Por José Carlos Ruy
O outro lado da história
do golpe cívico-militar de 1964 vai aos cinemas brasileiros no dia 5 de julho
de 2013: o filme Dossiê Jango, dirigido por Paulo Henrique Fontenelle. Vem bem
a calhar nestes dias onde o fantasma de mais um golpe da direita ronda o
cenário político brasileiro.
O filme foi premiado, na
última sexta-feira (21) no 17° Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM 2013),
na categoria DOC-FAM, vencendo os juris Popular e Oficial, como melhor filme.
Antes, já havia sido premiado no Festival do Rio 2012 (melhor documentário Júri
Popular) e na Mostra Tiradentes 2013 (melhor longa metragem Júri Popular).
O golpe de 1964 encerrou
a limitada democracia da Constituição de 1946 e deu início à longa e brutal
ditadura militar que infelicitou o Brasil durante as duas décadas seguintes,
encerrada apenas em 1985. O fim da ditadura, entretanto, foi marcado pelo pacto
que devolveu a presidência da República aos civis mas manteve intactos grandes
interesses políticos e econômicos de gente que esteve no centro da conspiração
para depor João Goulart, rasgar a constituição, e se mantiveram à frente do
Estado brasileiro nas décadas seguintes, forças que somente foram seriamente
contestadas depois da eleição de Luís Inácio Lula da Silva que, em 2002, abriu
uma nota etapa na história brasileira, prenhe de possibilidades de uma real e
profunda democratização do país.
Com Dossiê Jango, o
diretor Paulo Henrique Fontenelle não quer apresentar a história parada no
tempo, mas abrir um importante debate sobre a democracia brasileira e a ação da
repressão militar, colocando o foco sobre as fortes suspeitas de que o
ex-presidente teria sido assassinado em 6 de dezembro de 1976 a mando das
forças fascistas que temiam sua volta ao cenário político brasileiro.
Depois de seu
afastamento da presidência da República, João Goulart (1919-1976) viveu no
exílio, sobretudo no Uruguai. Oficialmente, ele morreu de ataque cardíaco
quando - passados dez anos do golpe e da cassação de seus direitos políticos -
ele se preparava para voltar ao Brasil. Morto, foi enterrado sem que fosse
feita uma autópsia, e o cortejo fúnebre foi vigiado pelo famigerado Serviço
Nacional de Inteligência (SNI). Mais: a ditadura puniu os oficiais que
autorizaram seu sepultamento em território brasileiro, e o médico que assinou a
certidão de óbito era um pediatra.
A pesquisa para a
realização do documentário foi intensa. Ela envolve desde documentos do serviço
de inteligência do Uruguai, do Dops (Departamento de Ordem Política e Social),
e traz inúmeras gravações e depoimentos de líderes políticos e outras pessoas da
convivência de Goulart. Com base neles, Paulo Henrique Fontenelle reforça as
suspeitas sobre a morte do ex-presidente, da mesma maneira como outros
importantes ex-exilados, também mortos misteriosamente naquele mesmo ano de
1976; o principal deles é o também ex-presidente Juscelino Kubitscheck, vítima
de um suspeitíssimo acidente ocorrido na rodovia Dutra.
Uma série de pessoas
envolvidas com Jango tiveram mortes suspeitas, como o médico legista autor de
seu laudo, ou o empresário uruguaio e seu amigo, Enrique Foch Diaz, que
escreveu o livro João Goulart: El Crimen Perfecto, onde dizia que Jango teria
sido assassinado. Foch deixou uma gravação, em fita cassete, onde listou outras
mortes relacionadas à Goulart. Foch morreu, em circunstâncias suspeitas, poucas
semanas depois de fazer a gravação.
Mas a suspeita maior do
assassinato de Goulart está baseada no depoimento do ex-agente do serviço
secreto da ditadura uruguaia, Mario Neira Barreiro, preso no Rio Grande do Sul
desde 2003. Segundo ele, Goulart foi assassinado por um conluio entre as
polícias brasileira e uruguaia. Segundo sua versão, que apareceu em 2008, em
entrevistas para a TV Senado e para a Folha de S. Paulo, a ordem para o
assassinato de Goulart veio do torturador Sérgio Fleury, do DOPS de São Paulo,
que agia autorização do então general-presidente Ernesto Geisel. Em entrevista
ao diretor de Dossiê Jango, o ex-policial Barreiro contou como os agentes da
repressão trocaram a medicação que o ex-presidente tomava regularmente, para o
coração, por uma substância química letal, capaz de provocar um infarto
fulminante.
As revelações do filme
são tão grandes que a Comissão da Verdade do Rio antecipou-se a seu lançamento,
apresentando uma sessão exclusiva no dia 28 de junho.
Às vésperas dos 50º
aniversário do golpe cívico-militar que iniciou a ditadura de 1964, Dossiê
Jango vai provocar um previsível debate. Vai além disso. É uma didática
demonstração da maneira como a direita brasileira, que nada fica a dever em
termos de brutalidade às suas congêneres europeias, enfrenta políticos
democratas, progressistas e nacionalistas que ameaçam seus privilégios.
A ação nefasta dessa
direita antipopular, antinacional e antidemocrática está mais uma vez em pauta
e a história do golpe de Estado de 1964 precisa ser examinada para lembrar, às
gerações mais jovens, a maneira como os fascistas agem no Brasil, disfarçando
seu golpismo e seu antidemocratismo com juras de amor à pátria, ao povo e à
democracia. Neste sentido, Dossiê Jango é um antidoto democrático de valor
permanente. “Investigamos a história a fundo. Queremos reabrir essa discussão”,
diz o diretor Paulo Henrique Fontenelle.
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