Por Patrícia Benvenuti
Pelo menos três mil
famílias foram retiradas dos locais onde viviam por conta de obras para receber
a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Rio de Janeiro. A informação faz parte do
dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro, que
relata algumas das conseqüências da preparação da cidade para receber os
eventos esportivos.
Além dos despejos, o
relatório aponta outros prejuízos para a população e o território, como
impactos ambientais, trabalho precarizado nos empreendimentos, demolição de
equipamentos esportivos e a concessão do estádio do Maracanã para a iniciativa
privada.
O integrante do Comitê
Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio, Renato Cosentino, destaca que nem
todas as obras feitas hoje na cidade têm relação direta com a realização das
competições. Algumas visam a melhorar a infraestrutura local para receber os
eventos. No entanto, segundo ele, o poder público tem se utilizado dos jogos
para atender a interesses econômicos.
Um exemplo é o da Vila
Autódromo, comunidade de 500 famílias de baixa renda localizada na lagoa de
Jacarepaguá. O governo pressiona e argumenta que as famílias terão de sair da
área para a construção do Parque Olímpico.
O projeto original do
Parque, porém, nem mesmo prevê a utilização do terreno para erguer o complexo.
Ao contrário: garante a permanência da vila e sua urbanização como um legado
das Olimpíadas. “Há outros interesses relacionados a essas remoções, isso fica
claríssimo”, afirma Cosentino.
Grandes projetos
Com recursos do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as obras da Copa e das
Olimpíadas são algumas das vitrines do governo federal, que tem apostado em
grandes projetos para resolver questões de infraestrutura e movimentar a
economia local.
Motivo de orgulho e
propaganda para o Planalto, as obras vêm sofrendo críticas constantes, que
colocam em xeque a opção pelos grandes empreendimentos e o ônus do chamado
neodesenvolvimentismo.
Em maio, indígenas
paralisaram por oito dias o canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo
Monte, no rio Xingu. Eles reivindicam a paralisação de todos os projetos
hidrelétricos e seus estudos nos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires. Além disso,
exigem a realização de consulta prévia aos povos indígenas e tradicionais, como
determinam a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT).
A obra, considerada o
maior empreendimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tem
mobilizado um número crescente de ativistas, que denunciam a gravidade dos
impactos sociais e ambientais. “Excluir, destruir, empobrecer. Se para o
governo isso é desenvolvimento é um grande atraso”, afirma a coordenadora do
Movimento Xingu Vivo para Sempre, Antonia Melo.
As obras da Copa também
têm motivado manifestações frequentes nas cidades- sede, onde se registram
várias denúncias de violações de direitos humanos. Além das administrações
locais, o governo federal também costuma ser alvo de protestos.
Renato Cosentino, do
Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio, critica a falta de atuação em
relação às demandas de quem está sendo prejudicado com a preparação para os
jogos. “O governo federal não tem atuado. Se o financiamento é federal tem que
ter uma atuação mais firme, e a gente não vê isso acontecer”, afirma.
Neodesenvolvimentismo
Iniciado com Luiz Inácio
Lula da Silva e seguido por Dilma Rousseff, o chamado modelo
neodesenvolvimentista mescla megaempreendimentos, financiamentos públicos,
parcerias com empresas privadas e programas de distribuição de renda.
O maior avanço do
modelo, na avaliação do membro do Diretório Nacional do Partido dos
Trabalhadores (PT) Valter Pomar, foi a ampliação do número de empregos e
salários. Para isso, segundo ele, os investimentos públicos mostram-se
essenciais para manter o cenário positivo. “Como o setor privado está com o
freio de mão puxado, o investimento público é essencial”, diz.
O problema, para Pomar,
não está no modelo, e sim na “timidez” das ações do Estado. “Precisamos de mais investimento público e
mais ação direta do Estado, reduzir mais fortemente a taxa de juros, escapar da
armadilha do superávit primário e fazer menos concessões ao grande capital
privado”, defende.
O vice-presidente
nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Roberto Amaral, da base aliada
do governo, também elogia o atual modelo. O principal benefício, para ele, foi
o alargamento do poder de consumo. “Isso é fundamental não só pelo seu caráter
social, de dar dignidade à população, mas porque serve para reativar a economia
brasileira”, explica.
Críticas
A percepção dos
movimentos sociais, porém, é bem diferente. Para o integrante da direção
nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Paulo
Rodrigues, o modelo desenvolvimentista adotado pelo governo não trouxe avanços
reais à população.
“Esse formato de governo
não resolve os problemas estruturais do povo brasileiro, em especial as
reformas que o PT propunha a fazer na década de 1980, como reforma agrária,
saúde, educação e reforma urbana”, afirma.
O secretário-executivo
do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, também mostra
descontentamento. Para ele, os governos do PT não romperam a lógica de
beneficiar os setores historicamente privilegiados no Brasil.
