Por José Luís Fiori
Promovido por México,
Chile, Peru e Colômbia, o “cisma do Pacífico” tem mais importância ideológica
do que econômica dentro da América do Sul, e seria quase insignificante
politicamente se não fosse por se tratar de uma pequena fatia do projeto Obama
de criação de uma área de reafirmação do poder norte-americano no Pacífico.
“O Brasil era naturalmente líder, hoje a coisa
é muito complicada. O continente se dividiu, há o “Arco do Pacífico”… Então de
alguma maneira perdemos nossa relevância política no continente que era
inconteste. Nunca chegamos a pensar uma negociação a funda com os EUA, sempre
tivemos medo”. F.H. Cardoso, Valor Econômico, 30 de novembro de 2012
Na história do
desenvolvimento sul-americano – depois da II Guerra Mundial –, o projeto de
integração do continente nunca foi uma política de Estado, indo e vindo através
do tempo, como se fosse uma utopia “sazonal”, que se fortalece ou enfraquece
dependendo das flutuações da economia mundial e das mudanças de governo dentro
da própria América do Sul. Durante a primeira década do século XX, os novos
governos de esquerda do continente, somados ao crescimento generalizado da
economia mundial – entre 2001 e 2008 – reavivaram e fortaleceram o projeto
integracionista, em particular o Mercosul, liderado pelo Brasil e pela
Argentina.
Depois da crise de 2008,
entretanto, esse cenário mudou: a América do Sul recuperou-se rapidamente,
puxada pelo crescimento chinês, mas este sucesso de curto prazo trouxe de volta
e vem aprofundando algumas características seculares da economia sul-americana,
que sempre obstaculizaram e dificultaram o projeto de integração, como seja, o
fato de ser uma somatória de economias primário-exportadoras paralelas, e
orientadas pelos mercados externos.
Esta situação de
desaceleração ou impasse do “projeto brasileiro” de integração sul-americana
explica, em parte, o entusiasmo da grande imprensa econômica internacional e o
sucesso entre os ideólogos liberais latino-americanos da nova “Aliança do
Pacífico”, bloco comercial competidor do Mercosul inaugurado pela “Declaração
de Lima”, de abril de 2011, e sacramentado pelo “Acordo Marco de Antofagasta”,
assinado em junho de 2102 por Peru, Chile, Colômbia e México. Quatro países com
economias exportadoras de petróleo ou minérios, e adeptos do livre-comércio e
das políticas econômicas ortodoxas. O entusiasmo ideológico ou geopolítico,
entretanto, encobre – às vezes – alguns fatos e dados elementares.
O primeiro é que os
quatro membros da “nova aliança” já tinham assinado acordos prévios de
livre-comércio com os EUA e com um grande numero de países asiáticos. O
segundo, e mais importante, é que o México pertence geograficamente à América
do Norte, e desde sua incorporação ao Nafta, em 1994, se transformou num pedaço
inseparável da economia americana e também no território ocupado pela guerra
entre os grandes cartéis da droga que fornecem a cocaína da sociedade
norte-americana, vinda, em boa parte, exatamente do Peru e da Colômbia. Em
terceiro lugar, os três países sul-americanos que fazem parte do novo bloco têm
territórios isolados por montanhas e florestas tropicais, e são pequenas ou
médias economias costeiras e de exportação, com escassíssimo relacionamento
comercial entre si, ou com o México.
O Chile é o único destes
três países que possui um clima temperado e terras produtivas, mas é um dos
países mais isolados do mundo, e é quase irrelevante para a economia
sul-americana. A soma do produto interno bruto dos três é de cerca de U$ 800
bilhões, menos de 1/3 do produto interno bruto brasileiro, e menos de ¼ do
produto interno do Mercosul. Além disto, o crescimento econômico recente do
Chile, Peru e Colômbia foi quase igual ao do Equador e Bolívia, que também são
andinos, não pertencem ao novo bloco, se opõem às politicas e reformas
neoliberais, e devem ingressar brevemente no Mercosul, como já passou com a
Venezuela.
Concluindo, se pode
dizer com toda certeza que este “cisma do Pacífico” tem mais importância
ideológica do que econômica dentro da América do Sul, e seria quase
insignificante politicamente se não fosse pelo fato de se tratar de uma pequena
fatia do projeto Obama de criação da “Trans-Pacific Economic Partnership”
(TPP), peça central da sua política de reafirmação do poder econômico e militar
norte-americano, na região do Pacífico. Desde 2010, o presidente Barack Obama
vem insistindo na tecla de que os EUA são uma “nação do Pacífico” que se propõe
exercer um papel central e de longo prazo no controle geopolítico e econômico
dos dois lados do Pacífico, no Oceano Índico, e no sul da Ásia.
Neste sentido, é preciso
ter claro que a inclusão do Brasil neste novo “arco do Pacífico” implica numa
opção pela condição de “periferia de luxo” do sistema econômico mundial, e
também significa, em última instância, apoiar e participar da estratégia
norte-americana de poder global, e ao mesmo tempo, de uma disputa regional,
entre os EUA, o Japão e a China, pela hegemonia do leste asiático e do Pacífico
Sul. Segundo o Foreign
Affairs, “if the negociations be fruit the TPP will add billions to the U.S.
economy and solidify Washington´s political, financial, and military commitment
to the Pacific for decades to come.” (july/august 2012; p. 22)
José Luís Fiori integra
o grupo de pesquisa CNPq/UFRJ Poder Global
(*) José Luis Fiori é
professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ e coordenador do
Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ “O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”.
(www.poderglobal.net)
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