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Origem do boato sobre o Bolsa Família

Por Eduardo Guimarães
Ainda há pouco o que dizer de concreto sobre a origem do boato literalmente criminoso de que o programa Bolsa Família seria suspenso, mas, preliminarmente, pode-se tirar algumas conclusões interessantes desse episódio.
Em primeiro lugar, o fato de que o boato expôs a importância do benefício para um setor extremamente amplo da sociedade.
Para mensurar a importância do programa, basta dizer que 13 milhões de famílias (um contingente de cerca de 50 milhões de brasileiros) são beneficiadas pelo seu orçamento de quase 25 bilhões de reais.
As multidões que, angustiadas, foram arrastadas às agências da Caixa Econômica Federal pela informação falsa mostram que qualquer grupo político que, no poder, tente desidratar o programa para atender ao clamor da mídia conservadora, está fadado ao suicídio político.
Em editorial desta quarta-feira, por exemplo, o jornal Folha de São Paulo, assim como tantos outros veículos alinhados à direita do espectro político, pede que o pré-candidato tucano Aécio Neves defenda a extinção do Bolsa Família publicamente.
O texto, como de costume laudatório ao PSDB, reclama de que Aécio “Reluta, ainda, em assumir uma dicção mais liberal com denúncia ácida de seu aspecto assistencialista”.
O “ainda” contido nessa frase dá margem a muita reflexão. Sugere que aquilo que o jornal chama de “denúncia ácida” do “aspecto assistencialista” do Bolsa Família ainda ocorrerá…
Como se vê, o PSDB pode até ter um discurso de que, no poder, iria manter o Bolsa Família, mas os interesses que estão por trás desse grupo político esperam dele que interrompa o investimento de um volume tão grande de recursos só para ajudar pobres, caso vença a eleição do ano que vem.
Nesse aspecto, a comoção em torno do boato mostra que a eleição de um governo tucano poderia resultar em grave comoção social, caso programas sociais como o Bolsa Família fossem desidratados ou até extintos.
Em segundo lugar, a escolha das regiões Norte e Nordeste como alvos do boato revela clara intenção política por trás dele.
Uma das perguntas mais significativas que se faz, é a seguinte: por que só Pará, Piauí, Paraíba, Bahia, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Amazonas e Tocantins foram atingidos se o Bolsa Família está presente no país inteiro?
Em terceiro lugar, os meios para difusão do boato. Relatos das vítimas revelam que três instrumentos foram usados para difundi-lo: internet, telefone e “boca a boca”.
É evidente, porém, que uma população tão desassistida não iria ficar fazendo interurbanos para outros Estados para difundir a informação falsa. E tampouco teria como usar a internet em larga escala.
Uma pesquisa feita pelo Blog na internet, porém, localizou postagem em um fórum do UOL em que alguém que se diz “Filho de pai alemão e mãe finlandesa, nascido e criado no Brazil” trata de difundir o boato.
A pessoa coloca a seguinte frase em destaque:
“Tá rolando um boato de que o bolsa família vai acabar, minha empregada está preocupada”
Mais abaixo, na página, o cidadão que se diz filho de estrangeiros mostra que a tese de jornalistas da grande mídia como Ricardo Noblat de que o governo Dilma e o PT é que teriam espalhado o boato não tem a menor lógica.
O cidadão que difunde o boato afirma que sua empregada “Disse que se [o Bolsa Família] acabar nunca mais vai votar no PT” e que ele mesmo “Apesar de não votar no PT” estaria “Preocupado” por ter “Medo déla pedir aumento”
Observação: para visitar a página original da postagem basta clicar na imagem no topo do post
Como se vê, o boato não foi espalhado apenas por “boca a boca” entre gente pobre. Além da internet, telefonemas foram usados e não se imagina gente humilde fazendo ligações interurbanas para difundir a notícia falsa.
Perguntas importantes
Por que os Estados do Sul, do Sudeste e do Centro Oeste não foram atingidos pelo boato criminoso?
Quem e quantos fariam interurbanos para passar a informação falsa adiante?
Qual a motivação de pessoas como a que se diz “filho de pai alemão e mãe finlandesa” para colocar a informação falsa na internet?
Quem se beneficiaria da difusão desse boato?
É possível concluir, também, que se uma simples busca na internet permitiu a este Blog localizar alguém difundindo o boato alarmista, por certo a Polícia Federal não terá maiores dificuldades para localizar outras postagens parecidas.
As vítimas do boato também poderão ajudar a refazer seu caminho relatando quem as desinformou, que será procurado e, por sua vez, relatará quem lhe passou a informação e assim por diante, de forma a chegar na origem da farsa.
A principal conclusão que se pode extrair desse episódio, neste momento, é a de que um aparato significativo e muito dinheiro foram usados para espalhar uma informação que dificilmente interessaria ao PT e ao governo Dilma espalhar.

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