Por Elton Alisson
Agência FAPESP – A
empresa Tece, fundada por uma bióloga que fez mestrado em Educação e atualmente
realiza doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolveu uma
nova versão de um instrumento de escrita manual para deficientes visuais –
chamado reglete positiva – que diminui em 60% o tempo de aprendizado do sistema
de escrita e leitura braille.
Apoiada pelo Programa
Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, a empresa já iniciou
a comercialização do produto no Brasil e tem planos de exportá-lo.
“Ao todo, o processo de
desenvolvimento do produto e de testes em instituições que atendem pessoas com
deficiência visual levou seis anos”, disse Aline Picolli Otalara, fundadora da
empresa, à Agência FAPESP.
De acordo com a
pesquisadora, a reglete convencional existe desde 1837, quando o francês Louis
Braille (1809-1852) apresentou a primeira versão do instrumento, composto por
duas placas de metal ou plástico, do tamanho de pequenas réguas escolares,
fixas uma na outra por meio de uma dobradiça na lateral esquerda e com um
espaço entre elas para permitir a introdução de uma folha de papel.
A placa superior possui
diversos retângulos vazados, correspondentes aos espaços de escrita em braille
(denominadas celas braille). Já a placa inferior tem celas braille com seis
pontos côncavos (em baixo relevo) em cada uma delas.
Ao introduzir um
instrumento (chamado punção) com uma ponta côncava dentro de cada retângulo
vazado da placa superior da reglete, pressiona-se a folha de papel entre as
duas placas contra os pontos côncavos dispostos na placa inferior para formar o
símbolo braille correspondente às letras, números ou qualquer outro caractere
que se deseja escrever. Com a folha virada do lado contrário ao que foi
inserida na reglete, os deficientes visuais conseguem identificar, por meio da
leitura tátil, os pontos em relevo formados pela pressão exercida pela punção
na folha de papel.
Um dos problemas
apresentados por esse dispositivo convencional, no entanto, é que, em razão de
os pontos serem escritos em baixo relevo e a leitura ser realizada em alto
relevo, a escrita é iniciada do lado direito e os caracteres são escritos
espelhados de modo que, quando a folha é virada para a leitura (realizada da
esquerda para direita), os caracteres estejam do lado correto.
Além disso, no Sistema
Braille diversas letras são o reflexo invertido de outras. “Isso gera um
esforço maior de quem está aprendendo o sistema braille, porque ele tem de
aprender um alfabeto para ler e outro para escrever”, afirmou Otalara.
A fim de solucionar o
problema, em 2007, por meio de um projeto apoiado pelo PIPE, a empresa fundada
pela pesquisadora desenvolveu uma reglete esteticamente similar ao instrumento
convencional, que possibilita escrever os pontos já em alto relevo.
Para isso, ao contrário
da reglete convencional, a placa inferior do instrumento possui os seis pontos
em cada cela braille na forma convexa (em alto relevo). Para marcá-los, a Tece
desenvolveu um instrumento de punção similar a uma caneta sem ponta e com
concavidade fechada que, ao ser pressionado sobre a folha de papel entre as
duas placas da reglete, forma os pontos já em alto relevo.
Dessa forma, o usuário
pode começar a escrever da esquerda para a direita, porque não é necessário
virar a folha para ler o que foi escrito. Além disso, precisa aprender um único
alfabeto tanto para ler como para escrever em braille.
“Nós desenvolvemos ao
longo do projeto diversos protótipos do produto para avaliar alguns problemas
técnicos causados por essa inversão na escrita braille”, disse Otalara.
Desafios
Um desses problemas
técnicos, segundo a pesquisadora, é que os seis pontos em cada cela braille são
muito próximos uns dos outros. Ao marcar um ponto convexo com a punção com a
cavidade fechada para fazer um símbolo braille já em alto relevo, se formava um
ponto “fantasma” que gerava dificuldade de leitura pelos deficientes visuais.
