Por Roberto Requião
Volto hoje ao meu tema
de eleição, o tema que nesses dois anos e meio de mandato trouxe-me com
frequência à tribuna. É a economia, senhoras e senhores senadores. Ela é o sal
de nossas vidas. E as nossas vidas, a vida nacional têm andado um tanto quanto
sensabor nos últimos meses.
Eu não diria que estamos
repetindo o prato de feijão-com-arroz de Mailson da Nóbrega, que aquela
mediocridade dificilmente alguém seria capaz de duplicar, mil anos vivêssemos.
Mas estamos no ritmo da mesma toada, de idêntico cantochão, marcando passos que
não atam e nem desatam.
A idéia parece ser esta
mesmo: enrolar até a eleição de 2014; empurrar com barriga e fazer figa para
que nada atrapalhe a manobra. Isso de uma banda; de outro lado, aprofundam-se,
radicalizam-se as medidas de desnacionalização da economia e de privatização de
setores estratégicos, como portos e energia.
Quer dizer, são dois
movimentos: a deslocação das encrencas pelo bandulho, para que tudo fique no
mesmo lugar, e a aceleração das privatizações, arrancando ciúmes do PSDB, do
DEM e do PPS, tal a desfaçatez desse desbaratamento dos bens e das riquezas dos
brasileiros.
Na trágica sessão desta
Casa do dia 16 de maio, quando foi aprovada a famigerada e pouco cheirosa MP
dos Portos, o senador José Agripino, cujas posições em favor das privatizações
são claras, transparentes, sem disfarces ou truques, avaliou com acuidade a pantomima:
–Isso parece uma coisa
surrealista!”, afirmou.
E emendava:
–Veja bem (…) : qual é a
nossa praia, senador Aloísio? A nossa praia são as concessões, as
privatizações, o prestígio ao capital privado. Votar uma matéria como essa é a
nossa praia!. Está no nosso DNA!
O que o senador Agripino
não aceitava, com toda razão, era essa forma de agir com a mão de gato. Afinal,
não havia qualquer divergência de fundo entre os defensores do modelo
neoliberal e o governo, quanto à privatização dos portos. Assim sendo, qual a
necessidade de tratorar a tudo e a todos?
Sem mais aquela, sem
pedir desculpas pela falseta, o governo invade a praia do PSDB, do DEM e do PPS
com uma ousadia de penetra, espalhando areia e inconveniências no espaço
alheio.
Mas eu que aos 72 anos
imaginava ter visto tudo, vi mais. Vi, senadores eu ví, naquela constrangedora
sessão, ví o líder do governo no Congresso, nosso prezado senador José
Pimentel, em um gesto de magnanimidade e reconhecimento, agradecer a senadora
Kátia Abreu pela “contribuição fundamental” para que a MP dos Portos fosse
aprovada nesta Casa.
Os meus botões
agitaram-se ao ouvir a homenagem. Não que a senadora não merecesse a
deferência. Pelo contrário, pois igualmente ao senador Agripino, a senadora é
transparente, tem posições claras e defende-as com vigor. Pode-se discordar
delas, mas não há como desconhecê-las.
Por que então os meus
botões inquietaram-se, sacudiram-se? Porque me veio à memória, ressoaram-me aos
ouvidos o parecer do senador Jorge Viana, emitido no dia 1º de novembro de
2011, na Comissão de Assuntos Econômicos, contra projeto da senadora Kátia
Abreu que, em sua essência, foi reproduzido pela Medida Provisória aprovada
neste 16 de maio de 2013.
Entenderam?
A MP, de cuja autoria a
Casa Civil orgulha-se e medalha-se pelo feito é, em seus pressupostos básicos,
o Projeto de Lei do Senado nº 118 de 2009 da senadora Kátia Abreu repudiado
pelo PT et alia na CAE, no dia 1º de novembro de 2011, Dia de
Todos os Santos, dia de
todos os milagres, e véspera de Finados, dia de todos os mortos.