“Nós imaginávamos que
haveria uma mudança de rumo nessa perspectiva política a partir do governo
Lula, mas não houve essa mudança. E agora, com Dilma, há uma acentuação desse
caminho”, diz.
Buzatto atribui ainda a
esse modelo de desenvolvimento, baseado no agronegócio e na exploração de
recursos naturais, os conflitos que surgem hoje país afora, que vão desde a
Amazônia até as cidades-sede da Copa.
Para o advogado e
integrante da Consulta Popular Ricardo Gebrim, o enfrentamento à ofensiva
neoliberal é um ponto positivo das gestões de Lula e Dilma. Entretanto, ele
considera que o governo não avança, de fato, na construção de um projeto
popular para o país.
“É um modelo que, dentro
do capitalismo, tem lógica capitalista, e como todo modelo de lógica
capitalista está pautado no lucro e não na qualidade de vida das pessoas”,
afirma.
E as perspectivas
futuras não são boas, de acordo com João Paulo Rodrigues. Isso porque o BNDES,
grande financiador do modelo, já mostra sinais de esgotamento devido ao volume
de recursos já utilizados. Com isso, a possibilidade é de que haja cortes em
outras áreas para manter os financiamentos.“Para resolver essa lacuna, vai se
dizer que a previdência é deficitária. Então, corte na Previdência para manter
essa lógica”, alerta.
Os recursos do BNDES são
provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – um fundo especial do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) destinado, entre outros fins, ao
financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico.
Outra questão grave,
para João Paulo, é a exploração dos recursos naturais. A preocupação, segundo
ele, é de que a corrida desenfreada consuma toas as riquezas do país.
“O problema não é nem
acabar, e sim as consequências que isso pode trazer para o meio ambiente. O
Brasil não suporta um processo tão rigoroso de exploração dos recursos naturais
como esse neodesenvolvimentismo vai precisar no próximo período”, diz.
A que preço?
A discussão sobre os
preços do desenvolvimento e os impactos ambientais é, justamente, uma das
questões que mais gera embates. Para a coordenadora do Movimento Xingu Vivo
para Sempre, Antonia Melo, o apoio do govero federal a Belo Monte vai na
contramão do discurso ambientalista que vem ganhando força no mundo.
“Hoje no planeta tudo
está voltado para a questão ambiental. Se o mundo está voltado, pelo menos no
papel, para esses cuidados, como é que o governo brasileiro pode estar
implementando projetos como Belo Monte?”, questiona.
Em maio deste ano,
matéria no jornal O Globo revelou que o BNDES
continuava repassando regularmente à Norte Energia recursos para a
construção de Belo Monte, apesar do não cumprimento das condicionantes. Segundo
o Instituto Socioambiental (ISA), até 8 de abril, 30% da usina havia sido
construída sem que houvesse obras significativas para melhorar a vida dos
cidadãos afetados da região.
Para o advogado e
integrante da Consulta Popular Ricardo Gebrim, a questão de Belo Monte
apresenta desafios complexos para o país. Ele destaca a importância da luta dos
povos indígenas e comunidades tradicionais, que estão mobilizados pela
preservação de seus territórios, mas lembra que as necessidades energéticas do
país também devem ser levadas em consideração.
“Temos cada vez mais
necessidades energéticas, que dificilmente farão com que escapemos de outras
obras com impactos ambientais como essa [Belo Monte]”, afirma.
De acordo com o
vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, os impactos ambientais são inevitáveis.
“Quando você fuma, anda de carro ou de avião provoca impacto ambiental. Esse
negócio de não causar impacto ambiental é tolice”, declara Amaral, que critica
ainda os movimentos sociais contrários a Belo Monte. “Se os movimentos sociais
e sindicais indicarem uma outra fonte de produção de energia que não seja a
hidrelétrica em curto prazo tudo bem, nós produzimos. Mas não tem meio termo.
Ou nós produzimos energia ou não teremos energia”, salienta.
Entretanto, a questão da
demanda energética é vista com cautela pelo sociólogo e professor da
Universidade Federal de Rondônia Luiz Fernando Novoa Garzon. Segundo ele, antes
de se falar em necessidade de energia, é preciso que se discuta como a fundo
questões como as fontes alternativas e principalmente a forma como a energia é
utilizada hoje no Brasil.
“Se esse padrão de
desenvolvimento não for rediscutido, evidentemente que sempre haverá uma
crescente necessidade de aumento de oferta energética”, afirma.
Para o integrante do
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Joceli Andrioli, para além de
possíveis necessidades energéticas está o interesse das empreiteiras e
concessionárias em obras como Belo Monte, cujos custos já ultrapassaram R$ 30
bilhões.
“É um casamento tanto do
fato da obra em si, que é um grande negócio, como da exploração do potencial
hidrelétrico, que também é fenomenal”, pondera.
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