Por Flávia Camargo de Araújo e Raul Silva Telles do Valle
Uma das razões que
levaram à destruição de quase toda a Mata Atlântica e de grandes porções do
Cerrado e da Floresta Amazônica foi o descompasso histórico entre as políticas
agrícola e ambiental. Enquanto a primeira focou os aspectos econômicos e
técnicos, induzindo ao aumento constante de produção agropecuária sem levar em
consideração os limites ou condicionantes ambientais, a segunda tentava impor,
sem sucesso, alguns limites.
Por isso, o setor
agropecuário é hoje o principal responsável pelas altas taxas de desmatamento
dos biomas brasileiros, ao mesmo tempo em que acumula grande passivo ambiental
nas áreas já consolidadas, onde poucas são as unidades produtivas que mantêm
integralmente conservadas as áreas protegidas pela legislação florestal, desde
pelo menos 1934. No confronto entre a política agrícola e a ambiental, ganhou a
mais estruturada e atrativa economicamente.
Esse foi o pano de fundo
do processo de revogação do Código Florestal, substituído, há um ano, pela Lei
Federal nº 12.651/2012. Ela reduziu as exigências de proteção à vegetação
nativa, sobretudo aos que já a haviam desmatado — legal ou ilegalmente — até
2008. O agricultor familiar que, antes disso, desmatou ilegalmente uma beira de
rio poderá ganhar um certificado de regularidade ambiental protegendo apenas
cinco metros de "mata ciliar". Já seu vizinho, também pequeno
agricultor, por haver respeitado a lei e protegido integralmente a mata ciliar,
só terá o certificado se mantiver uma faixa mínima de 30 metros de floresta na
beira do mesmo rio.
A nova legislação acabou
premiando os que apostaram contra a lei e, por consequência, puniu quem, ao
conservar as áreas por ela protegidas, garantiu à sociedade a oferta de
serviços ambientais (produção de água, controle de pragas, regulação do clima
etc.). Isso significa não só a condenação de áreas ambientalmente importantes
atualmente degradadas, mas, se nada for feito, um estímulo a novas derrubadas
ilegais. Não por acaso, o desmatamento na Amazônia e no Cerrado voltou a subir,
invertendo a tendência dos últimos cinco anos.
Para sair desse caminho
vicioso, é fundamental encontrar meios de compatibilizar a política agrícola e
a florestal, fazendo com que, pela primeira vez, uma reforce a aplicação da
outra. Propostas existem, e já estão na mesa do governo federal.
Uma delas prevê a
inclusão de prêmios, no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), aos pequenos
produtores que produzem em bases sustentáveis. O programa permite ao poder
público comprar diretamente, sem licitação, alimentos produzidos por agricultores
familiares para abastecer creches, asilos e hospitais. O PPA tem 10 anos de
existência e vem adquirindo cada vez mais importância no meio rural. Em 2012,
desembolsou R$ 838 milhões para 185 mil agricultores familiares de todo o país.
Pela proposta, os
agricultores que conservarem devidamente suas áreas protegidas, ou seja, não
tiverem "áreas rurais consolidadas" (eufemismo criado pela nova lei
para denominar pastagens e plantações situadas em áreas que deveriam ser
protegidas) poderão vender seus produtos a um preço até 20% superior ao
recebido pelos demais produtores. Se, mesmo tendo áreas irregularmente
desmatadas no passado, decidirem restaurá-las, receberão um prêmio de 5%
enquanto estiverem no processo.
A proposta já recebeu o
apoio do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), mas,
para ser colocada em prática, precisa do aval dos seis ministérios que compõem
o grupo gestor do PAA.
Se essa e outras
propostas similares forem viabilizadas, teremos um novo cenário para a agricultura
no país e, mais, para a política ambiental brasileira. Hoje, a agricultura
familiar responde por 70% dos empregos no campo, 40% da produção agrícola total
e 60% dos alimentos que abastecem a mesa dos brasileiros, embora ocupe apenas
24,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários.
Se formos capazes de
fazer que as políticas direcionadas a esse importante público sejam coerentes
entre si, ou seja, sinalizem claramente que o respeito ao meio ambiente é um
valor a ser levado em consideração na implementação das políticas de apoio à
produção agropecuária, a agricultura entrará, finalmente, no século 21.
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