Por Oscar Pilagallo
O complexo Ipes/Ibad foi
o verdadeiro partido da burguesia, segundo René Dreifuss em “A conquista do
Estado”.
A interpretação de que a
derrubada do presidente João Goulart em 1964 resultou não apenas de um golpe
militar deve-se em grande parte ao trabalho de um cientista político uruguaio:
René Dreifuss. Em 1981, quando o ciclo militar aproximava-se do fim, o autor
publicou 1964 - A conquista do Estado, em que expôs a minuciosa pesquisa
documental que demonstrou a participação da sociedade civil na ação dos
militares.
Até a divulgação do
trabalho de Dreifuss não se tinha a dimensão exata da articulação dos civis.
Sabia-se que o afastamento de Jango, um presidente considerado fraco e refém
dos sindicalistas de esquerda, ia ao encontro dos interesses do grande capital.
Sabia-se também que as manifestações públicas da classe média nos últimos dias
do governo civil haviam dado o empurrão final no presidente. O papel dos civis,
no entanto, foi muito mais importante.
Dreifuss mostrou a
atuação de grande parte do empresariado brasileiro e de representantes de
multinacionais reunidos no Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais),
fundado no final de 1961. “O Ipes não era com certeza, como freqüentemente é
descrito, um movimento amador de empresários com inclinações românticas ou um
mero disseminador de limitada propaganda anticomunista; era, ao contrário, um
grupo de ação sofisticado, bem equipado e preparado; era o núcleo de uma elite
orgânica empresarial de grande visão, uma força-tarefa estrategicamente
informada, agindo como vanguarda das classes dominantes”, na definição de Dreifuss.
Mais focado em
estratégias, o Ipes tinha um fundamental braço de apoio no Ibad (Instituto
Brasileiro de Ação Democrática), que agia como unidade tática, respondendo por
atividades secretas. Os dois se complementavam. “No curso de sua oposição às
estruturas populistas, ao Executivo nacional-reformista e às forças sociais
populares, o complexo Ipes/Ibad se tornava o verdadeiro partido da burguesia e
seu estado-maior para a ação ideológica, política e popular.”
Intelectual de esquerda,
René Dreifuss (1945-2003) deixou vários estudos sobre a relação entre forças
armadas e sociedade civil na América Latina. 1964 - A conquista do Estado é sua
grande contribuição à historiografia brasileira. O trabalho de pesquisa foi tão
extensivo que, na época de sua publicação, quando se transformou em best seller
das ciências políticas, o autor chegou a ser criticado por expor intelectuais e
empresários que teriam tido envolvimento marginal com os institutos.
O livro, no entanto,
resistiu ao tempo, como se pode verificar em sua reedição pela Editora Vozes.
Pela grande quantidade de nomes citados, a obra ganharia em utilidade se
tivesse um índice remissivo. Sem contar com esse instrumento de consulta, o
leitor é obrigado a enfrentar as quase 900 páginas e cruzar, ele próprio, as
referências. É pena que a editora não tenha aproveitado a repaginação, que
facilitou a leitura, para oferecer também esse serviço. De qualquer maneira, os
historiadores agradecem por não terem mais que garimpar o livro em sebos.
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