Por IHU On-Line
Em entrevista, o
engenheiro Paulo Metri explica as implicações da lei n. 9478/1997, que rege os
leilões de petróleo no país, e defende a criação de uma nova legislação,
semelhante à lei n. 12351, que assegura a criação de um fundo social a partir
dos recursos obtidos com a exploração da camada do pré-sal.
A 11ª Rodada de
Licitações de Blocos para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural, que
será realizada nos dias 14 e 15 de maio deste ano, no Rio de Janeiro, para
leiloar 289 blocos para a exploração de petróleo, “trará um prejuízo para o
país da ordem de um trilhão de dólares”, diz Paulo Metri à IHU On-Line. Na
entrevista a seguir, concedida por telefone, o engenheiro explica as
implicações da lei n. 9478/1997, que rege os leilões de petróleo no país, e
defende a criação de uma nova legislação, semelhante à lei n. 12351, que
assegura a criação de um fundo social a partir dos recursos obtidos com a
exploração da camada do pré-sal.
Crítico da atuação das
petrolíferas estrangeiras no Brasil, Metri diz que o setor “tem de ser visto
como um dinamizador da economia”. No entanto, assegura que, desde 1997, “várias
empresas estrangeiras já ganharam blocos no Brasil, descobriram e estão
produzindo petróleo, e nenhuma delas contratou uma simples plataforma no país.
(...) Elas têm um bloco no mar, trazem suas plataformas do exterior, o petróleo
sai do fundo do mar e já vai para um navio que nem passa pelo território
nacional, e as empresas tampouco pagam imposto pela exportação do petróleo por
causa da Lei Kandir. Quer dizer, as empresas só pagam os royalties, que é uma
parcela mínima, de 10%, comparado com a lucratividade do setor, que deve ser
algo em torno de 45%”.
Paulo Metri é graduado
em Engenharia Mecânica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
– PUC-Rio e é conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como funcionam os leilões de petróleo no Brasil de acordo
com a lei 9478/1997? Quais são os pontos polêmicos desta lei?
Paulo Metri – No final
da década de 1940 houve um grande embate no país em torno da questão do
petróleo, ou seja, discutia-se se as multinacionais deveriam entrar no Brasil,
ou se o país deveria reservar seu petróleo – à época não era possível saber se
haveria grandes reservas de petróleo. Com a campanha “O petróleo é nosso”,
feito à época, houve uma pressão popular e o Congresso aprovou a n. 2004, de
1953, e Getúlio Vargas a sancionou, criando, nos anos 1950, a Petrobras,
empresa que deveria exercer o monopólio do petróleo em nome da União. A
Petrobras foi uma experiência de grande sucesso: o Brasil construiu 16
refinarias, mais de 20 mil quilômetros de gasoduto, descobriu o petróleo e,
mais recentemente, as reservas de pré-sal. Com esse petróleo que virá da camada
do pré-sal para a Petrobras, o país terá folgadamente condições de
abastecimento por 40 anos. Sem o pré-sal, seria possível abastecer o país por
mais 17 anos.
Embora a exploração de
petróleo pela Petrobras tenha sido um sucesso, as multinacionais, que
obviamente entraram no país, porque sabiam da perspectiva de grandes
descobertas de reservas, pressionaram o governo Fernando Henrique Cardoso, que
acabou com o monopólio estatal do petróleo, e criou a lei 9478/1997, abrindo o
mercado para a exploração estrangeira.
Contratos
A exploração de petróleo
é feita a partir de três tipos de contratos entre empresas e Estados nacionais.
