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O testamento de Darcy Ribeiro

Por Rodrigo Vianna
Pouco tempo antes de morrer, Darcy – percebendo que o fim se aproximava – disse que queria ficar em casa. E pediu: “doutora, estou com uma vontade de dar uma aula, a senhora não me traz uma criança pra eu dar a aula?”. Deu aula a uma criança de 9 anos.  Falou sobre o Brasil, sobre a importância de respeitar todas as culturas. Era o testamento que ele queria deixar.
A TV Senado levou ao ar no fim de semana um belo documentário sobre Darcy Ribeiro. Documentário clássico, em que os depoimentos costuram a história. O diretor do filme não pretendia se mostrar um gênio. Até porque gênio era o personagem retratado.
Entrevistei Darcy uma vez, em 1995, pela TV Cultura. Fazíamos um especial sobre UTIs, sobre formas de humanizar o tratamento hospitalar. Darcy tinha muito a dizer. Fugira pouco antes do hospital, porque o ambiente da UTI o matava lentamente. Fugiu porque queria escrever (terminar de escrever, na verdade) seu grande livro: “O Povo Brasileiro”. Deu certo. Fugiu, escreveu, e viveu mais alguns anos.
Era a segunda vez que driblava a morte. Nos anos 70, exilado, teve câncer de pulmão. Foi desenganado pelos médicos. Pediu aos militares autorização para voltar ao Brasil, onde queria morrer. Voltou, e não morreu. O amor pelo Brasil, pelo conhecimento, pelos índios e pela educação: tudo isso alimentava Darcy Ribeiro.
Acadêmico, jamais se escondeu atrás da pompa universitária. Fundou a UnB (Universidade de Brasília), andou pelo Brasil, fez Política com P maiuúsculo. Foi Chefe da Casa Civil do governo de Jango. Caiu em 64. Foi o último janguista a abandonar o Palácio, com o golpe já consumado. teve que fugir de Brasília num teco-teco, ao lado de Waldir Pires. Diz que foi o momento de maior tristeza na vida: saber que haviam sido derrotados pela direita.  Exilou-se no Uruguai, Chile, Peru. Já era um antropólogo renomado. Vivera entre os índios – sua primeira grande paixão. Escrevera sobre os índios obras fundadoras.
O exílio permitiu que estudasse mais sobre América Latina. Debruçou-se sobre o tema. Escreveu o grandioso “As Américas e a Civilização”. Depois da Anistia (e do drible no câncer), Darcy fundou o PDT com Brizola. Foi vice de Brizola no Rio. Idealizador dos CIEPs e do Sambódromo.
Perdeu a eleição para governador em 86, para Moreira Franco. Mais tarde, viraria senador. Nacionalista, professor, namorador… O documentário retrata bem a vida de Darcy.
Adorava o Brasil. “Temos um povo maravilhoso, e uma classe dominante horrorosa. Precisamos dar lição a ela, mostrar que é possível construir esse país”, diz Darcy em transcrição não literal, numa das entrevistas concedidas pouco antes de morrer e recuperadas no documentário.
Ele dizia que “sentia dó” porque não veria a grandeza d Brasil consumada. Iria morrer antes. E disse, olhando para a câmera e para as gerações mais novas: “ficam vocês encarregados de fazer esse país. Mas façam! Sem copiar ninguém! Seremos uma das grandes civilizações desse mundo”. 
A história mais emocionante sobre Darcy é contada por uma das médicas que cuidou dele. Pouco tempo antes de morrer, Darcy – percebendo que o fim se aproximava – disse que queria ficar em casa. E pediu:“doutora, estou com uma vontade de dar uma aula, a senhora não me traz uma criança pra eu dar a aula?“.  Deu aula a uma criança de 9 anos. Falou sobre o Brasil, sobre a importância de respeitar todas as culturas. Falou sobre escolas e sambódromos. Era o testamento que ele queria deixar.
Darcy amou o Brasil. Sem pompa, mas com energia. Viva o Darcy Ribeiro!

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