Pular para o conteúdo principal

Movimento lança processo de construção da Carta Mundial

Por Bia Barbosa
Reproduzido do Observatório do Direito à Comunicação, 20/5/2013; título original “Movimento lança processo de construção da Carta Mundial de Mídia Livre”
Foi lançado, em âmbito internacional, o processo de construção da Carta Mundial de Mídia Livre. A iniciativa, aprovada durante a terceira edição do Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML) – realizado na Tunísia em março, como parte das atividades do Fórum Social Mundial 2013 –, pretende reunir os mais diferentes atores do setor em torno de princípios e direitos fundamentais para o exercício da comunicação livre nos diferentes países. O objetivo é construir um documento referencial para o conjunto dos veículos e ativistas deste campo, que permita avaliar, ao longo do tempo e em comparação à realidade de outras nações, o cenário dos meios de comunicação. A Carta será assim uma plataforma estratégica para a atuação conjunta dos movimentos e organizações que lutam pela democratização da mídia em todo o mundo.
“Desde de 2009, quando aconteceu o primeiro Fórum Mundial de Mídia Livre, em Belém, o movimento de comunicação cresceu internacionalmente. A construção desta Carta será um momento de reunir e articular o conjunto dos atores e militantes da mídia livre nos mais diferentes países e debater os desafios para garantir a liberdade de expressão”, avalia Marion Bachelet, do E-joussour, portal da sociedade civil do Maghreb-Machrek (norte da África e Oriente Médio). Para Mohamed Leghtas, também do E-joussour, a Carta deve ser um instrumento de mobilização do movimento, e o Fórum Mundial de Mídia Livre pode passar a ser o espaço de reunião daqueles que aderirem a esta Carta.
O desafio não é pequeno. A própria definição de “mídia livre” engloba uma enorme multiplicidade de meios, de rádios e TVs comunitárias e associativas a blogs, sites e jornais alternativos, podendo passar inclusive pela mídia pública. A mídia livre inclui ainda os jornalistas, comunicadores, educomunicadores, blogueiros, produtores de vídeo e desenvolvedores de tecnologias livres comprometidos com a construção de alternativas aos modelos de comunicação monopolizados ou controlados pelo poder econômico.
“O que todos tem em comum é o trabalho pela transformação e pela justiça social”, explica a senegalesa Diana Senghor, do Instituto Panos da África Ocidental. “Mas como há um grande número de iniciativas que não se conhecem, a Carta Mundial da Mídia Livre pode ser um instrumento para articular geograficamente diferentes tipos de mídia em diferentes estratégias de ação”, acredita.
Por fim, o documento também pode contribuir para que os movimentos sociais e populares que participam do processo do Fórum Social Mundial compreendam que a luta por uma mídia livre também é um desafio central na luta por outra globalização, não apenas como um instrumento de comunicação mas como um direito em si.
Toró de princípios
Para dar um pontapé na construção da Carta Mundial de Mídia Livre, o III FMML promoveu uma atividade em Tunes, na qual os participantes levantaram as primeiras ideias dos princípios fundamentais e direitos a reivindicar que devem constar do documento. Um deles é o reconhecimento da comunicação como um direito e da informação plural como base para a formação de sociedades efetivamente democráticas e de uma opinião pública crítica e independente. Neste sentido, outro direito a se reivindicar na Carta é a afirmação dos movimentos sociais como produtores de informação essenciais para ampliar diversidade das mensagens que circulam no seio da sociedade civil.
A importância de uma regulação democrática para coibir a concentração da propriedade dos meios e do desenvolvimento de políticas públicas de comunicação com participação popular também foi lembrada no debate. Assim como o aspecto estratégico do acesso universal às novas tecnologias de comunicação e informação como a internet, que, num cenário de convergência tecnológica, deve permanecer livre de interesses exclusivamente econômicos. Da mesma forma, reafirmaram a necessidade de construção de um modelo econômico para a mídia livre independente das forças do mercado, que não seja dominado pela ditadura da audiência e da publicidade.
Diante da ameaça de autoridades políticas e econômicas e da repressão por parte de governos autoritários, os participantes do FMML destacaram ainda a necessidade de garantia de proteção aos jornalistas, blogueiros e comunicadores populares no exercício de suas atividades. E reforçaram a importância da educação para a mídia e da descolonização da produção do conhecimento.
“Será um documento amplo e ao mesmo tempo objetivo, no qual trabalharemos ao longo deste ano e que será validado na próxima edição do Fórum Mundial de Mídia Livre, em 2014”, conta Danielle Moreau, presidente da ONG francesa Ritimo. Para elaborar a primeira versão da Carta, será formado um grupo de trabalho internacional, que contará com a participação das organizações brasileiras Intervozes e Ciranda. Em agosto, a primeira versão do documento será colocada, em cinco idiomas, em consulta pública na internet, para receber contribuições de adendos, modificações e exclusões no texto.
No final do ano, uma nova versão será disponibilizada para coleta de adesões iniciais, visando seu lançamento no primeiro semestre de 2014. A próxima edição do FMML deve, além de lançar a Carta, discutir estratégias para a apropriação do documento pelos movimentos sociais e atores da mídia livre e sua utilização em prol da defesa do direito à comunicação nos diferentes países, junto à sociedade civil e aos órgãos governamentais e multilaterais, como a relatoria especial das Nações Unidas para a liberdade de expressão.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O mundo como fábula, como perversidade e como possibilidade: Introdução geral do livro "Por uma outra globalização" de Milton Santos