Na primeira fase do
projeto, os pesquisadores da empresa criaram diversos protótipos, com
diferentes distâncias entre os pontos, e realizaram uma série de testes de
leitura dos textos escritos com o novo instrumento.
“O surgimento desses
‘pontos fantasmas’ foi o fator que tinha impedido, até então, o desenvolvimento
desse material”, disse Otalara. “Todas as tentativas anteriores de desenvolver
uma reglete que já escreve em alto relevo fracassaram porque não conseguiram
superar essa etapa”, afirmou.
Curso na Unesp
Por meio de outro
projeto, também com apoio do PIPE, a empresa realizou um curso de Sistema
Braille para avaliar o tempo de aprendizado dos participantes por meio da
reglete que desenvolveram.
O curso foi realizado
com alunos do curso de licenciatura em pedagogia da Unesp de Rio Claro porque,
de acordo com Otalara, era difícil encontrar alunos com deficiência visual que
ainda não tivessem tido contato com a reglete comum. Por outro lado, os
estudantes de pedagogia representam o maior público usuário desse tipo de
material.
“Há um número muito
maior de professores aprendendo Sistema Braille do que, de fato, deficientes
cegos”, estima a pesquisadora.
Os pesquisadores
constataram que, com a reglete que desenvolveram, foi possível reduzir em 60% o
tempo de aprendizado do Sistema Braille pelos futuros educadores. Com isso, de
acordo com Otalara, é possível diminuir o investimento em formação de
professores, facilitar o aprendizado e aumentar o interesse do público, em
geral, em aprender o Sistema Braille.
“Há uma impressão muito
negativa sobre o Sistema Braille. As pessoas já imaginam que é difícil aprender
e, quando viam que tinham de aprender a escrever ao contrário, o estigma,
principalmente por parte de professores e crianças, aumentava ainda mais”,
disse Otalara.
O produto foi batizado
pela empresa de “reglete positiva”, porque, no ensino de braille, os pontos em
baixo relevo, que não aparecem no momento da escrita, são chamados pontos
negativos. Já os pontos em alto relevo – legíveis e sensíveis ao toque com a
folha virada do lado contrário ao que os pontos foram marcados pela punção
escrita – são chamados de pontos positivos.
Máquina de escrever em braille
Alguns dos resultados do
projeto da reglete positiva serão utilizados pela empresa para desenvolver,
também com apoio do PIPE, uma máquina de escrever em braille.
Muito utilizado por
pessoas com deficiência visual tanto em sala de aula como no mercado de
trabalho, o equipamento é relativamente caro – custa em torno de R$ 2 mil –,
ainda não há nenhum fabricado no Brasil e sofreu poucas variações desde que foi
criado.
A empresa brasileira
pretende desenvolver uma versão nacional do produto, torná-lo mais viável
economicamente e melhorar alguns aspectos técnicos, como peso e design, para
diminuir o esforço do usuário para manuseá-lo e transportá-lo.
Para desenvolver o
protótipo, a empresa fez uma parceria com o Centro de Tecnologia da Informação
(CTI) Renato Archer, de Campinas, que possui um centro de prototipagem e um
laboratório de tecnologia assistiva.
As seis teclas
correspondentes aos pontos braille e o material impresso pelo equipamento
seguirão o padrão da reglete positiva desenvolvida pela empresa.
Apesar de ser um pouco
maior do que o utilizado na escrita em braille em baixo relevo (negativa), o
novo padrão facilita a leitura tátil.
“Como os pontos são um
pouco mais ‘gordinhos’, eles são mais parecidos com o braille impresso em
livros”, comparou Otalara. “Por isso, são mais fáceis de serem lidos por meio
da leitura tátil”, afirmou.
O desenvolvimento da
reglete positiva resultou em um pedido de patente, que está em processo de
avaliação. O produto é vendido no site da empresa – que possui recursos de
navegação para pessoas com deficiência visual – e em lojas especializadas.
Comentários
Postar um comentário