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O Novo Ativismo e os velhos motivos

Por Sandro Paulino de Faria
Para o ser humano livre, determinado e capaz de indignar-se, um admirável mundo novo se descortina pelas redes sociais. Recentemente ao acessar o facebook deparei-me com um post que me chamou a atenção.
A provocação de uma amiga “dizia” o seguinte:
“Hoje é um dia interessante, estou vendo várias críticas ao governo e poucas fotos de gatos, falta agora direcionar as críticas para notícias que não sejam divulgadas apenas pela grande e velha mídia”.
Os dois comentários na sequência do post me colocaram a refletir, o primeiro dizia que a referida mídia tinha lá seus méritos na divulgação de informações e o segundo acreditava que tais manifestações eram inócuas e que o ativismo de sofá era algo enfadonho e banal.
Mas será que esse Novo Ativismo não tem efeitos? O que esta por trás da atual movimentação virtual? Na tentativa de responder essas perguntas recorreremos ao passado.
De início, traremos ao caro leitor a lembrança de duas mortes emblemáticas para o tema, ambas ocorridas neste ano.
A primeira é a morte do alemão, naturalizado francês, Stéphane Hessel que nos deixou aos 95 anos no dia 27 de fevereiro de 2013, Hessel militou em diversos movimentos por sua vida e em 2010 publicou o “Indignai-vos”.
Este compacto manifesto voou pela rede e no ano de 2011 estava na ponta da língua dos manifestantes indignados que sacudiram diferentes partes do mundo.
Manifestações na Espanha, Grécia, Portugal, Inglaterra, França, México, EUA (Occupy Wall Street) Oriente Médio e Norte da África (Primavera Árabe) dentre outras, tinham como pano de fundo a indignação que era bem representada por trechos da obra de Hessel como, por exemplo:
“A pior perspectiva possível é a indiferença que diz: não posso fazer nada quanto a isso, vou tocar minha vida. Pensar assim nos priva de uma das coisas mais essenciais no ser humano. A capacidade e a liberdade para a indignação. Essa capacidade é indispensável, assim como o envolvimento politico que a acompanha”.
A segunda lembrança mórbida que traremos não passou tão despercebida.
Aos 26 anos o programador Aaron Swartz passou uma corda no pescoço e atentou contra a própria existência.
Dentre as muitas bandeiras que Swartz defendia a principal era justamente a luta pela internet livre, ou seja, pela livre circulação de conhecimento na rede.
O jovem prodígio aos 15 anos já havia participado ativamente do desenvolvimento da licença Creative Commons, mais tarde fundou o Reddit e articulou o Anti-Sopa dentre muitas outras ações politicamente estridentes.
Swartz disponibilizou on-line milhares de artigos acadêmicos e o governo dos EUA o acusou de roubo de propriedade intelectual.
Uma covarde batalha judicial estava se desdobrando num pedido de 35 anos de prisão e no pagamento de multas que somadas superavam 1 milhão de dólares.
No início de 2013 Swartz foi encontrado morto em seu apartamento na cidade de Nova Iorque; definitivamente há algo profundo e sério por trás do chavão “ativismo de sofá”.
O Novo Ativismo é uma realidade com força e capacidade superiores ao que muitos imaginam.
A indignação é a força motriz de uma geração tida até então como apática.
A liberdade e a falta de formalidade e hierarquização dos movimentos oriundos da rede refletem numa militância com múltiplas adesões. Hoje em dia não é mais necessário preencher fichas de filiação ou então disciplinar-se em prol de uma única agremiação.
Esta liberdade de ação possibilita que o indivíduo levante duas, três ou mais bandeiras.
“Ciclistas, lutem pelo fim do racismo. Negros, tragam uma bandeira de arco íris. LGBTT gritem pelas florestas. Ambientalistas cantem. Artistas de rua defendam o transporte público. Pedestres falem em nome dos animais. Vegetarianos, façam um churrasco diferenciado.”
Nesse sentido a definição de liberdade como capacidade de autodeterminação é muito adequada.
Nosso atual flerte com o abismo está cada vez mais nítido e uma grande crise se anuncia.
Em 1929, a grande depressão foi a primeira crise do capitalismo e seus reflexos foram cruéis, mas existia um número bem menor de habitantes no planeta, havia peixes nos rios e oceanos e havia a Amazônia.
Vivemos hoje na era geológica do antropoceno, além de diversos fatores opressores e macro interventores a postura de muitas instituições é ecoassassina.
Apesar dos movimentos que existem hoje pela rede possuírem vertentes reivindicatórias distantes, todos lutam para transformar este estado ecocida e biocida.
