Os problemas da Globo com a Receita Federal: A hipocrisia de ações ‘filantrópicas’ como o Criança Esperança
Por Paulo Nogueira
Dar com uma mão e pegar
muito mais com a outra é indefensável moralmente.
Imposto é um dos temas
mais quentes do mundo moderno, e o Diário tem coberto o assunto intensamente.
Nos Estados Unidos, por
exemplo. Barack Obama usou isso como uma arma para atacar seu adversário
republicano Mitt Romney. Romney é um homem rico, mas tem pagado bem menos
imposto, proporcionalmente, do que um assalariado comum.
Obama o desafiou a
publicar o quanto ele pagou nos últimos cinco anos. Se ele fizesse isso, Obama
jurou que não tocava mais no assunto. Romney não fez, e se estrepou nas
eleições.
No mundo, agora. Um
levantamento de um instituto independente chamado TJN mostrou, em 2012, que
mais de 30 trilhões de dólares estão escondidos em paraísos fiscais, longe de
tributação. Se aquela cifra descomunal fosse declarada, ela geraria impostos de
mais de 3 trilhões, considerada uma taxa (modesta) de 10%.
Lembremos. Imposto é
chato e ninguém gosta, nem você e nem eu. Mas é com ele que governos constroem
escolas, estradas, hospitais etc. Logo, eles são do mais absoluto interesse
público.
Agora, o Brasil.
Uma notícia espetacular,
a despeito do número esquálido de linhas, foi publicada há algum tempo na seção
Radar, de Lauro Jardim, da Veja: a Globo, o Paraíso dos “PJs” está sendo
cobrada em 2,1 bilhões de reais pela Receita Federal por impostos que
alegadamente deveria recolher e não recolheu.
Segundo o Radar, outras
69 empresas foram objeto do mesmo questionamento fiscal. Todas acabaram se
livrando dos problemas na justiça, exceto a Globo. Chega a ser engraçado
imaginar a Globo no papel de vítima solitária, mas enfim.
Em nome do interesse
público, a Receita Federal tem que esclarecer este caso. É mais do que hora de
dar um choque de transparência na Receita – algo que infelizmente o governo
Lula não fez, e nem o de Dilma, pelo menos até aqui.
Se o mundo fosse
perfeito, a mídia brasileira cobriria a falta de transparência fiscal para o
público. Mas não é. Durante anos, a mídia se ocupou em falar do mercado
paralelo.
Pessoalmente, editei
dezenas de reportagens sobre empresas sonegadoras. A sonegação mina um dos
pilares sagrados do capitalismo: a igualdade entre os competidores do mercado.
Há uma vantagem competitiva indefensável para empresas que não pagam impostos.
Elas podem investir mais, cobrar menos pelos seus produtos etc.
Nos últimos anos, o
assunto foi saindo da pauta. Ao mesmo tempo, as grandes corporações foram se
aperfeiçoando no chamado “planejamento fiscal”. No Brasil e no mundo. O NY
Times, há pouco tempo, numa reportagem, afirmou que o departamento contábil da
Apple é tão engenhoso quanto a área de criação de produtos. A Apple tem uma
sede de fachada em Nevada, onde o imposto corporativo é zero. Com isso, ela
deixa de recolher uma quantia calculada entre 3 e 5 bilhões de dólares por ano.
Grandes empresas de
mídia, no Brasil e fora, foram encontrando jeitos discutíveis de recolher menos.
Na Inglaterra, soube-se que a BBC registrou alguns de seus jornalistas mais
caros, como Jeremy Paxton, como o equivalente ao que no Brasil se chama de
“PJ”. No Brasil, muitos jornalistas que escrevem catilinárias incessantes
contra a corrupção são “PJs” e, aparentemente, não vêem nenhum problema moral
nisso. Não espere encontrar nenhuma reportagem sobre os “PJs”.
Os brados contra a
sonegação deixaram de ser feitos pela mídia brasileira quando as empresas
aperfeiçoaram o ‘planejamento fiscal’ — uma espécie de sonegação legalizada,
mas moralmente imoral.
O dinheiro cobrado da
Globo – a empresa ainda pode e vai recorrer, afirma o Radar – é grande demais
para que o assunto fique longe do público. A Globo costuma arrecadar 10 milhões
de reais com seu programa “Criança Esperança”. Isso é cerca de 0,5% do que lhe
está sendo cobrado. Que o caso saia das sombras para a luz, em nome do
interesse público – quer a cobrança seja devida ou indevida.
A Inglaterra não apenas
está publicando casos de empresas que pagam muito menos do que deveriam, como
Google e Starbucks, como, agora, nomeou os escritórios de advocacia mais
procurados por corporações interessadas na evasão legal.
De resto, a melhor
filantropia que corporações e milionários podem fazer é pagar o imposto devido.
O resto, para usar a grande frase shakesperiana, é silêncio.
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