Por Bruno Fontenele Cabral
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Acesso em: 21 maio 2013.
. Acesso em: 23 maio 2013.
Em vez de admitir a
investigação criminal por órgãos e instituições não legitimados para tanto, a
sociedade brasileira deveria promover o fortalecimento da polícia judiciária e
debater uma maior autonomia policial frente ao Poder Executivo.
O crescente movimento do
Ministério Público no sentido da expansão de seus poderes constitucionais e
legais tem mais um capítulo polêmico com as severas críticas dirigidas em
relação à Proposta de Emenda Constitucional nº 37, em tramitação no Congresso
Nacional, conhecida como PEC da legalidade, e maliciosamente denominada PEC da
impunidade.[1]
Inicialmente, a PEC 37
tem o objetivo apenas de deixar claro o modelo de investigação criminal adotado
pelo Brasil, qual seja, o modelo de investigação policial ou do
Delegado-investigador. Assim sendo, ao
pretender investigar a qualquer custo, o Ministério Público busca a subversão
da ordem constitucional, buscando instituir no Brasil o modelo de investigação
criminal fascista e ultrapassado denominado de “modelo do
promotor-investigador”.[2]
O primeiro argumento a
favor da aprovação da PEC 37 encontra-se em decisão proferida pelo próprio
Ministério Público Federal, em acórdão exarado no bojo de processo
administrativo, que tramitou na Procuradoria-Geral da República e foi publicado
no DJU, de 02/09/98, p. 70. Na ocasião, a 2ª CCR se manifestou de forma
contrária ao poder de investigação criminal do MP. Citam-se alguns trechos do
referido acórdão:[3]
“EMENTA: Procedimento
administrativo criminal instaurado na Procuradoria da República, com fundamento
no art. 129, VIII da Constituição Federal, em virtude de expediente que relata
a ocorrência de conduta, em tese delituosa, praticada por Deputado Federal.
Tramitação de referido expediente em Cartório Criminal, instituído por Portaria
da Chefia. Instauração de Procedimento Criminal Administrativo pelo Ministério
Público. Impossibilidade face os exatos termos do art. 144, § 1°, IV da
Constituição Federal de 1988 – interpretado como garantia constitucional do
cidadão de somente ser investigado pela Polícia Judiciária. Situação
constitucional diversa do regime anterior. Fundamentos de tal assertiva: juízo
de instrução e a legislação processual penal brasileira, em face das garantias
constitucionais. Parecer no sentido do imediato encaminhamento do expediente
indevidamente autuado ao Procurador-Geral da República, único titular da ação
penal junto no Supremo Tribunal Federal Encaminhamento ao Procurador-Geral da República
do presente procedimento administrativo, solicitando cancelamento da autuação,
bem como revisão do ato administrativo que criou o noticia do “cartório
criminal”, em face dos princípios contidos na Constituição Federal (...) a
investigação criminal iniciada pelo membro do MP, em procedimento
administrativo criminal desenvolvido no âmbito do Parquet, se constitui em
prática alheia ao ordenamento jurídico vigente, eivado de
inconstitucionalidade– visto que é atribuição exclusiva da Polícia Federal o exercício
das funções de polícia judiciária da União – art. 144, § 1º, IV, da
Constituição Federal de 1988 e que, ao Ministério Público somente é permitida a
instauração de inquéritos civis (...) Esse cuidado do Constituinte de 1988 tem
razões históricas, que puderam ser colhidas do período em que vivemos um regime
de exceção, quando procedimentos investigatórios sobre a conduta dos cidadãos
poderiam –e eram– instaurados por diversos órgãos ligados ao sistema estatal–
congêneres– investigações essas que muitas vezes deram origem a prisão de
cidadãos, que ficavam detidos pelos órgãos de segurança, restando a seus
familiares e amigos procura incessante, para saber onde e porque se encontrava
o desaparecido detido. Diante desse quadro bastante conhecido pelo Constituinte,
que pretendia editar Constituição que assegure ao cidadão todas as garantias do