Sistema este, que está pondo tudo em risco para acumular e consumir mais e mais como bem descreveu Leonardo Boff em um de seus últimos artigos.
Retornando ao Novo Ativismo outra lembrança nos interessa. Em 1996 John Perry Barlow, cunhou o termo “cyberspace” na linguagem da época e fez esta declaração profética:
“Nossas identidades não tem corpos, assim, diferente de vocês, não vamos acatar ordens por meio de coação física. Acreditamos que pela ética, por interesses pessoais e altruísticos, nossa governança emergirá”.
Já passaram 18 anos, mas a declaração de Barlow parece ter sido dita ontem e da organização no “cyberspace” os movimentos estão cada vez mais ganhando as ruas.
Espanha
Os últimos três anos foram intensificados por manifestações populares em todo mundo e algumas infobombas merecem ser destacadas por estremecerem o meio. Tratando-se de artilharia pesada não poderíamos deixar de mencionar o Wikileaks e sua dupla idealizadora, Bradley Manning e Julian Assange.
Manning perambula pelo cárcere militar estadunidense há uns 30 meses e se nada extraordinário ocorrer, ele deve permanecer nesta situação por toda sua vida.
Já Assange é mantido exilado na embaixada do Equador em Londres, caçado por vários mandatos internacionais sem respaldo legal algum.
Um interessante filme intitulado “Underground” lançado ano passado, mostra a trajetória de Assange entre os anos 80 e 90 retratando a formação de um grupo de hackers intitulado “International Subversives”, que já desafiava as autoridades e dava munição para a indignação popular.
O Novo Ativismo tem demonstrado sua força e as redes sociais o meio para a conexão direta e livre de pessoas de todo mundo.
Conceitos nada novos como liberdade, ditadura, socialismo, capitalismo, anarquismo e comunismo voltaram a povoar nosso imaginário por estarem mais atuais do que nunca na rede.
Buscando mais uma vez no passado, desta vez um pouco mais distante, reconhecemos claramente antigas máximas com uma nova roupagem.
A partir da crise de 2008, dois dos principais pontos de apoio do sistema capitalista começaram a ruir. O primeiro: “Mercados tendem ao equilíbrio devendo ser protegidos da regulação pública” e o segundo: “Finanças são dotadas de uma dinâmica virtuosa capaz de perpetuar a criação de valor excedente em benefício de todos”, conforme expõe Ruy Braga professor do Departamento de Sociologia da USP em vários simpósios pelo Brasil bem como em seu ousado livro, “A política do Precariado”.
As rupturas óbvias destes conceitos já eram previstas em 1867, na obra “O capital” de Karl Marx. Esta obra que a cada dia se mostra mais moderna e inteligente nos ensinou que o capital é a contradição em progresso e sua irracionalidade é globalizante, ou seja, sempre que a sociedade regula um aspecto de seu movimento, o processo se desloca para um plano mais regional e consequentemente global.
Esta constatação de 1867 é atualíssima.
É exatamente o que vivemos e o Novo Ativismo por mais que pulverizado em inúmeras correntes e com seu alto grau de desorganização, é fruto das contraditórias relações de produção capitalista mesclados com o viés ecológico dos dias atuais.
As constatações de Marx seguem travestidas nesses tantos movimentos.
Fetichismo de mercado, concorrência capitalista, exploração econômica, subordinação do trabalho ao capital, formação de capital fictício, controle social e opressão.
Estes motivos camuflados por trás de várias bandeiras estão convertendo-se em combustível para alimentar o coração de manifestantes por todo o mundo.
Estamos abordando algo potente, o facebook galopa atualmente num ritmo sem precedentes, com aproximadamente de 1 bilhão de usuários ativos e 310 mil novos usuários por dia, crescendo mais depressa na África, Ásia e América do Sul.
As possibilidades que encontramos ao ligar nosso computador ou conectar nosso celular tomaram proporções inimagináveis
Para o ser humano livre, determinado e capaz de indignar-se, um admirável mundo novo se descortina pelas redes sociais.
É claro que tudo depende da capacidade de indignação e da busca de cada um para escolher uma causa e causar.
Não há aqui a mínima intenção de julgar aqueles que curtem as fotos de gatos, piadas ou retratam a própria comida.
Afinal somo livres para nos autodeterminar.
Alias esta mania de registrar a própria comida está “bombando” e mais uma vez nos deparamos com antigos comportamentos.

Muitos e muitos anos antes da onda do Instagram , pintores como Matisse já pintavam seu próprio alimento.

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