Por Nicola Kuhrt
Grandes laboratórios
buscam cobaias humanas baratas no Brics.
Por anos, grandes
laboratórios farmacêuticos têm testado novas drogas em países em
desenvolvimento como a Índia. A prática é proibida, mas o uso da terceirização
torna difícil a detecção.
Em 2008, a Fundação Uday
indiana publicou uma lista controversa. Nela, a organização de ajuda à criança
identificou os nomes de todos os medicamentos que foram testados pelo All India
Institute of Medical Sciences. Em dois anos e meio, 49 bebês morreram no
hospital durante estudos clínicos.
Entre as várias
substâncias testadas em crianças estava o anti-hipertensivo Valsartan. O
composto foi produzido pelo laboratório suíço Novartis. A empresa nega qualquer
culpa pelas mortes. "As crianças que participaram nos testes estavam muito
doentes. Não pode ser determinado que a administração do Valsartan tenha sido a
causa da morte em qualquer um desses pacientes", disse o porta-voz da
Novartis, Michael Schiendorfer. Será que testes semelhantes seriam possíveis na
Alemanha ou na Suíça? Como o público reagiria caso bebês tivessem morrido em
uma clínica em Basel ou Frankfurt?
Os fabricantes
internacionais de medicamentos evitam essas perguntas –enviando suas novas
substâncias para todo o mundo para serem testadas. Índia, Brasil, Rússia e
China - que, junto com a África do Sul, formam o bloco econômico conhecido pelo
acrônimo de Brics - são todos destinos populares .
Vários estudos indicam
que mais da metade de todos os testes de drogas em todo o mundo ocorre em
países recém-industrializados. Não é apenas mais barato a realização dos
estudos neles, mas muitos participantes são gratos por estarem recebendo algum
tratamento. As empresas são atraídas pela perspectiva de os padrões internacionais
estabelecidos serem aplicados menos rigidamente do que na Europa Ocidental,
Japão ou Estados Unidos.
Padrões ignorados
A Declaração de
Helsinque não deixa dúvida quanto ao procedimento de testes médicos. De autoria
da Associação Médica Mundial em 1964 e revisado pela última vez em 2008, o
documento determina como os participantes de testes médicos devem ser
protegidos de qualquer mal. O texto diz: "Na pesquisa médica envolvendo
cobaias humanas, o bem-estar do paciente submetido à pesquisa deve estar acima
de todos os demais interesses". Além disso, ele estipula, as necessidades
das pessoas em desvantagem econômica e médica devem ser levadas particularmente
em consideração.
Mas quando se trata da
prática diária dos pesquisadores, esses preceitos costumam ser desprezados. Se
os laboratórios farmacêuticos cumprem todas as regras é muito difícil de
monitorar. Muitos fabricantes terceirizam os testes frequentemente controversos
de pílulas, os transferindo para empresas menores em países em desenvolvimento,
as chamadas organizações de pesquisa clínica (CROs, na sigla em inglês). Entre
as tarefas dasCROs estão o planejamento, preparação e implantação dos estudos
clínicos, juntamente com a gestão de dados, monitoramento e recrutamento dos
pacientes.
O tamanho da Associação
das Organizações de Pesquisa Clínica atesta quão poderosas as CROs se tornaram.
Em 2008, as empresas contratadas por grandes empresas farmacêuticas planejaram
e realizaram mais de 9 mil estudos envolvendo aproximadamente 2 milhões de
pacientes em 115 países. As vendas representaram aproximadamente US$ 20
bilhões, segundo estimativas, o equivalente a um terço de todos os gastos
globais em pesquisa de medicamentos.
Corrida pelos lucros
Rápidas, de
custo-benefício eficaz e confiáveis, as CROs anunciam agressivamente seus
serviços em seus sites. Essas promessas são bem recebidas pelos grandes
fabricantes. Quanto mais rapidamente cada fase de um teste clínico puder ser
completada, mais cedo as empresas podem lançar novas drogas lucrativas no
mercado. Isso é algo que empresas como Bayer, GlaxoSmithKline e Pfizer
aparentemente já reconheceram. Todas as três empresas já testaram medicamentos
na Índia.
A empresa
biofarmacêutica AstraZeneca testou seu medicamento para circulação Ticagrelor
no Bhopal Memorial Hospital & Research Centre. O hospital foi fundado
depois de mais de 10 mil pessoas terem morrido em um desastre químico na cidade
de Bhopal, em 1984. Os sobreviventes recebiam tratamento médico na clínica. Mas
alguns deles também serviram por acaso como cobaias de um medicamento para
coração ainda não aprovado.
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