regime democrático, procurou ele ajustar o texto constitucional, de sorte que o
cidadão só pudesse ser investigado por um e determinado órgão estatal, previsto
constitucionalmente. (...) Dessa forma, as diligências investigatórias
destinadas ao inquérito policial, e futura ação penal, fogem à atuação do
Ministério Público porque devem ficar jungidas a quem tenha titularidade para
instaurar esse tipo de procedimento, sob pena de restar ferido o princípio do
devido processo legal (voto vencedor da Subprocuradora-Geral da República –
DELZA CURVELLO ROCHA, acompanhada pelos Excelentíssimos Senhores
Subprocuradores-Gerais da República EDINALDO DE HOLANDA BORGES e GILDA PEREIRA
DE CARVALHO). (grifei e sublinhei)
O segundo argumento a
favor da aprovação da PEC 37 é que o constituinte originário de 1988, em nenhum
momento, teve a intenção de conferir o poder de investigação criminal ao
Ministério Público, conforme lição do então Ministro do STF Nelson Jobim. É
interessante destacar que, durante o julgamento do Inquérito nº 1.968/DF,
iniciado em 15/10/2003, o então Ministro do STF Nelson Jobim, que também foi
deputado federal constituinte, afirmou se recordar de que uma proposta que
concedia expressamente poderes investigatórios ao MP havia sido rejeitada
durante uma das históricas sessões da Assembleia Nacional Constituinte e que
ele mesmo havia votado contra ela. Daí ser incabível, hoje, a argumentação do
MP que o seu pretenso poder investigatório estaria “implícito” na Constituição
Federal. [4]
O terceiro argumento a
favor da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 é que o modelo de
investigação policial (Delegado-investigador) foi consagrado pela Constituição
Federal de 1988 e pelo Código de Processo Penal Brasileiro, em detrimento do
modelo do promotor-investigador e do juizado de instrução. Dessa forma, o
inquérito policial representa um direito do cidadão de não ser submetido
apressadamente a “cerimônia fúnebre do processo penal”. Dessa maneira, a
investigação criminal realizada por outros órgãos públicos não policiais viola
o modelo de investigação criminal adotado pelo Brasil. Ora, a opção brasileira
pelo modelo de investigação policial (leia-se: inquérito policial e não
procedimento investigatório criminal do MP) fica clara na leitura do seguinte
trecho da brilhante exposição de motivos do CPP: [5]
“há em favor do
inquérito policial, como instrução provisória antecedendo a propositura da
ação penal, um argumento dificilmente contestável: é ele uma garantia contra
apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral
causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos
fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e
circunspeta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda
perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos
juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás,
refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então
despercebido. Por que, então, abolir-se o inquérito preliminar ou instrução
provisória, expondo-se a justiça criminal aos azares do detetivismo, às marchas
e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o
sistema de unidade de instrução, mas o nosso sistema tradicional, com o
inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mais prudente e
serena”.
Ao contrário de se
admitir a realização da investigação criminal por órgãos e instituições não
legitimados para tanto, a sociedade brasileira deveria promover o
fortalecimento da polícia judiciária e debater uma maior autonomia policial
frente ao Poder Executivo. Com essas conquistas, que necessariamente deveria
abranger a outorga de prerrogativas e garantias para a autoridade policial,
certamente teremos uma polícia judiciária mais eficiente e eficaz, tal como
exigido nos tempos atuais. [6]
O quarto argumento a
favor da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 é que a
investigação criminal deve se desenvolver de forma eqüidistante entre as
partes, sem favorecimento do Estado Acusação (Ministério Público) ou da defesa.