O primeiro modelo é o das concessões, em que as empresas têm o máximo de
benefícios, e os países têm poucos benefícios. De acordo com os contratos de
concessão, o petróleo é transferido 100% para a empresa, que pode fazer dele o
que quiser, desde exportá-lo, não abastecer o país etc. O segundo modelo é um
contrato de partilha, em que o petróleo já é, em parte, do Estado nacional e,
em parte, da empresa privada, com percentuais combináveis na hora de assinar o
contrato. Esse modelo garante mais benefícios para o país à medida que ele fica
com o petróleo, com o lucro, e com o poder geopolítico que a exploração
acarreta. O Estado nacional, tendo o petróleo, pode fazer acordos com outras nações,
de acordo com os interesses nacionais, como a Rússia fez com a Alemanha,
garantindo o fornecimento de gás para os alemães em troca do investimento em
alta tecnologia. O terceiro contrato é o da estação de serviços. Nesse caso, o
Estado é proprietário do petróleo e contrata empresas para fazer a perfuração,
a implantação do campo, a produção do petróleo, ou seja, as empresas não tocam
no petróleo e nem recebem o lucro que ele acarreta.
Contrato brasileiro
O governo Fernando
Henrique Cardoso escolheu o pior dos contratos: o de concessão. A lei n.
9478/1997 estabelece concessões de blocos para explorar e produzir petróleo.
Quando foram descobertas as reservas de pré-sal, já no governo Lula,
reconheceu-se que esta lei era ruim para a sociedade brasileira, e foi criada
então a lei n. 12351, que estabelece os critérios para a exploração da área do
pré-sal, a qual tem como base o contrato de partilha, ou seja, traz benefícios
para a sociedade brasileira.
Quais as implicações da 11ª Rodada de Licitações de Blocos para a
Exploração de Petróleo e Gás Natural?
A 11ª Rodada de
Licitações de Blocos para a Exploração de Petróleo e Gás Natural, que vai
conter o leilão de 289 blocos – um número inédito –, é baseada na lei n.
9478/1997. Ou seja, o petróleo ficará para a empresa que ganhar o bloco no
leilão, e ela poderá fazer o que quiser. As empresas estrangeiras já declararam
que não querem construir refinarias no país, nem exportar derivados. Elas
contrariam uma diretriz apontada pelo ex-presidente Lula, que queria que o país
exportasse derivados, não matéria prima.
Além do mais, o setor
tem de ser visto como um dinamizador da economia do país, e essas empresas
estrangeiras não compram nada no Brasil. A lei n. 9478 existe desde 1997;
várias empresas estrangeiras já ganharam blocos no Brasil, descobriram e estão
produzindo petróleo, e nenhuma delas contratou uma simples plataforma no país;
elas compram no exterior. O grande impacto na geração de emprego neste setor é
exatamente na encomenda da plataforma. A quantidade de pessoas que ficam na
plataforma na fase de produção é irrisória comparada com a geração de empregos
nos estaleiros. O impacto no emprego é na fase do estaleiro. E como as empresas
não compram no país, não geram aumento de mão de obra, ou seja, não trazem
benefícios. Elas têm um bloco no mar, trazem suas plataformas do exterior, o
petróleo sai do fundo do mar e já vai para um navio que nem passa pelo
território nacional, e as empresas tampouco pagam imposto pela exportação do
petróleo por causa da Lei Kandir. Quer dizer, as empresas só pagam o royalties,
que é uma parcela mínima, de 10%, comparado com a lucratividade do setor, que
deve ser algo em torno de 45%.
A 11ª Rodada de Licitações de Blocos para a Exploração de Petróleo e
Gás Natural poderia ser realizada com base na mesma legislação que rege a
exploração das reservas de pré-sal?
Não pode porque os 289
blocos em leilão estão fora da área do pré-sal, e a nova legislação só inclui
blocos na área do pré-sal. A única maneira de resolver essa questão é barrar a
11ª Rodada, uma vez que para abastecer o país não é preciso leiloar esses
blocos de petróleo.
Cancelando a 11ª Rodada,
o Brasil precisará pensar uma nova lei para o restante do país, análogas às
leis que valem para o pré-sal, porque aí pode ter Rodadas de Licitações, mas
elas não prejudicarão a sociedade. Na lei do pré-sal existe o fundo social,
para o qual deverá ser migrada boa parte do superlucro das empresas. Além de o
petróleo em si ficar com o Estado nacional, o superlucro das empresas será
enxugado e elas serão obrigadas a repassar a parcela de lucros para o fundo
social, que só poderá ser utilizado em investimentos com saúde, educação,
ciência e tecnologia, habitação.