Por Milton Santos Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação? De um lado, é abusivamente mencionado o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mun­do físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente percebido. Explicações mecanicistas são, todavia, insuficientes. É a maneira como, sobre essa base material, se produz a história humana que é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada. Quando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de um mundo veraz, o que é imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, q...

Preços de combustíveis: apenas uma pequena peça da destruição setorial

Por José Sérgio Gabrielli Será que o presidente Bolsonaro resolveu dar uma reviravolta na sua política privatista e voltada para o mercado, intervindo na direção da Petrobras, demitindo seu presidente, muito ligado ao Ministro Guedes e defensor de uma política de mercado para privatização acelerada e preços internacionais instantâneos na companhia? Ninguém sabe, mas que a demissão do Castello Branco não é uma coisa trivial, com certeza não é. A ação de Bolsonaro, na prática, questiona alguns princípios fundamentais da ideologia ultraneoliberal que vinha seguindo, como o respeito à governança das empresas com ações negociadas nas bolsas, a primazia do privado sobre o estatal e o abandono de intervenções governamentais em assuntos diretamente produtivos. Tirar o presidente da Petrobras, por discordar da política de preços, ameaça o programa de privatizações, pois afasta potenciais compradores de refinarias e tem um enorme efeito sobre o comportamento especulativo com as ações da Petrob...

Brasil perde um dos seus mais importantes cientistas sociais

Por Ricardo Cavalcanti-Schiel Faleceu por volta das 21:30 do dia 26 de março de 213, vítima de um acidente de trânsito no Km 92 da Rodovia Bandeirantes, o diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Prof. Dr. John Manuel Monteiro, quando regressava da universidade para sua residência em São Paulo. Historiador e antropólogo, John Monteiro foi um pioneiro na construção do campo temático da história indígena no Brasil, não apenas produzindo uma obra analítica densa e relevante, como também criando e estimulando a abertura de espaços institucionais e de interlocução acadêmica sobre o tema. Não seria exagerado dizer que foi em larga medida por conta do seu esforço dedicado que esse campo de estudos foi um dos que mais cresceu no âmbitos das ciências humanas no país desde a publicação do seu já clássico “Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo” (1994) até o momento. Tendo tido toda sua formação acadêmica nos Estados Unidos (graduado pelo Col...