Sobre o tema, PERES (2012) ensina que: [7]
“Com efeito, não existe
previsão constitucional que autorize o órgão de acusação a investir-se na
condição de polícia judiciária, salvo em situações excepcionais. Este
entendimento, aliás, foi sufragado pelo Ministro Cezar Peluso, Relator do RE
593927, (...) De fato, segundo também entendemos, a realização de procedimento
investigatório de natureza penal pelo MP vai muito além das elevadas
atribuições funcionais que lhe foram outorgadas pelo art. 129 da Constituição
Federal (...) Isto porque, no novo sistema constitucional brasileiro, espera-se
que a investigação se desenvolva de forma equidistante do interesse das partes
- com respeito às formalidades legais e sob o crivo do Poder Judiciário - e não
mais esteja a serviço de quem acusa, como nos moldes preconizados pelo modelo
fascista que inspirou o Código de Processo Penal. Nem se diga que a função
ministerial de controle da atividade policial (art. 129, VII, da CF), por ser
mais abrangente (quem pode o mais, em tese, poderia o menos...), a partir de
uma interpretação sistemática, teria o condão de infirmar o que acima foi dito”
O quinto argumento a
favor da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 é que a
investigação criminal promovida pelo Ministério Público atenta contra o Estado
Democrático de Direito, ao permitir a existência de uma instituição com
superpoderes de investigar e acusar, indo de encontro ao sistema de freios e
contrapesos e o ideal de separação de poderes de Montesquieu. [8]
Sobre o tema, CABRAL
(2011) ensina que:
“É oportuno, ainda,
mencionar, que o inquérito policial presidido por Delegado de Polícia exerce o
papel de limitação dos poderes do Estado acusador (Ministério Público), pois o
Estado democrático de direito não se coaduna com a idéia da concentração dos
poderes (...) entende-se, salvo melhor juízo, que a Constituição Federal adotou
o sistema policial e, em razão disso, deve ser afastada a tentativa de
concentração das funções de investigar e de acusar nas mãos do Ministério
Público (criação da figura do promotor investigador) ou a tentativa de
implantação do Juizado de Instrução no Brasil (criação da figura ultrapassada
do juiz investigador). Além disso, entende-se que todo o sistema de freios e
contrapesos idealizado por Montesquieu e materializado pelo Juiz Marshall no
julgamento do caso Marbury v. Madison (1803) aponta para o caminho da
repartição das funções de investigar, acusar e julgar. Por fim, entende-se que
a possibilidade de investigações realizadas pelo Ministério Público em nada
contribui para a celeridade da persecução criminal, pois desvia o órgão
ministerial de sua atividade principal na esfera criminal, que é a atuação como
parte no processo penal.[9]
No mesmo sentido, GOES
(2011) aponta que: “dotar o Ministério Público de atribuições investigatórias,
além da competência para promover a ação penal, é conferir poder excessivo a
uma única instituição, o que, em tese, favorece condutas abusivas, mormente
devido à ausência de controle por parte de qualquer outra instância, tornando o
indiciado refém do ímpeto da atuação investigativa, e órfão da proteção de
qualquer órgão externo”.[10]
O sexto argumento a
favor da aprovação da PEC 37 é que o poder de investigação criminal foi
conferido pela Constituição Federal exclusivamente à polícia judiciária. Assim,
não se pode falar em poder implícito quando a Constituição outorgou o poder
explícito de investigar a polícia judiciária. Muito menos pode prosperar o
argumento de que “quem pode o mais, pode o menos”. Tal argumento parte de uma
premissa equivocada. Ora, cada instituição tem suas atribuições e competências.
A investigação policial não é menos importante que a ação penal. Além disso,
seguindo esta linha de raciocínio, o juiz (que tem o poder de julgar – dominus
processus) também poderia acusar, pois “quem pode o mais (julgar), pode o menos
(acusar)”. Nesse sentido, é oportuna a leitura de trecho da lapidar lição de
José Afonso da Silva, que assim assevera: [11]
“Outro argumento que
consta em favor da competência investigatória direta do Ministério Público é a
de que, sendo ele titular da ação penal pública, também há de ter o poder de
investigação criminal, sob o argumento de que “quem pode o mais pode o menos.
Se esse prolóquio tem algum valor no campo de direito privado, não sei, mas no
campo do direito público, especialmente no direito constitucional, não tem
nenhum valor. Não é uma parêmia a que se dá valor de regra interpretativa. O
que é mais e o que é menos no campo da distribuição das competências
constitucionais? Como se efetua essa medição, como fazer urna tal ponderação?
Como quantificá-las? Não há sistema que o confirme. As competências são
outorgadas expressamente aos diversos poderes, instituições e órgãos
constitucionais. Nenhuma é mais, nenhuma é menos. São o que são, porque as
regras de competência são regras de procedimento ou regras técnicas, havendo
eventualmente regras subentendidas (não poderes implícitos) às regras
enumeradas, porque submetidas a essas e, por conseguinte, pertinente ao mesmo
titular. Não é o caso em exame, porque as regras enumeradas, explicitadas,
sobre investigação na esfera penal, conferem esta à polícia judiciária, e são
regras de eficácia plena, como costumam ser as regras técnicas. 12. Assim mesmo
se pode discutir sobre o que é mais e o que é menos entre a investigação e a
ação judicial penal. A investigação é um procedimento de instrução criminal
(preliminar, preparatória) em busca da verdade e da formação dos meios de
prová-la em juízo. A ação é um ato pelo qual se invoca a jurisdição penal.