Estraçalhada na CAE, a
proposta da senadora ressurge um ano e sete meses depois, sob o patrocínio de
seus algozes. A alma da proposta da senadora reproduz-se na MP. E os que foram
vigorosamente contra, na CAE, foram agora vigorosamente a favor, neste
plenário.
Assim, o agradecimento
do líder Pimentel à senadora equivaleu a um constrangido pedido de desculpa.
Mas, vamos lá, vamos ao
relatório do senador Jorge Viana.
O senador começa
rebatendo a argumentação da senadora de que o poder público não tinha recursos
para investir nos portos, devendo, portanto, privatizá-los.
Agora, o governo
argumenta que o poder público não tem dinheiro para investir nos portos,
devendo, portanto, privatizá-los.
Depois de destacar o
caráter público dos serviços portuários, o relatório defende a chamada “Lei dos
Portos”, de 1993, agora execrada como se fosse a origem de todos os males
praianos; assim como cerra guarda, apresenta armas ao decreto de 2008 do
presidente Lula, agora também exposto à pancadaria pública.
A senadora pretende que
as instalações portuárias de uso privativo misto possam destinar-se,
“independente do percentual ”, à movimentação de carga própria e de terceiros.?
Calma, pois lá está o
governo vigilante, bombardeando essa idéia.
A senadora considera que
“em face do contraste entre as vastas e urgentes necessidades do País (…) e as
escassas possibilidades de investimento do setor público, não mais se justifica
a vedação (…) à implantação de portos (…) privados para movimentação de cargas
de terceiros, “com ou sem a participação de cargas próprias”?
Não se preocupem, o
governo está atento para garantir “que o terminal de uso privativo, exclusivo
ou misto, deve ter sua construção e exploração vinculadas e justificadas por
sua carga própria”.
Preservados esses
princípios, como se fossem pétreos, inamovíveis, o relatório do governo dá-nos
preciosos ensinamentos.
A citação é longa, mas
esses argumentos, que agora são abominados, malditos precisam ser trazidos à
memória pois eles não perderam sua validade, apesar da apostasia do governo e
de sua base.
Diz o relatório do
representante do governo da presidente Dilma Rousseff:
“Decorre desses
dispositivos legais que a instalação de terminais privativos destina-se
precipuamente à movimentação de carga própria, admitindo-se, adicionalmente, a
movimentação de cargas de terceiros, de molde a permitir o aproveitamento
econômico da capacidade ociosa desses terminais.
Diferentemente das
instalações de uso público, os terminais privativos configuram-se como
atividade econômica regida pelas normas do direito privado, para a qual não se
aplica a vinculação aos mencionados princípios de continuidade, universalidade,
isonomia e modicidade. Constitui prerrogativa das empresas privadas a faculdade
de escolher os serviços que prestam, o que exclui, por exemplo, as atividades
consideradas não lucrativas. Nesses casos, incumbe ao Poder Público exercer tão
somente sua função regulatória, estabelecendo, entre outros, requisitos
relativos à segurança e à qualidade dos serviços prestados.
Desse ponto de vista,
qual seja o do interesse público, não parece apropriado, como pretende o
projeto sob exame, estender às instalações portuárias de uso privativo função
idêntica àquela essencialmente reservada aos terminais de uso público.
Como os terminais de uso
privativo não estão sujeitos aos princípios gerais de interesse público, porque
voltados para a movimentação de suas próprias cargas e, subsidiariamente, de
algumas cargas de terceiros, haveria importantes assimetrias de custos de
operação e de encargos regulatórios entre os terminais localizados nos portos
públicos e os de uso privativo, caso se admitisse a indiscriminada movimentação
de cargas de terceiros pelos portos de uso privativo.
Nesse sentido, se
tornaria extremamente desigual a concorrência entre os operadores desses dois
modelos de terminais — o concessionário de um porto público e o operador
privado de seu próprio porto —, com notórias desvantagens para os terminais
públicos em relação aos de uso privativo.
