Por Rolf Kuntz
Os brasileiros pagaram
no ano passado R$ 330 bilhões de ICMS (Imposto sobre Circulação e Mercadorias e
Serviços), o principal tributo dos estados e do Distrito Federal. A receita da
União chegou a R$ 1,02 trilhão. Seu maior componente, a arrecadação
previdenciária, alcançou R$ 310,6 bilhões e ficou abaixo, portanto, do ICMS. A
receita do estado de São Paulo, R$ 105 bilhões, superou o valor da maior parte
dos tributos federais tomados isoladamente. A maior parte da imprensa
praticamente ignora, no entanto, quase tudo sobre o ICMS. Dá ao tema alguma atenção,
de vez em quando, quando é inevitável incluir na pauta as brigas entre estados
e alguns projetos de reforma.
Mas há muitos motivos,
além da enorme arrecadação, para cuidar mais do ICMS. Por exemplo: nenhuma
reforma tributária produzirá grande efeito sem mexer amplamente nesse imposto.
Não adianta muito cortar tributos federais sobre o investimento, se o
empresário tiver de pagar 18% na compra de um equipamento. Também faz pouca
diferença o direito a restituição, se o dinheiro for devolvido em 48 meses.
Outra norma importante, sobre o crédito fiscal relativo a certos insumos, nunca
entrou em vigor.
Nem os exportadores
estão livres do ICMS. Os embarques de manufaturados são isentos há muito tempo,
mas o imposto, por mera aberração, continuou incidindo sobre outros bens
enviados ao exterior. Para eliminar essa bobagem (nenhum país moderno exporta
impostos), foi votada nos anos 1990 a Lei Kandir.
Essa lei obrigou o
Tesouro Nacional a compensar os estados por isentarem as exportações de
produtos sem elaboração. O benefício deveria valer só por alguns anos. O
aumento da renda proporcionado pelo aumento dos negócios acabaria,
presumivelmente, compensando o esforço inicial dos Tesouros estaduais. Pela
primeira versão da lei, a compensação estaria extinta há muitos anos. Mas
continua em vigor, graças à mobilização de governadores e bancadas estaduais no
Congresso. Segundo esses políticos, as perdas ocorrem todos os anos e
provavelmente só terminarão no Juízo Final. Nenhum ministro da Fazenda ou
presidente da República se dispôs a brigar para restabelecer a regra inicial.
Projeto ambicioso
Quem dá alguma atenção
ao ICMS conhece várias outras barbaridades. Por exemplo: os governos estaduais
são péssimos pagadores de créditos fiscais. Muitos bilhões foram acumulados sem
pagamento e os jornais pouco se ocuparam do assunto. Outro mimo: esse é o
tributo mais pesado sobre a energia elétrica. Chega a 33%, embora a alíquota
nominal seja 25%.
Isso é uma consequência
do chamado cálculo por dentro. A conta é feita como se a base de cálculo
correspondesse a 75% do preço final. Mas esse procedimento sempre foi usado,
desde a entrada em vigor do velho ICM, em 1967. A novidade, a partir da
Constituição de 1988, quando o “S” foi acrescentado à sigla, foi a incidência
sobre alguns serviços.
A reforma do imposto
estadual, implantada em 1967, trouxe alguns avanços, mas foi marcada por um
erro fundamental. O imposto sobre o valor agregado é originalmente cobrado pelo
governo central. É assim na Europa. A distribuição às regiões é uma segunda
etapa. Na cópia brasileira, o tributo virou estadual. Isso abriu espaço para a
bagunça de hoje, com 26 legislações de estados e uma do Distrito Federal. Abriu
caminho também para a guerra fiscal, com estados oferecendo isenções para
atrair empresas.
O Conselho Nacional de
Política Fazendária, formado por todos os secretários de Fazenda e um
representante federal, deveria, em princípio, zelar pela disciplina. Incentivos
só seriam aplicáveis se fossem aprovados por unanimidade, mas sistema em pouco
tempo falhou. Nos anos 1980 a guerra fiscal era aberta. Trouxe algum benefício
a alguns estados, mas, de modo geral, distorceu as decisões de investimento. A
guerra dos portos, mais recente, é apenas uma versão especial do velho
conflito. Recursos ao Supremo Tribunal Federal produziram pouco efeito. Os
governos poderiam substituir os incentivos proibidos por outros com
características um pouco diferente.
Recentemente o governo
federal e alguns parlamentares se mexeram para promover reformas destinadas,
pelo menos na fachada, a introduzir alguma disciplina. O primeiro passo foi
unificar em 4%, por meio de Resolução do Senado, a alíquota cobrada nas operações
interestaduais com produtos importados. Isso reduziu a bagunça. Em seguida
viria um projeto mais ambicioso, de regulação das alíquotas interestaduais. Aí
a cobertura começou a ratear e ficou difícil, mesmo para o leitor razoavelmente
informado, acompanhar os fatos.
Descrição viva
Ao mesmo tempo, entraram
em discussão regras para eliminação (ou manutençãopor longo tempo) de
incentivos já concedidos. Além disso, apareceu uma proposta de alteração do
critério de votação do Confaz: decisões passariam a depender de três quintos
dos votos. As matérias nem sempre deixam claro se há um projeto em tramitação
ou mais de um, em Casas diferentes do Congresso. Além disso, muito raramente
algum redator se obriga a explicar por que tais e tais dispositivos interessam
a estes ou àqueles estados. A maior parte do material é publicada como se todos
os leitores soubessem muito bem como funciona a cobrança do imposto nas
operações interestaduais e por que algumas bancadas tanto se empenham em manter
alíquotas diferenciadas. Os próprios editores de Economia, responsáveis pela
publicação desse material, seriam capazes de escrever, de improviso, um bom
texto explicativo de todos esses detalhes?
Detalhes da política
tributária podem ser muito chatos, principalmente quando tratados em
reportagens burocráticas. Mas podem render matérias muito interessantes, se
apresentados com as explicações necessárias e com uma descrição bem viva dos
conflitos e das consequências de cada decisão. Mas é preciso reconhecer: tudo
isso é trabalhoso e, para começar, implica um razoável conhecimento do assunto.
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