Por Paulo
Nogueira
Jânio não conseguiu varrer os privilégios
fiscais da imprensa. O dinheiro do contribuinte tem que ser mais
bem empregado.
Li “A Renúncia de Jânio”, do jornalista
Carlos Castelo Branco, o último grande colunista político brasileiro.O que me
levou a esse velho livro foram as recentes evocações do infame golpe militar de
1964 em seu aniversário, no dia 31 de março.
O golpe, de alguma forma, começa em Jânio,
o demagogo que renunciou à presidência em 1961 quanto estava fazia apenas sete
meses no cargo, por motivos jamais explicados. Mas o que mais me chamou a
atenção no livro é um episódio que mostra bem o regime de privilégios fiscais
desfrutados há muito tempo pelas empresas jornalísticas brasileiras. Castelinho,
que foi assessor de imprensa de Jânio, conta que certa vez estava preparando
uma sala para um pronunciamento que ele, Jânio, faria naquela noite em rede
nacional de televisão. No lugar escolhido, a biblioteca do Palácio da Alvorada,
Castelinho viu sobre a mesma um exemplar do Estadão de domingo. Em cima, estava
um bilhete do presidente: “Não toquem neste jornal. Preciso dele”.
“Só soube do que se tratava quando Jânio o
ergueu na mão para exibi-lo audaciosamente ao país [na fala em rede] como fruto
de privilégios, o esbanjamento de papel comprado com subvenção oficial, pago,
portanto, pelo povo”, escreveu Castelinho.
É o chamado “papel imune”. Os contribuintes
subvencionam há décadas o papel usado para imprimir jornais e revistas.
Jânio apontou o mal, mas não foi capaz de
resolvê-lo. Os mesmos empresários que tanto falam num Estado mínimo não se
embaraçam em, nas sombras, mamar nele em coisas como o papel imune, e em muitas
outras.
Dinheiro público foi sempre usado também
para financiar – em condições de mãe para filho – empreendimentos que deveriam
ser bancados por nossos intrépidos, aspas, capitalistas da mídia.
Nos anos 90, Roberto Marinho comemorou ao
lado de FHC a inauguração de uma supergráfica projetada para quando o jornal
chegasse – hahaha – à marca de 1 milhão de exemplares.
FHC não estava na foto porque Roberto
Marinho queria promovê-lo. É que o governo tinha concedido um empréstimo
especial às Organizações Globo para fazer a gráfica que hoje parece uma piada.
Por que o empréstimo? Ora, a Globo era
então já uma potência. Tinha mais de metade do faturamento da publicidade
nacional, graças à tevê e a expedientes amorais como o chamado BV (bonificação
por vendas).
A empresa poderia, perfeitamente, bancar o
passo (torto) que decidira dar com a nova gráfica. Mas não. O Estado babá
estava ali, à disposição, na figura sorridente de FHC.
Essencialmente, o resultado é que a fortuna
da família Marinho foi poupada do risco de um investimento que poderia
fracassar, como aconteceu.
Coisa parecida aconteceu com as outras
grandes empresas em suas incursões para fazer novos parques gráficos: dinheiro
farto, quase dado.
Fora o papel imune, naturalmente.
E fora, mais recentemente, artifícios como
a criação de PJs (pessoas jurídicas) para reduzir os impostos pagos.
Note. As companhias jornalísticas não
querem pagar impostos, mas depois esperam que o Estado – com dinheiro alheio,
do “Zé do Povo”, como dizia o patriarca Irineu Marinho – esteja com os cofres
cheios para bancar seus investimentos.
Para completar a tragicomédia, as empresas
promovem campanhas sistemáticas de engambelação coletiva destinadas a provar,
aspas, que os impostos são elevados no Brasil.
Não são. A carga tributária brasileira, na
casa de 35%, é bem menor que a de países modelos, como a Escandinávia.
A diferença é que, neles, as corporações
pagam o que devem. Vá, na Dinamarca ou na Noruega, inventar PJs e você é
chutado da esfera corporativa e submetido a desprezo nacional.
Para que o Brasil avance socialmente, as
mamatas das empresas de mídia – fiscais e não só fiscais — têm que acabar.
Não é fácil, como vemos ao constatar o que
deu do brado janista de meio século atrás. Sucessivos governos têm vergado ao
poder de intimidação da mídia. (Para a qual vigora ainda uma inacreditável
reserva de mercado, aliás.)
Mas nada é fácil.
O poder de manipulação da mídia se reduziu,
graças à internet.
Se há uma hora para fazer o que deve ser
feito, é esta.
O dinheiro que custam as mordomias
bilionárias da mídia deve servir à sociedade: que se construam escolas,
hospitais e estradas com ele, em vez de vê-lo dar acesso à lista de superricos
da Forbes.
Dilma tem que se mexer, em nome do Brasil.
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