Por Wanderley Guilherme dos Santos
É frenética a competição
pela atribuição de sentido a manifestações deste junho que já não possuem
sentido unívoco algum. Da tentativa de apropriação pela mídia conservadora, que
obteve sucesso em pautar as demandas e insinuar o roteiro das caminhadas, às
solenes reflexões sobre o aprofundamento da participação popular e o
esgotamento da democracia representativa, nada faltou para obscurecer o já
espinhoso desafio de compreender o sucesso e eventuais explosões de
coletividades. Até mesmo a subserviente beatificação da juventude pelos
velhotes assustados com o estigma de superados, caso não adotem o corte de
cabelo à moicano, compareceu. Mas em seu tempo, a bem da verdade, nenhum deles
foi preservado de cometer sandices pela juventude de que desfrutavam.
É razoável atribuir ao
aumento nas tarifas dos transportes coletivos a força causal que pôs em
movimento as primeiras manifestações. A repressão bruta, na cidade de São
Paulo, à passeata de quinta-feira, 13 de junho, forneceu uma razão suficiente
para a velocidade inédita com que manifestações semelhantes se disseminassem
horizontalmente em várias capitais. Ao saírem às ruas, na segunda-feira, dia
17, o que as marchas conquistaram em adesão extensa perderam em unidade
reivindicatória. Do mesmo modo, a causalidade que mobilizava o povaréu
tornou-se múltipla e não automaticamente coerente. A lista de reivindicações
avolumou-se, fragmentando os grupos de interesse e anunciando o óbvio: é
impossível atender completa e instantaneamente a todas as deficiências do país.
Insistir nisso é torcer por um impasse sem negociação crível. O clima ficou
grávido de sinais disparatados, com a ausência de coordenação de legitimidade
reconhecida. Paraíso para todos os oportunismos, charlatanices, além dos
equívocos de boa fé.
Nada a ver com os “cara
pintadas” do “Fora Collor”. À época, todos foram às ruas com o mesmo e único
propósito: o impedimento do presidente . Princípio causal único do movimento,
indicava o que era apropriado e o que não era apropriado fazer. Não havia
sentido, para o objetivo comum, promover depredações, alienar aliados ou
desrespeitar adversários. Muito menos aproveitar a audiência para fazer
propaganda de algum interesse faccioso. Agora, a que vem a PEC 37, por exemplo,
nas manifestações sobre aumento de passagens de coletivos? – Trata-se de um
aprofundamento do processo decisório, dirão alguns de meus colegas. Sim, e por
conta disso lá virá a mídia conservadora sugerir que as manifestações não
parem, apenas substituam as bandeiras, quem sabe sabotar as próximas licitações
ferroviárias, rodoviárias e aeroviárias fundamentais para o país? Ou, ainda
melhor, alterar o sistema de partilha do pré-sal e revogar a exigência de
participação da Petrobrás? As suaves
apresentadoras do sistema golpista de comunicação passaram a perguntar ao
repórter que cobria manifestação na cidade de Niterói se os protestos não iriam
se dirigir à ponte Rio-Niterói, justo depois dos prefeitos do Rio e de Niterói
revogarem o aumento nos transportes. Em qualquer democracia que se preze essa
incitação à desordem não ficaria sem conseqüência.
Ao contrário de ser uma
beleza de movimento sem líderes, o espontaneísmo infantil se revela um desastre
na confissão de alguns de que não conseguem impedir a violência de sub-grupos.
Nem por isso deixam de ser responsáveis por ela na medida em que continuarem
recusando a adesão cooperativa das instituições com alvará de estabelecimento
reconhecido, instituições capazes de assegurar a virtude pacífica das
manifestações. É politicamente primitivo, nada vanguardista, impedir a
associação de movimentos organizados e, inclusive, de partidos políticos, desde
que submetidos ao objetivo central da manifestação. Em movimentos de boa fé
democrática há a hora de desconfiar e a hora de convergir. Ou estão
sub-repticiamente provocando o descrédito de legítimas instituições
democráticas a pretexto de alargar a esfera de liberdade do espaço público?
Não são só os de boa fé
e bem intencionados que se manifestam e pautam o “espontâneo” alheio. Reconheço
o odor fétido dessa teoria de longe.
Comentários
Postar um comentário