Por Bráulio Borges, ESPECIAL PARA A FOLHA
Muitos são aqueles que
vêm argumentando que, nos últimos dois ou três anos, o tripé de política
macroeconômica estabelecido no Brasil em 1999 teria sido ferido letalmente ou
até abandonado.
O câmbio já não é mais
flutuante (ao menos para baixo), o superávit primário foi reduzido e o Banco
Central já não segue estritamente o seu mandato, que é o de manter a inflação
de acordo com as metas (passando a perseguir, alternativamente, metas de
crescimento, de taxa de juros e de taxa de câmbio).
No Brasil, esse caloroso
debate parece estar completamente desconectado das discussões de altíssimo
nível que vêm sendo feitas mundo afora. Um exemplo é o seminário Rethinking
Macroeconomic Policy 2, realizado pelo FMI em Washington há poucas semanas,
contando com a presença de economistas como Olivier Blanchard, Joseph Stiglitz
e Michael Woodford, dentre outros.
O debate lá fora tem
convergido em direção à necessidade de aprimorar o arcabouço de política
macroeconômica adotado em boa parte dos países antes da crise.
Ele era consubstanciado
no binômio "uma meta (inflação), um instrumento (taxa básica de
juros)", utilizado sob a crença de que manter a inflação baixa e estável
era condição necessária e suficiente para alcançar a estabilidade
macroeconômica no seu sentido mais amplo.
A crise de 2008/09 jogou
um balde de água fria nessa crença. Há cada vez mais consenso de que os Bancos
Centrais não devem perseguir apenas uma meta (inflação), mas também se
preocupar explicitamente com a atividade econômica e com a estabilidade financeira.
Para isso, lançariam mão
de outros instrumentos além da taxa básica de juros, como medidas
macroprudenciais e relaxamentos quantitativos/compras de ativos.
Isso não quer dizer que
o sistema de metas de inflação deve ser abandonado. Mas é preciso levar em
consideração outras metas, associadas a variáveis que afetam a inflação de bens
e serviços e também a estabilidade financeira (como, por exemplo, os preços de
ativos reais e financeiros) -sem, contudo, deixar de zelar pela transparência e
accountability típicos do sistema de metas.
No caso da política
cambial, dada a elevada volatilidade dos fluxos de capitais e o potencial
desestabilizador que correções bruscas na taxa de câmbio podem gerar sobre a
economia, o novo consenso tem apontado que os BCs não podem mais considerar a
taxa de câmbio apenas como um mero canal de transmissão da política monetária
para a inflação.
A recomendação é adotar,
seletivamente, alguns tipos de controles de capitais e evitar desvios muitos
sistemáticos do preço desse ativo em relação aos seus fundamentos de médio e
longo prazo.
Na seara fiscal, o
debate vem reforçando a necessidade de manter as relações entre a dívida e o
PIB bem distantes do limiar crítico de 90% do PIB. Endividamentos próximos ou
abaixo de 40% parecem ser seguros, ao manter um bom espaço para acomodar
eventuais momentos de recessão mais severa e prolongada.
Ou seja, mais importante
do que o tamanho do superavit primário e/ou do deficit nominal é o nível e a
trajetória do endividamento.
Apesar de todo esse
debate lá fora -que já vem moldando as políticas econômicas em vários países,
inclusive no Brasil-, ainda há muitos que insistem em pensar com a mesma cabeça
de cinco ou dez anos atrás.
Como disse John Maynard
Keynes, criador da macroeconomia (hoje reencarnado em Paul Krugman): "A
verdadeira dificuldade não está em aceitar novas ideias, mas escapar das
antigas".
Muitos defensores das
ideias antigas, como o próprio Blanchard e John Williamson (tido como um dos
pais do chamado "Consenso de Washington" -conjunto de recomendações
bastante liberais que moldou boa parte das políticas macroeconômicas até a
eclosão da crise), vêm mudando suas cabeças, ao menos parcialmente.
No Brasil, falta
perceber que o momento atual é bem diferente da época em que se achava que
vivíamos na "grande moderação", quando se avaliava que políticas
relativamente simples (e muito elegantes, conceitualmente) eram suficientes
para resolver boa parte dos problemas macroeconômicos. Infelizmente, a
realidade é muito mais complexa e feia do que muitos gostariam.
Comentários
Postar um comentário