Procedimento da instrução penal preliminar, como qualquer procedimento, é uma
sucessão de atos concatenados que se registram e se documentam no inquérito
policial, que vai servir de base para a propositura da ação penal ou não,
conforme esteja ou não configurada a prática do crime, sua autoria e demais
elementos necessários à instrução penal definitiva. O resultado positivo da
investigação do crime é que constituirá pressuposto da ação penal viável. Sem a
investigação prévia da verdade e dos meios de prová-la em juízo é impossível a
ação penal, diz bem Canuto Mendes de Almeida.5 Pode-se estabelecer urna relação
de mais e de menos entre esses elementos?
13. Demais, se o
argumento do “quem pode o mais pode o menos”, assim como o argumento, muito
parecido, dos poderes implícitos, fossem procedentes, a coerência exigiria que
o Ministério Público assumisse inteiramente as função investigativa”.
O sétimo argumento a
favor da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 é que a
investigação criminal promovida pelo Ministério Público, além de ser ilegal e
inconstitucional, é aleatória, discricionária, casuística e com viés midiático,
em total desacordo com o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Sobre o
tema, José Afonso da Silva também aponta que: [12]
“Frise-se que o
Ministério Público não pretende substituir-se, indistintamente, a Polícia
Judiciária na investigação das infrações penais, mas dispor de meios para obter
diretamente, de modo mais célere e eficaz, em determinadas situações e quando o
interesse público o exige, as provas e informações que necessita para a
formação de seu convencimento sobre a viabilidade da ação penal (p.24). Esse
texto é exemplar. Ele reconhece que a competência é da Polícia Judiciária.
Implicitamente denuncia que o Ministério Público não tem o poder de
investigação na esfera penal, senão não reivindicaria exercê-la apenas em
determinadas situações. De fato, ai só se pleiteia substituir-se a Polícia
Judiciária “em determinadas situações e quando o interesse público o exige. Quem
decide quais são essas ‘determinadas situações, quem decide quando o interesse
público o exige’? O próprio Ministério Público a seu alvedrio? Isso só cria
incertezas e confusão. Ora, toda investigação criminal é de interesse público.
Este a exige em todos os casos em que um delito se manifesta. Qual o critério
de seleção, o de maior repercussão na mídia?”
O oitavo argumento a
favor da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 é que o
Ministério Público, ao realizar o controle da atividade policial, não pode
realizar a atividade investigativa que é objeto de seu controle. Ora, a
Constituição Federal de 1988 conferiu a Ministério Público a realização do
controle externo da atividade policial. Desta forma, como regra básica e
fundamental de qualquer sistema de controle ou auditoria, “quem controla e
fiscaliza, não pode executar a atividade controlada e fiscalizada”. Neste
sentido, também é oportuna a leitura da lição de PERES (2012):[13]
“Ao contrário, o
entendimento aqui esposado reflete apenas coerência, porque, como assentou o
Ministro Peluso é “intuitivo que, quem investiga não pode, ao mesmo tempo,
controlar a legalidade das investigações”. Por outro lado, se se permitir que o
Ministério Público, futura parte acusadora na demanda, possa se prevalecer de
sua posição privilegiada na estrutura estatal para preparar, sem qualquer
controle, as provas do que imagine seja seu direito, como, por exemplo,
determinando o comparecimento coercitivo de testemunhas ou de investigados às
suas sedes, nada justifica que o mesmo não seja garantido à outra parte (a
Defesa), o que parece igualmente inadmissível, ao menos no nosso atual modelo
de persecução penal. Por isso, parece-nos ilógica a grita de alguns, segundo
quem esta seria mais uma “manobra para se garantir a impunidade de criminosos”.