Quantas empresas se inscreveram para participar do leilão?
São 71 inscritas.
Provavelmente as empresas estrangeiras irão oferecer propostas para os blocos
que estão no mar e em águas profundas, ou seja, onde existe mais petróleo e se
requer mais investimentos. Existem também empresas inscritas em águas rasas e
em terra.
A ANP é um órgão de
governo estrangeiro implantado dentro da estrutura organizacional brasileira.
Ele não age como sendo brasileiro; age com uma ótica de atendimento às
necessidades de outros países e atendendo a empresas estrangeiras. Não passa
por ele nenhum critério de atendimento às necessidades de nossa sociedade. Por
outro lado, a ANP não faria isso sozinha; ela tem o respaldo do governo. Não é
ela quem aprova as Rodadas de Licitações; é o CNPE quem recebe a diretriz para
aprová-las. O CNPE é um órgão inócuo, é um repassador de posições: o Ministério
das Minas e Energias e a Presidência da República ditam o que ele tem de fazer.
Trata-se de um órgão para “inglês ver”, ou para “estrangeiros comandarem”. A
ANP, por sua vez, é dirigida por pessoas que receberam indicações de empresas
estrangeiras.
Quais os limites e possibilidades da exploração de petróleo por
petrolíferas brasileiras? O Brasil tem condições técnicas de avançar no
desenvolvimento de pesquisa, ciência e tecnologia?
A Petrobras vem
crescendo nesses 60 anos de atuação. Ela foi aumentando o nível de profundidade
de 400 metros para 600, 800, 1000, 1500, 2 mil e hoje já está próxima de 3 mil
metros de lâmina d’água. Não há por que desconfiar do seu desempenho. Obviamente
sempre existem dificuldades tecnológicas, porque cada vez que se avança mais em
profundidade, em maiores lâminas d’água, as dificuldades tecnológicas aparecem.
Atualmente, uma dificuldade tecnológica diz respeito à questão da logística. Os
campos de exploração de petróleo estão ficando cada vez mais distantes da
costa. A independência de voo de um helicóptero já não alcança os campos mais
distantes. Então, há a necessidade de se ter uma logística para o suprimento de
materiais e pessoas para esses campos mais longes.
Além da Petrobras, a
Odebrecht e a Queirós Galvão trabalham com exploração de petróleo há algum
tempo. Elas têm alguma competência, mas não chegam aos pés da Petrobras. Eike
Batista também atua no setor, mas ainda não adquiriu muita competência. A
Petrobras é a empresa que mais contribuiu para o desenvolvimento tecnológico em
escala mundial no que se refere à tecnologia do petróleo.
Qual a expectativa para a 11ª Rodada de Licitações de Blocos para a
Exploração de Petróleo e Gás Natural? Há um abaixo-assinado para cancelá-la.
Isso é possível?
Não. Para uma Rodada
dessas ser cancelada, é preciso uma ordem da Agência Nacional de Petróleo, mas
seus dirigentes nunca irão providenciar esse cancelamento. Então, esse
cancelamento teria de ser feito por uma ordem superior, do Ministério de Minas
e Energia, ou da presidente da República. Mas isso não irá acontecer, pois
teria um enfrentamento com as forças estrangeiras. Eu soube que o presidente da
Shell visitou recentemente a presidente Dilma, ou seja, as pressões são muito
fortes.
As pessoas contrárias à
11ª Rodada devem participar da petição eletrônica promovida pela Avaaz, e
mostrar sua indignação através de manifestações nas ruas, no Tribunal de Contas
da União – TCU, no Ministério Público. Enfim, cada cidadão deve fazer o que
está ao seu alcance, mostrando sua indignação com esse roubo.
Essa 11ª Rodada trará um
prejuízo para o país da ordem de 1 trilhão de dólares. É mil vezes maior do que
aconteceu com a Vale. Não consigo imaginar roubo maior na história do Brasil, e
a mídia não diz uma linha sobre o tema.
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