Não por acaso, portanto,
é rara no mundo a circunstância da privatização total das atividades
portuárias, só havendo registro dessa experiência em alguns portos do Reino
Unido e na Nova Zelândia, segundo o estudo Port Reform Toolkit, do Banco
Mundial, publicado em 2001.
No mencionado documento,
especialistas afirmam que a grande maioria dos países considera a privatização
total de portos, compreendendo a exploração e a operação a cargo do investidor
privado e segundo seus próprios interesses, incompatível com os objetivos
nacionais e regionais. São diversas as razões apresentadas para tal
diagnóstico, entre elas as de que: (i) a privatização abrangente pode colocar
em risco os benefícios macroeconômicos de grandes complexos portuários para a
economia nacional ou regional; (ii) há risco de tratamento discriminatório
entre clientes; e (iii) a privatização total pode comprometer a competição no
ambiente econômico.”
E assim, diante do
exposto, coerentemente, o governo pede a rejeição da proposta as senadora Kátia
Abreu.
Ah, sim! O projeto da
senadora foi distribuído com exclusividade à Comissão de Infraestrutura, a quem
caberia decisão terminativa. Temendo vê-lo aceito lá, a então senadora Ideli
Salvatti, agora uma das campeãs do esforço em favor da MP dos Portos, fez
aprovar requerimentos para que ele fosse discutido e votado em mais duas
comissões, a de Infraestrutura e a de Desenvolvimento Regional.
A citação que o
relatório do Governo faz das duas únicas experiências, nada bem sucedidas, do
modelo agora adotado pela MP dos Portos, as experiências Inglaterra e da Nova
Zelândia, para mim é paradigmática, é um clássico! Depois de lançar um anátema,
depois de excomungar o modelo, depois de abominá-lo e amaldiçoá-lo, o governo
adota-o! Desaconselhados pelo Banco Mundial, os modelos portuários inglês e
neozelandês têm agora a companhia brasileira. Alvíssaras! Nunca é tarde para
aderir ao atraso!
Risca-me a memória as
frases iniciais de um famoso discurso de Rui Barbosa: “Diante disso, depois
disso não sei como principie…..”
Diante disso, depois
disso, não sei como continue. Talvez a perplexidade do senador José Agripino
sintetize a intrujice: “Isso tudo é surreal!”.
Mas aquela infeliz
semana reservou aos brasileiros outra grande desgraça: os leilões da Petrobrás.
Poucas vezes ouvi e li argumentos tão oportunistas, tão antinacionais, tão
frágeis e tão pouco honestos a favor de alguma coisa, como os em defesa dos
leilões do dia 14 de maio.
Ao ouvir e ler fiquei
triste porque vi mais companheiros abandonando posições na barricada em defesa
dos interesses populares e nacionais. Que tantos tenham desertado de antigas
defesas, comprova-se todos os dias. Mas não esperava que a desistência
ampliasse tanto.
Meu Deus! Como defender,
como justificar mais esta rodada de leilões de petróleo?
Na verdade não é só o
leilão do petróleo; e nem é fortuita, ocasional a coincidência que a
privatização dos portos tenha sido aprovada no dia seguinte ao dos leilões.
Como disse o Partido Comunista Brasileiro, o PCB, em uma corajosa e militante
nota política: estamos vendo o maior processo de privatizações na história do
Brasil.
Diz o PCB: privatizam-se
estradas, aeroportos e portos; privatizam-se o petróleo e hidrelétricas; e, ao
se colocar recursos financeiros e humanos das estatais, como o BNDES, a
Petrobrás, a Caixa e o Banco do Brasil, a serviço de entes privados, temos as
chamadas “privatizações brancas”.
O que é a política de
formação dos tais “campeões nacionais”, cevando um mega especulador como Eike
Batista, se não uma “privatização branca”?