A par de leviana, porque lança injusta pecha às polícias estaduais e federal,
as quais somente não obtêm mais sucesso nas investigações que levam a cabo por
carências materiais, não - salvo exceções - por deficiências morais. Ainda: de
onde saiu a estapafúrdia ideia de que o MP seria composto por uma espécie de
casta de “vestais”, ou que seriam os membros da instituição necessariamente
mais honestos do que os delegados de polícia?”
O nono argumento a favor
da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 é a economia do Erário
e a aplicação do princípio da eficiência administrativa. A existência de
diversos órgãos de investigação em paralelo acarretará uma desnecessária,
ineficiente e caríssima duplicação das estruturas de investigação e aumento
desnecessário de custos ao Poder Público (por exemplo: compra de helicópteros e
armamento para a Polícia Federal e compra dos mesmos equipamentos para o
Ministério Público Federal). Não faz o menor sentido a existência de uma
estrutura de investigação criminal na polícia judiciária e outra estrutura de
investigação criminal idêntica no âmbito do Ministério Público. Ao invés da
concentração dos escassos investimentos públicos na área de segurança pública,
este investimento acabará sendo dividido entre inúmeros órgãos que pretendem
usurpar a atividade de polícia judiciária e brincar de polícia. [14]
Também é importante se
rebater as falácias utilizadas pelo Ministério Público, ao chamar a PEC 37 de
“PEC DA IMPUNIDADE”. Ora, se praticamente 100% das condenações criminais no
Brasil decorrem de crimes apurados em sede de inquérito policial, como há de se
falar em PEC da impunidade? Pelo contrário, são raríssimas e quase
desconhecidas (inexistentes?) as condenações criminais no Brasil baseadas
exclusivamente em investigações criminais (PICs) conduzidas pelo Ministério
Público. [15]
Ademais, no sentido de
se afastar afirmações falsas veiculadas na mídia, cumpre destacar os seguintes
argumentos colocados pela ADPF e ADEPOL em defesa da aprovação da PEC 37:[16]
“ENTENDA PORQUE A PEC
37/2011 NÃO RETIRA O PODER DE INVESTIGAÇÃO DE NENHUM OUTRO ORGÃO:
A Constituição prevê
que o MP é o fiscal da lei e o titular da ação penal pública;
A Constituição
confere ao MP o poder de requisitar, a qualquer tempo, a abertura de
investigações e a realização de diligências investigatórias;
A Constituição
atribui ao MP o controle externo da atividade policial;
A Constituição, de
forma expressa, dispõe que compete às Polícias Civis e à Polícia Federal a
apuração de infrações penais, exceto as militares;
Como a Constituição
não confere ao MP o poder de investigação, nem explícita nem implicitamente,
não se pode dizer que a PEC 37/2011 lhes suprime tal direito. ORA, NÃO SE PODE
PERDER AQUILO QUE NÃO SE DETÉM;
- A PEC 37 não impede a criação de CPI’s;
- A PEC 37 não impede a atividade de controle e fiscalização atribuídas legalmente a outros órgãos públicos que não promovem investigação criminal, tais como TCU, CGU, IBAMA, COAF e Receita Federal;
- A PEC 37 não impede o trabalho integrado entre órgãos de controle e fiscalização, o Ministério Público e as polícias judiciárias;
- A PEC 37 não impede que o MP e o Poder Judiciário investiguem os seus próprios membros pela prática de infrações penais;
- A PEC 37 preserva a higidez do sistema de persecução criminal brasileiro, que se funda na separação de atribuições entre órgão investigador, acusador, defensor e julgador;
- A PEC 37, não invalida nenhuma investigação já realizada pelo MP, ratificando as provas produzidas até a sua promulgação, moderando seus efeitos;
- A PEC 37 evita a prática de investigações casuísticas, seletivas, sem controle e com o propósito meramente midiático;
- Por não possuir o poder de investigação, o MP apresentou, nos últimos anos, duas propostas de emenda à Constituição, no intuito de alcançar esse fim, tendo o Congresso Nacional rejeitado ambas, em respeito ao sistema acusatório e a ordem Constitucional;
- A Ordem dos Advogados do Brasil e a Advocacia Geral da União, visando a preservação da legalidade, manifestaram-se expressamente contrárias ao poder de investigação do MP;
- A PEC 37 evita abusos, excessos, casuísmos e desvios de finalidade, permitindo apenas investigações legais, com o controle externo do MP e do Poder Judiciário, e acesso à defesa.
