Por José Luís Fiori
Os países que se propõe
mudar sua posição dentro da hierarquia internacional também mudam, em algum
momento, seu sistema de pesquisa e inovação. É o que ocorre com a China, onde
se deixa para trás a 'cópia tecnológica' em nome de um modelo semelhante ao
norte-americano, que conecta defesa e inovação.
“As happened with other great
powers, China seems to be following a technological road where the search for
modern defense systems constitutes a primum mobile for national scientific
endeavors and modern technologies”.
N. Trebat e C. A. Medeiros, “Military
modernization in Chinese Technical Progress and Industrial Innovation”, 2013,
p: 25
É visível, a olho nu,
que a liderança da inovação tecnológica se concentra nos países com maior poder
dentro do sistema internacional. E que os países que ocupam posições inferiores
acessam as tecnologias de “ponta”, através da cópia, da importação ou de
pequenas adaptações incrementais, mediante pagamento de “direitos de
propriedade intelectual”. Por isto, invariavelmente, os países que se propõe
mudar sua posição dentro da hierarquia internacional também mudam, em algum
momento, seu sistema de pesquisa e inovação. Como vem acontecendo com a China,
segundo estudo recente dos professores N. Trebat e C. Medeiros (veja nota), que
demonstra que os chineses estão deixando para trás a “cópia tecnológica”, e
estão se aproximando rapidamente do modelo norte-americano, onde o “sistema de
defesa” do país ocupa um lugar central no seu “sistema de inovação”.
Nos EUA, a mudança se
acelerou durante a II Guerra Mundial, com a criação do National Defense
Research Council (NDRC), que foi responsável pelo projeto Manhattan e pela
criação da primeira bomba atômica, e pela reorganização da pesquisa cientifica
dentro das universidades e das empresas privadas reunidas dentro de um mesmo
“complexo-militar–industrial-acadêmico” de pesquisa e inovação, orientado pela
competição militar com a União Soviética. Donde se possa dizer, hoje, que a
Guerra Fria foi responsável – em última instancia - pelos principais avanços
tecnológicos norte-americanos, da segunda metade do século XX, no campo aeroespacial
e da energia nuclear, da computação, das fibras óticas e dos transistores,
assim como da química, da genética e da biotecnologia. Em todos estes setores,
a estratégia de defesa americana funcionou como primeiro motor na criação das
tecnologias “duais” que revolucionaram a economia mundial. Hoje, a “Agencia de
Projetos Avançados de Pesquisa em Defesa” (DARPA) - que responde ao
Departamento de Defesa dos EUA - conta com um orçamento de mais de 3 bilhões de
dólares, e financia investigações em todo e qualquer setor considerado
estratégico para a segurança americana, independente do seu objeto específico,
bastando se propor “inovações radicais” na fronteira do conhecimento humano.
No caso chinês, a
inflexão começou nos anos 90, depois da Guerra do Golfo, quando a China
reconheceu a necessidade de modernizar seu sistema de defesa e mudou o rumo da
sua pesquisa científica e tecnológica, adotando progressivamente o modelo
americano de integração da academia com o setor publico e privado, na produção de
“tecnologias duais” capazes de dinamizar, ao mesmo tempo, a economia civil
chinesa. O passo inicial foi dado, ainda na década de 80, com a criação da
“Comissão de Ciência, Tecnologia e Indústria, para a Defesa Nacional”, mas o
verdadeiro salto aconteceu depois de 1990, quando foi criado o “Programa 863”
de financiamento à pesquisa de “ponta”, e depois de 2001, quando foi lançado o
“Projeto de Segurança Estatal 998”, com objetivo explícito de desenvolver a
capacidade chinesa de contenção das forças norte-americanas no Mar do Sul da
China. Entre 1991 e 2001, o gasto militar chinês cresceu 5% ao ano, e entre
2001 e 2010, 13%. Hoje a China possui o segundo maior orçamento militar do
mundo, mas o que importa, neste caso, é que os gastos com a “defesa” já alcançam
cerca de 30% de todo o gasto governamental com pesquisa e inovação, e foram os
grandes responsáveis pelo avanço dos chineses, nos últimos anos, na
microeletrônica, computação, telecomunicação, energia nuclear, biotecnologia,
química, e no campo aeroespacial. Mais recentemente, o “Plano de
Desenvolvimento Nacional Científico e Tecnológico de Médio e Longo Prazo”, para
o período entre 2006 e 2020, aumentou a tônica no desenvolvimento das
tecnologias “duais”, e na importância da conquista da autonomia militar da
China. E apesar de que os chineses sigam utilizando tecnologias importadas, a
verdade é que eles obtiveram avanços notáveis nestas últimas duas décadas.
Neste sentido, o novo caminho tecnológico da China parece reforçar uma verdade
antiga e obliterada sistematicamente, pela “ciência econômica”: que o ritmo e
liderança da pesquisa e inovação de “ponta”, nos países que lideram a
hierarquia internacional, não são determinados pelas forças de mercado. Nestes
casos - e cada vez mais - as grandes inovações vieram de sua estratégia de
defesa e de sua permanente “preparação para a guerra”. Goste-se ou não, foi
sempre assim, e ainda mais, no caso dos estados nacionais que criaram e
lideraram, ou lutaram pela liderança do sistema interestatal capitalista, através
do séculos.
Nota
N. Trebat e C. A. Medeiros, “Military
modernization in Chinese Technical Progress and Industrial Innovation”, paper,
“World Keynhes Conference”, Izmair Economics University, junho de 2013.
(*) José Luis Fiori é
professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ e coordenador do
Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do
Capitalismo".
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