Por José Carlos de Assis
Realiza-se em Caracas na
próxima semana, entre os dias 27 e 30, a “Conferência da Unasul sobre Recursos
Naturais e Desenvolvimento Integral da Região”, a qual, pelo que me consta, é a
primeira iniciativa sistemática no sentido de buscar caminhos efetivos para a
integração produtiva da América do Sul. Em razão da crise financeira global,
sobretudo na Europa, este é um momento estratégico para fazer avançar essa
iniciativa, já que a região deve preparar-se para condicionantes externos cada
vez mais limitativos a seu desenvolvimento.
O projeto de integração
sul-americana tem sido uma história recorrente de aspirações idealistas e
parcos resultados. No nível latino-americano, em geral teve como principal
foco, desde a ALALC e a ALADI, a promoção do livre comércio entre os países da
região, o que esbarrou em obstáculos representados pelas grandes assimetrias
produtivas dentro do bloco. Já ao nível sul-americano o Mercosul prosperou,
também limitado, porém, à ideia de promoção do livre comércio, sem cuidar efetivamente
de integração produtiva. Já o Pacto Andino previu integração produtiva, mas
colapsou por motivos políticos.
O fato é que, quando se
fala em integração, os ideólogos do livre comércio se adiantam e tomam a cena.
A inspiração parece vir do Mercado Comum Europeu, porém sem considerar que, na
Europa, o projeto integracionista partiu da efetiva integração de duas
indústrias básicas através do acordo do carvão e do aço, isto é, de duas
indústrias básicas, a de energia e a siderúrgica. Além disso, os países
europeus – primeiro seis, depois nove – restauraram sua infraestrutura de
transportes no pós-guerra num contexto integracionista.
Embora, enquanto
instituição política, o Mercosul seja um sucesso, sua contribuição ao
desenvolvimento regional é pífia, justamente porque lhe falta o sentido da
integração produtiva. Sem um mínimo de especialização produtiva entre os
países, sobretudo na área industrial, o comércio sozinho não possibilita
aumento substancial da produção e desenvolvimento. Ou, ainda pior, países que
estejam num nível assimétrico de tecnologia tendem a aniquilar os sistemas
produtivos dos menos desenvolvidos, destruindo renda e emprego nos mais fracos.
Os signatários do
Mercosul se defendem disso promovendo um livre comércio limitado dentro do bloco
mediante a criação de barreiras protecionistas seletivas. Na prática, porém, o
sistema funciona com atritos frequentes conforme se pode ver nas relações
comerciais entre o Brasil e a Argentina. É pouco provável que haja uma solução
permanente para esses impasses fora de um grande projeto de integração e
especialização produtiva dentro do bloco, o que exigirá, como aconteceu na
Europa, um mínimo de planejamento regional.
Suponho que a
Conferência de Caracas seja um primeiro passo nesse sentido. É que a Unasul,
que nasceu sobretudo como uma instância política, está evoluindo para ser um
efetivo instrumento de integração sócio-econômica. Anteriormente ela já havia
absorvido e redirecionado a IIRSA, que se transformou em Cosiplan – um
mapeamento das necessidades de infraestrutura na região porém ainda sem uma
clara visão de financiamento. Agora se trata de mobilizar o principal ativo da
América do Sul, ou seja, seus recursos naturais.
A exploração e
transformação na própria região dos abundantes recursos naturais da América do
Sul talvez seja nossa última oportunidade de não perder o bonde da história.
Mesmo porque, com o avanço da tecnologia, recursos naturais hoje considerados
valiosos podem perder interesse. Explorar os recursos naturais implica auto-sustentabilidade
e proteção ambiental, porém, certamente num grau de responsabilidade maior do
que o sistema atual de mineração predatória para exportação de matérias primas,
que concentra renda e gera pouquíssimos empregos de qualidade.
O problema, a meu ver, é
que um grande programa de desenvolvimento de recursos naturais na América
Latina requer logística adequada. O desenvolvimento logístico, por sua vez,
requer investimentos públicos a fundo perdido, e isso requer, por sua vez, uma
base adequada de financiamento. Só vejo uma alternativa para enfrentar essa
deficiência: fazer o que fizeram Estados Unidos e Brasil no passado, a saber,
criar um imposto vinculado ao financiamento dos transportes com base na
gasolina ou na propriedade de automóveis. Em uma palavra, criar poupança
interna para alavancar financiamentos.
Não temos muito tempo. A
Europa está afundando e ameaça afundar com ela boa parte do mundo. A selvagem
política patrocinada pelos dirigentes políticos europeus tende a restringir
importações e aumentar exportações, já que seu regime de “austeridade” não
permite aumentar a demanda interna. Já estamos, na América do Sul, enfrentando
as consequências dessa política, inclusive via seu efeito sobre a China
(desaceleração, redução de importações de matéria prima). Ou nós nos integramos
efetivamente, protegendo nossos mercados e estimulando o sistema produtivo
comum, ou voltaremos mais uma vez ao ciclo das crises externas recorrentes pelo
lado do balanço de pagamentos.
*Economista, professor
de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, de “A Razão de
Deus”, ed. Civilização Brasileira.
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