O décimo argumento a
favor da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 é que a
investigação criminal conduzida pelo Ministério Público não obedece qualquer
parâmetro constitucional ou legal. Neste sentido, LEONARDO ISAAC YAROCHEWSKYO
(2013) ensina:[17]
“A razão pela qual o
Ministério Público não pode conduzir investigações criminais é deveras singela.
Não se trata da falta de poderes constitucionais para fazê-lo nem de uma
questão corporativa qualquer. Falta à investigação conduzida pelo Ministério
Público um marco normativo, ditado por lei ordinária. Afinal de contas, em matéria
de direito público, os órgãos do Estado são regidos pelo princípio da
legalidade estrita, fato que os fiscais da execução da lei deveriam bem
conhecer. Quando promotores de Justiça e procuradores (estaduais e federais)
agem como se fossem policiais, geralmente o fazem de forma autoritária e
arbitrária.
Ressalta-se, ainda, o
fato, não raro, de o Ministério Público selecionar a dedo os casos e
investigações em que pretende atuar, violando, entre outros, o princípio do
promotor natural. Em regra, esses casos são os que merecem os holofotes da
mídia.
Vale, para enriquecer o
debate, lembrar o julgamento do recurso extraordinário 233.072-4/RJ, em maio de
1999, pela segunda turma do STF. Por maioria, ela decidiu que o Ministério
Público é parte ilegítima para realizar investigações preliminares criminais.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio de Mello afirmou: "Aqueles que têm
poder -já se disse, isso é vala comum- tendem a exorbitar no exercício desse
poder. É preciso que se coloque um freio nessa tentativa. Vejo esse processo
revelador de uma precipitação do Ministério Público, que, em vez de provocar a
abertura do inquérito policial, como lhe cabia fazer, já que o passo seguinte
não seria a propositura de uma ação civil pública, mas de uma ação penal, resolveu
ele próprio -não sei se teria desconfiado da polícia- promover as diligências
para a coleta de peças, objetivando respaldar a oferta, a propositura da ação
penal e a oferta, portanto, da própria denúncia. "Dentre os vários
argumentos apresentados por aqueles que defendem o poder de investigação do
Ministério Público, um é que se um só órgão investiga –no caso, a polícia-,
poucos serão os casos a serem efetivamente apurados e julgados em razoável
espaço de tempo. Ora, ao prevalecer esta tese, não demorará muito o Ministério
Público reclamará o direito de julgar, hoje exclusivo do Poder Judiciário. Se
investigações são mal feitas -e "malsucedidas", no dizer de muitos-,
é necessário pugnar-se pelo aprimoramento daqueles que exercem a função investigatória,
no caso a polícia judiciária, e não simplesmente atribuir a outro órgão ou
Poder essa função.
Por fim, ROCHA (2013)
assim leciona e afasta qualquer dúvida acerca do pretenso poder investigatório
do MP: “A Constituição, nas duas oportunidades que teve de dar ao MP o poder de
investigação, não o fez propositalmente: a primeira no art.129 e a segunda no
art. 144. Entretanto, deu ao MP poderes de investigação em se tratando de Ação
Civil Pública e deu às CPIs amplos poderes de investigação”.[18]
Por todo o exposto, sem
a menor pretensão de esgotar o presente tema, verifica-se que a Constituição
Federal de 1988 e o Código de Processo Penal Brasileiro adotaram,
acertadamente, o modelo de investigação policial, do inquérito policial ou do
Delegado-investigador, em detrimento do modelo do juizado de instrução e do
promotor-investigador. Assim, entende-se que o estado democrático de direito e
a necessidade de paridade de armas no processo penal não se coaduna com o
surgimento de instituições superpoderosas, sem nenhum tipo de controle, que
tenham o poder de investigar (de maneira secreta, discricionária e sem controle
externo) e acusar, tal como pretende o Ministério Público, restando apenas uma
pergunta a ser respondida: No estado brasileiro, quem controlará os atos
praticados pelo Ministério Público Policial (MPP)?
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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criminal. Disponível em:.
Acesso em: 21 maio 2013.
ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS
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Acesso em: 22 maio 2013.
