Por Patrícia Benvenuti
Comuns no mercado,
Bonificações por Volume direcionam anunciantes aos maiores grupos de mídia;
especialistas criticam prática criada pela Rede Globo.
Mais de 16 milhões de
comerciais por ano e um relacionamento com 6 mil agências. Esse é um resumo do
desempenho da Rede Globo junto ao mercado publicitário brasileiro,
orgulhosamente exibido na página de internet da emissora.
Líder na arrecadação de
verbas publicitárias entre todos os meios de comunicação, a Globo também mostra
sua força em cifrões. Somente em 2012, os canais de TV (abertos e por
assinatura) das Organizações Globo arrecadaram R$ 20,8 bilhões de reais em
anúncios, segundo informe divulgado pela corporação.
Por trás dos números,
porém, se esconde uma prática que os grandes grupos de mídia preferem ocultar:
o pagamento das Bonificações por Volume (BV), apontado por especialistas como
um dos responsáveis pelo monopólio da mídia no país.
Monopólio
Desconhecidas pela
grande maioria da população, as Bonificações por Volume são comissões
repassadas pelos veículos de comunicação às agências de publicidade, que variam
conforme o volume de propaganda negociado entre eles.
A prática existe no Brasil
desde o início da década de 1960. Criada pela Rede Globo, seu objetivo seria
oferecer um “incentivo” para o aperfeiçoamento das agências. Com o tempo,
outros veículos aderiram ao mecanismo, que hoje é utilizado por todos os
conglomerados midiáticos no Brasil.
O pagamento dos bônus,
no entanto, é alvo de críticas de militantes do direito à comunicação, que
argumentam que a prática impede a concorrência entre os meios de comunicação na
busca por anunciantes. Isso porque, quanto mais clientes a agência direcionar a
um mesmo veículo, maior será o seu faturamento em BVs.
Para o professor
aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Venício Artur de Lima, a prática
fortalece os grandes grupos, já que leva anunciantes aos meios que recebem
publicidade. “Exatamente por terem um volume alto de publicidade é que eles
[meios] podem oferecer vantagens de preço”, explica.
O resultado desse
processo, segundo o professor, é a dificuldade de sobrevivência dos veículos de
menor capacidade econômica, que não têm recursos para as bonificações. “Você
compara um blog ou um portal pequeno com um portal da UOL, por exemplo. Não tem
jeito de comparar, são coisas desiguais”, afirma.
Antes restrita às mídias
tradicionais, as bonificações vão ganhando novos nichos. De acordo com agências
de publicidade e com o presidente do Internet Advertising Bureau (IAB), Rafael
Davini, atualmente o Google também utiliza BVs. Segundo informações do mercado,
o Google seria hoje o segundo grupo em publicidade no Brasil, ficando apenas
atrás da Rede Globo.
Líder
em BVs
O exemplo mais forte da
relação entre bônus e concentração, para o jornalista e presidente do Centro de
Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, é o caso da
televisão. “Todos os canais fazem isso, é uma forma de manter a fidelidade da
agência de publicidade com o veículo. Só que, como a Globo é muito poderosa, a
propina é muito maior”, diz.
De acordo com dados do
Projeto Inter-Meios, da publicação Meio & Mensagem, a publicidade destinada
à TV aberta em 2012 foi de R$ 19,51 bilhões. Cerca de dois terços desse valor
ficaram com a Globo.
Segundo o presidente da
Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom) e
editor da Revista Fórum, Renato Rovai, outro procedimento adotado pela emissora
é o repasse antecipado dos bônus. “A Globo estabelece uma bonificação por
volume de publicidade colocada e antecipa o recurso. Aí a empresa fica presa a
cumprir esse objetivo. É assim que fazem o processo de concentração”, ressalta.
Borges critica ainda o
silêncio midiático em torno do assunto. “É um tema-tabu, nenhum veículo fala.
Como todo mundo utiliza, ninguém pode reclamar. Fica todo mundo meio cúmplice”,
dispara.
Regulamentação
Em 2008, as bonificações
foram reconhecidas e regulamentadas pelo Conselho Executivo das Normas Padrão
(CNPE), entidade criada pelo mercado publicitário para zelar as normas da
atividade. O CNPE classifica os bônus como “planos de incentivo” para as
agências.
Dois anos depois, as
bonificações foram reconhecidas também por lei. Elas estão previstas na Lei nº
12.232, que regulamenta as licitações e contratos para a escolha de agências de
publicidade em todas as esferas do poder público. Segundo o texto, “é
facultativa a concessão de planos de incentivo por veículo de divulgação e sua
aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultantes constituem,
para todos os fins de direito, receita própria da agência”.
Para Renato Rovai, a
aprovação do texto agravou o problema. “É uma corrupção legalizada. Nenhum
lobby é legalizado no Brasil, mas o BV é”, critica o presidente da Altercom.
A Lei nº 12.232 também
foi objeto de polêmicas durante o julgamento da ação penal 470, no caso que
ficou conhecido como “mensalão”. Isso porque o texto original da lei permitia
que as agências ficassem com o bônus, mas só para contratos futuros.
Entretanto, uma mudança feita na Comissão de Trabalho em 2008 estendeu a regra
a contratos já finalizados. O fato gerou discordância entre ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF). Ayres Britto chegou a afirmar que as alterações
foram feitas para beneficiar os réus do “mensalão”, acusados de peculato
referente a desvios de Bvs.
Mudanças
Mudar a legislação, na
avaliação do presidente da Altercom, é um passo fundamental para acabar com a
prática das bonificações por volume. No entanto, são necessárias mais medidas para
reverter o quadro atual da mídia no país. “É preciso mudar a regulamentação e
criar um novo marco legal, incluindo as agências”, defende Rovai. Uma das
propostas para isso é o Projeto de Lei de Iniciativa Popular para as
Comunicações. Criado por organizações populares, o PL visa, dentre outros
objetivos, combater o monopólio no setor e garantir mais pluralidade nos
conteúdos.
Em seu artigo 18, o
projeto propõe que “os órgãos reguladores devem monitorar permanentemente a
existência de práticas anticompetitivas ou de abuso de poder de mercado em
todos os serviços de comunicação social eletrônica”, citando “práticas
comerciais das emissoras e programadoras com agências e anunciantes”. Para se
transformar em um projeto de lei, a proposta precisa de um 1,3 milhão de
assinaturas.
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