Por Paulo Nogueira
Estava na Folha, num
editorial recente.
A carga tributária
brasileira é alta. Cerca de 35% do PIB. Esta tem sido a base de incessantes
campanhas de jornais e revistas sobre o assim chamado “Custo Brasil”.
Tirada a hipocrisia
cínica, a pregação da mídia contra o “Custo Brasil” é uma tentativa de pagar
(ainda) menos impostos e achatar direitos trabalhistas.
Notemos. A maior parte
das grandes empresas jornalísticas já se dedica ao chamado ‘planejamento
fiscal’. Isto quer dizer: encontrar brechas na legislação tributária para pagar
menos do que deveriam.
A própria Folha já faz
tempo adotou a tática de tratar juridicamente muitos jornalistas – em geral os
de maior salário – como PJs, pessoas jurídicas. Assim, recolhe menos imposto.
Uma amiga minha que foi ombudsman era PJ, e uma vez me fez a lista dos ilustre
articulistas da Folha que também eram.
A Globo faz o mesmo. O
ilibado Merval Pereira, um imortal tão empenhado na vida terrena na melhora dos
costumes do país, talvez pudesse esclarecer sua situação na Globo – e,
transparentemente, dizer quanto paga, em porcentual sobre o que recebe.
A Receita Federal cobra
uma dívida bilionária em impostos das Organizações Globo, mas lamentavelmente a
disputa jurídica se trava na mais completa escuridão. Que a Globo esconda a
cobrança se entende, mas que a Receita Federal não coloque transparência num
caso de alto interesse público para mim é incompreensível.
A única vez em que vi
uma reprovação clara em João Roberto Marinho, acionista e editor da Globo, foi
quando chegou a ele que a Época fazia uma reportagem sobre o modelo
escandinavo. Como diretor editorial da Editora Globo, a Época respondia a mim.
O projeto foi rapidamente abortado.
Voltemos ao queixume do
editorial da Folha.
Como já vimos, a carga
tributária do Brasil é de 35%. Agora olhemos dois opostos. A carga mais baixa,
entre os 60 países que compõem a prestigiada OCDE, Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, é a do México: 20%. As taxas mais altas
são as da Escandinávia: em redor de 50%.
Queremos ser o que quando crescer: México ou Escandinávia?
O dinheiro do imposto,
lembremos, constrói estradas, portos, aeroportos, hospitais, escolas públicas
etc. Permite que a sociedade tenha acesso a saúde pública de bom nível, e as
crianças – mesmo as mais humildes — a bom ensino.
Os herdeiros da Globo –
os filhos dos irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto – estudaram
nas melhores escolas privadas e depois, pelas mãos do tutor Jorge Nóbrega,
completaram seu preparo com cursos no exterior.
A Globo fala
exaustivamente em meritocracia e em educação. Mas como filhos de famílias
simples podem competir com os filhos dos irmãos Marinhos? Não estou falando no
dinheiro, em si – mas na educação pública miserável que temos no Brasil.
Na Escandinávia, a
meritocracia é para valer. Acesso a educação de bom nível todos têm. E a taxa
de herança é alta o suficiente para mitigar as grandes vantagens dos herdeiros
de fortunas. O mérito efetivo é de quem criou a fortuna, não de quem a herdou.
A meritocracia deve ser entendida sob uma ótima justa e ampla, ou é apenas uma
falácia para perpetuar iniquidades.
Recentemente o site da
Exame publicou um ranking dos 20 países mais prósperos de 2012 elaborado pela
instituição inglesa Legatum Institute. Foram usados oito critérios para medir o
sucesso das nações: economia, empreendedorismo e oportunidades, governança,
educação, saúde, segurança e sensação de segurança pessoa, liberdade pessoal e
capital social. A Escandinávia ficou simplesmente com o ouro, a prata e o
bronze: Noruega (1ª), Dinamarca (2ª) e Suécia (3ª).
Se quisermos ser o
México, é só atender aos insistentes apelos das grandes companhias de mídia. Se
quisermos ser a Escandinávia, o caminho é mais árduo. Lá, em meados do século
passado, se estabeleceu um consenso segundo o qual impostos altos são o preço –
afinal barato – para que se tenha uma sociedade harmoniosa. E próspera: a
qualidade da educação gera mão de obra de alto nível para tocar as empresas e
um funcionalismo público excepcional. O final de tudo isso se reflete em
felicidade: repare que em todas as listas que medem a satisfação das pessoas de
um país a Escandinávia domina as posições no topo.
O sistema nórdico produz
as pessoas mais felizes do mundo.
A Escandinávia é um
sonho muito distante? Olhemos então para a China. À medida que o país foi se
desenvolvendo economicamente, a carga tributária também cresceu. Ou não haveria
recursos para fazer o extraordinário trabalho na infraestrutura – trens,
estradas, portos, aeroportos etc – que a China vem empreendendo para dar
suporte ao velocíssimo crescimento econômico.
Hoje, a taxa tributária
da China está na faixa de 35%, a mesma do Brasil. E crescendo. Com sua campanha
pelo atraso e pela iniquidade, os donos da empresa de mídia acabam fazendo o
papel não de barões – mas de coronéis que se agarram a seus privilégios e
mamatas indefensáveis.
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