BRASIL. Exposição de
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Acesso em: 22 maio 2013.
CABRAL, Bruno Fontenele
& SOUZA, Rafael Pinto Marques. Manual Prático de Polícia Judiciária.
Salvador: JusPodivm, 2ª Ed., 2013.
CABRAL, Bruno Fontenele.
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23 maio 2013.
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Disponível em: . Acesso em: 23 maio
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PERES, César. Sobre a
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(PEC 37). Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3451, 12 dez. 2012. Disponível
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ROCHA, Diogo Mentor de
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YAROCHEWSKY, Leonardo
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Acesso em: 22 maio 2013.
NOTAS
[1] CUNHA, Rogério
Sanches. Por que sou contra a PEC 37. (conhecida como PEC da impunidade – o
próprio “apelido” já sugere). Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3573, 13 abr.
2013. Disponível em: . Acesso em:
23 maio 2013.
[2] CABRAL, Bruno
Fontenele & SOUZA, Rafael Pinto Marques. Manual Prático de Polícia
Judiciária. Salvador: JusPodivm, 2ª Ed., 2013.
[3] CABRAL, Bruno
Fontenele & SOUZA, Rafael Pinto Marques. Manual Prático de Polícia
Judiciária. Salvador: JusPodivm, 2ª Ed., 2013.
[4] CABRAL, Bruno
Fontenele & SOUZA, Rafael Pinto Marques. Manual Prático de Polícia
Judiciária. Salvador: JusPodivm, 2ª Ed., 2013.
[5] BRASIL. Exposição de motivos do Código de
Processo Penal. Disponível em:
.
Acesso em: 22 maio 2013.
[6] CABRAL, Bruno
Fontenele & SOUZA, Rafael Pinto Marques. Manual Prático de Polícia
Judiciária. Salvador: JusPodivm, 2ª Ed., 2013.
[7] PERES, César. Sobre
a possibilidade de o Ministério Público praticar atos de investigação criminal
(PEC 37). Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3451, 12 dez. 2012. Disponível
em: . Acesso em: 23 mai. 2013.
[8] CABRAL, Bruno
Fontenele. Sistema policial: a separação das funções de investigar, acusar e
julgar no Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n.
2807, 9 mar. 2011. Disponível em:
. Acesso em: 23 maio 2013.
[9] CABRAL, Bruno
Fontenele. Sistema policial: a separação das funções de investigar, acusar e
julgar no Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n.
2807, 9 mar. 2011. Disponível em:
. Acesso em: 23 maio 2013.
[10] GOES, Gabrielli
Cristina Capelli. A investigação criminal direta do Ministério Público no
contexto do sistema acusatório. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2829, 31
mar. 2011. Disponível em: . Acesso
em: 23 maio 2013.
[11] AFONSO DA SILVA,
José. Parecer sobre a possibilidade de o Ministério Público presidir a
investigação criminal. Disponível em: .
Acesso em: 21 maio 2013.
[12] AFONSO DA SILVA,
José. Parecer sobre a possibilidade de o Ministério Público presidir a
investigação criminal. Disponível em:
[13] PERES, César. Sobre
a possibilidade de o Ministério Público praticar atos de investigação criminal
(PEC 37). Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3451, 12 dez. 2012. Disponível
em: . Acesso em: 23 mai. 2013.
[14] CABRAL, Bruno
Fontenele & SOUZA, Rafael Pinto Marques. Manual Prático de Polícia
Judiciária. Salvador: JusPodivm, 2ª Ed., 2013.
[15] CABRAL, Bruno
Fontenele & SOUZA, Rafael Pinto Marques. Manual Prático de Polícia
Judiciária. Salvador: JusPodivm, 2ª Ed., 2013.
[16] ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO
BRASIL. Entenda porque a PEC 37 não retira poder de investigação do Ministério
Público. Disponível em:
.
Acesso em: 22 maio 2013.
[17] YAROCHEWSKY,
Leonardo Isaac. O papel do Ministério Público e as Investigações Arbitrárias.
Disponível em:
.
Acesso em: 22 maio 2013.
[18] ROCHA, Diogo Mentor de Mattos. PEC nº
37/2011: uma análise crítica da função investigatória do Ministério Público.
Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3564, 4 abr. 2013. Disponível em:
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