de duas horas
depois, os vândalos incendiariam uma concessionária da KIA na Antonio Carlos.
Um grande número de pessoas – 2 mil ou 3 mil talvez – continuava ali,
relativamente perto das labaredas e dos incendiários e saqueadores.
Era início da noite
quando um garoto aparentando ter 16, 17 – jeans folgado, tênis Nike, camiseta
preta, uma corrente comprida ao estilo rapper e boné preto – voltou da confusão
e se encontrou com um grupo de meninos e meninas da mesma idade sentados na
calçada da avenida que continuava bloqueada por muitos manifestantes. “Os caras
arrastaram um caminhão da concessionária, arrastaram para o meio da avenida.
Vão botar fogo”, contava o garoto, entusiasmado, aos demais que reagiam com
entusiasmo semelhante a quem é fissurado em personagens de um videogame de
ação.
Mais adiante, descendo
em fila indiana, uns oito ou dez rapazes vestidos de calça e jaquetas pretas,
puídas e sujas, um segurando na mochila do outro, serpenteavam entre os
manifestantes em direção ao centro da confusão. Todos com os rostos cobertos.
“Olha lá aqueles caras, vão para lá também. Desceram do morro”, disse uma
menina que não parecia nada assustada com os tipos.
Quando o Valor começou a
deixar aquela concentração para se juntar a muitos que seguiam a pé sentido
centro da cidade, passou ao lado de outro grupo formado só por garotas.
Trajavam jeans, top e tênis como todas as meninas que circulam por bairros de
classe média de Belo Horizonte. “Nossa, o melhor foi aquela hora que os
policiais ficaram encurralados, cê viu como eles estavam?”, perguntava uma
delas, loira e de cabelo amarrado.
Ao deixar a manifestação
convertida em caos, a sensação era que os vândalos viraram heróis para muitos
dos que estavam ali. E que as manifestações, ao menos essa de Belo Horizonte,
liberaram não só um espírito cívico e novo para muitos dos participantes, mas
também o que há de violento e destrutivo nestes jovens.
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