Por César Felício
O governo do Uruguai nos
próximos dias deve fazer aprovar no Congresso do país um projeto que veta a
aquisição de terras no país por estatais estrangeiras. A proposta, que é de autoria
da Frente Ampla, o partido governista, e conta com o endosso do presidente José
Mujica, prevê ainda um recenseamento para se definir qual a quantidade de terra
no país está em poder de estrangeiros. Desde que assumiu, Mujica adotou
diversas medidas para tentar controlar investimentos no campo.
"É uma medida
preventiva. Sabemos que empresas controladas por governos, sobretudo de
Emirados Árabes Unidos e Qatar, estão querendo investir aqui e isso equivale a
uma colonização com dólares", disse o senador Ernesto Agazzi, da Frente
Ampla, ex-ministro da Agricultura no governo Tabaré Vázquez (2005-2010). Não há
dados seguros sobre qual a parcela dos 16 milhões de hectares de terras agrícolas
do Uruguai que está em mãos estrangeiras, já que o Estado não examinou a origem
dos capitais das pessoas jurídicas que são proprietárias de 43% da área. Mas a
"estrangeirização da terra" é tratada no país como uma ameaça.
De acordo com um estudo
de 2010 da agência da ONU para agricultura e alimentação (FAO), há 106 milhões
de hectares em posse de estrangeiros em um levantamento feito em 79 países. No
Brasil haveria 3,7 milhões de hectares e na Argentina, 2,7 milhões. O Uruguai
não foi incluído no estudo. Os países do golfo Pérsico, cujas empresas
investidoras são em sua maioria controladas pelos governos locais, possuem 15
milhões de hectares em outros países. A China é detentora de outros 11 milhões
de hectares e a Coreia do Sul, onde também prevalece o Estado entre as empresas
investidoras nesse segmento, possui 5,1 milhões de hectares.
O mercado de terras no
Uruguai tem sido objeto de um gigantesco aumento de demanda nos últimos anos,
que fez com que o preço do hectare se multiplicasse de US$ 448 em 2010 para US$
3.477 em média em 2012. "Ninguém pode dizer com segurança quem está
comprando o quê e no Uruguai não há ainda lei alguma que regule o tema",
comentou Agazzi. De acordo com o senador, "muitos produtores foram
obrigados a liquidar patrimônio para se manterem solventes e a suposição é que
os compradores sejam estrangeiros em sua maioria".
O setor rural tem sido
um alvo preferencial da Frente Ampla desde o governo anterior, em que Mujica
chegou a ser ministro da Agricultura. O primeiro passo, dado ainda no governo
Tabaré, foi proibir que as terras fossem adquiridas por sociedades anônimas
controladas por "offshores" ou com propriedade ao portador.
Agora está pronto para a
sanção presidencial de Mujica um projeto que reinstitui a cobrança de um
Imposto sobre a Renda Rural, que estava com a exigibilidade suspensa desde a
crise financeira de 2002. No início do ano, Mujica foi obrigado a cancelar um
Imposto sobre a Concentração de Imóveis Rurais, que foi declarado
inconstitucional pela Suprema Corte do país.
Neste mês, o governo
começou a exigir dos produtores de trigo e de cevada, responsáveis por uma
safra da ordem de 2 milhões de toneladas por ano, a apresentação de um plano
quinquenal de produção. Todos os planos terão que contar com a autorização do
Ministério da Agricultura.
Os triticultores que não
cumprirem com as metas estipuladas para produção e manejo ambiental estarão
sujeitos a multas financeiras. A norma não prevê, entretanto, a possibilidade
de desapropriação da área em caso de descumprimento do plano. O mesmo tipo de
exigência deverá ser ampliado a médio prazo para outros setores da produção
uruguaia, como a sojicultura e a pecuária.
As medidas estão
provocando o aumento da insatisfação das lideranças patronais do meio rural
contra o governo, que atribuem parte da ofensiva à situação política: Mujica
não pode se reeleger, e o favorito para sucedê-lo em 2015 é seu antecessor,
Tabaré Vázquez. "É fácil bater no campo, não temos muito votos nem apoios.
É eficaz esta mensagem de que se vai tirar do que mais tem para dar ao mais
despossuído, embora esteja distante da realidade. Esta hostilidade em relação
ao campo se pode sentir diariamente", afirmou o presidente eleito da
Federação Rural, Carlos Uriarte, em entrevista o jornal uruguaio "El
País".
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