Meu Deus! Quando esse
tempo passar, quando um dia, lá na frente, alguém nos perguntar: “E naqueles
tempos, o que vocês fizeram?”. Constrangidos, envergonhados, vamos responder:
“Naqueles tempos criamos Eikes Batistas”.
Lembra ainda o PCB:
também é uma forma de privatização a desoneração de seis bilhões de reais em
impostos, beneficiando as empresas de telecomunicações para que elas possam
atingir as metas que elas prometeram cumprir por contrato com o Estado
brasileiro.
Não foi suficiente o
escândalo das teles, passadas de mão beijada para o capital privado. Agora
vamos livrá-las de pagar seis bilhões em impostos, para que elas, pobrezinhas,
possam cumprir o que assinaram.
E não vejo ninguém
vociferando contra o não cumprimento do contrato. Não ouço os jornalões e a
Globo exigindo que os contratos sejam cumpridos.O princípio tão caro para os
liberais do “pacta sunt servanda” serve apenas para o Estado, como se vê. Seis
bilhões de impostos perdoados para que a teles cumpram as obrigações que
assumiram e não honraram.
E, agora, como lembra a
nota do PCB, a “cereja do bolo”: foram entregues à iniciativa privada, a um
capitalismo claudicante, baleado pela crise, 289 blocos para a exploração de
petróleo, com potencial, segundo cálculos moderadíssimos, de se produzir até 14
bilhões de barris ou quem sabe até 19 bilhões.
Com os leilões, a
Agência Nacional do Petróleo espera arrecadar cerca de um bilhão de reais, uma
quantia que representa zero vírgula vinte e cinco por cento do valor dos
blocos. A nota do PCB fala que é menor ainda, cerca de um milonésimo do valor
total.
Fantástico, não?
Nada, nada, avalia o
economista Adriano Benayon, citando o químico Roldão Simas, dá para reformar um
estádio de futebol para a Copa; ou como diz o PCB, dá para pagar a reforma do
Maracanã, com o devido ágio à corrupção.
A ANP, talvez das
agências reguladoras a mais querida da mídia e do mercado, disse que nos blocos
licitados deverão ser descobertos 19 bilhões de barris de petróleo e gás, que
serão exportados!
Especialistas de verdade
como Fernando Siqueira e Paulo Metri, e não aqueles especialistas de fancaria
que frequentam, os noticiários globais, peritos como Siqueira e Metri, citados
por Benayon, perguntam: “Quem definiu que a exportação desse petróleo é a
melhor opção para o Brasil?”.
Enquanto os Estados
Unidos proíbem a exportação de petróleo, olhando para frente, nós fechamos os
olhos à trágica experiência de países exportadores, que queimaram suas reservas
por nada, para nada.
Discute-se muito hoje na
Europa, com a falência do modelo neoliberal, junto do qual se enterraram os
partidos ditos de esquerda, discute-se muito uma refundação da esquerda. A
exaustão dos partidos trabalhistas, socialistas e socialdemocratas, abduzidos
pelo neoliberalismo e campeões na aplicação das políticas de austeridade, fez
espocarem novos agrupamentos de esquerda por toda a Europa. Na Inglaterra, o
cineasta Ken Loach lança apelo por um novo partido, considerando definitiva,
irrecuperável, a guinada do Partido Trabalhista para a direita.
Por cinco vezes, não uma
ou duas, e sim por cinco vezes acompanhei o PT nas eleições presidenciais. Nas
circunstâncias de hoje, fossem esses que se anunciam os candidatos,
acompanharia o PT pela sexta vez. No entanto, parece claro que o PT está à
deriva, distancia-se da esquerda. Como já não é mais possível classificar como
de esquerda os partidos da base, que ainda assim se dizem, em que pese as
posições hoje assumidas.
É à esquerda, pela
esquerda, que construiremos o país e a sociedade que anelamos há tanto tempo.
Não há outra saída. Boa parte da esquerda tradicional, como a camélia, caiu do
galho, depois murchou, depois morreu.
Vamos estão, mais uma
vez, recomeçar.
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