Por Mônica Ribeiro e Ribeiro
O ex-militar Valdemar
Martins de Oliveira afirmou nesta quinta-feira (16), durante audiência pública
da Comissão da Verdade de São Paulo, que militares envolvidos no ataque a bomba
do Riocentro, em 1981, são os mesmos que torturam, anos antes, um casal paulista.
Um deles foi autor do tiro de execução que causou a morte dos presos. As
vítimas são Catarina Abi-Eçab e João Antônio dos Santos Abi-Eçab, mortos em
1968 em São João de Meriti (RJ).
Oliveira também declarou
ter sido injustamente acusado de desertor pela Justiça Militar por ter se
recusado a participar de torturas durante a ditadura militar (1964-1985).
As vítimas eram
estudantes de Filosofia da USP (Universidade de São Paulo) e aliadas à ALN
(Ação Libertadora Nacional) e VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). À época,
os dois foram apontados como autores do assassinato do capitão do Exército
norte-americano Charles Rodney Chandler. Segundo Oliveira, o casal foi pego de
bode expiatório. “Futuramente foi descoberto que eles não tinham nada a ver com
isso, mas com a ânsia de dar respostas aos EUA, muita gente pagou com a vida”,
disse o ex-militar.
De acordo com Oliveira,
o casal foi localizado em uma residência de uma rua em Vila Isabel, perto do
Maracanã, por uma equipe encabeçada por um militar identificado apenas como
Miro, pelo sargento Guilherme Pereira do Rosário e pelo capitão Fred Pereira
Perdigão - os dois últimos envolvidos no atentado ao Riocentro, em 1981. O
ataque a bomba, realizado em 30 de abril daquele ano no Rio de Janeiro, foi planejado
por militares terroristas insatisfeitos com a redemocratização do país e
resultou na morte do sargento Rosário, quando uma bomba que eles pretendiam
detonar durante um show musical no Riocentro explodiu acidentalmente dentro do
carro em que ele estava.
Os dois estudantes
teriam sido retirados do local, amordaçados com fita isolante, algemados e
jogados no porta-malas de um carro usado pelos agentes. O veículo, segundo ele,
foi do Rio rumo a São João de Meriti. Antes, eles teriam parado na estrada da Cascatinha,
onde João Antônio teria sido desembarcado para ser espancado. Sua mulher,
Catarina, seguiu viagem rumo a um sítio da cidade do destino final.
“Lá tinha uma pia e um
latão de 200 litros cheio de água. Tinha um cano e fizeram um pau de arara. Deram
choques e bateram bastante na moça. Até que, em dado moment,o ela não respondia
mais", relatou Oliveira. "Quem viu um absurdo desse sabe o que é. A
tiraram de lá e ela estava sem reação. Depois chegou o rapaz, que tinha
apanhado muito e estava sem condições.”
Tendo em vista o estágio
de fragilidade e inconsciência das vítimas, que neste momento foram colocadas
uma ao lado da outra, o capitão Fred Perdigão decidiu matá-los, segundo
Oliveira. “O capitão viu que eles não respondiam mais às agressões e disse
‘eles não servem pra nada’. Depois disso, deu um tiro na cabeça de cada um”.
Chocado com a cena, o
então soldado afirmou ter dito ao agente Miro que não havia sido treinado para
torturar pessoas – ele era locado no 27º Batalhão de Infantaria Paraquedista,
do Rio de Janeiro. Com a declaração, foi insultado, agredido fisicamente e
chamado de “esquerdista” e “comunista”.
“Me mandaram de volta
pro quartel. A partir daquele dia, minha situação tinha ficado difícil por
causa da desconfiança”.
Perseguição
Oliveira relatou que foi
afastado do quartel e encaminhado para o interior de São Paulo, por volta de
1970, para fazer "serviço secreto". A partir daí, sua rotina foi
fazer rondas em passeatas estudantis, infiltrar-se em reuniões de igrejas com padres
progressistas e fotografar “suspeitos de subversão”. Também entregava documentos confidenciais
para militares. Nesse período, diz ele, foi dado como desertor e passou a ser
remunerado por recebidos, e não com holerites.
Cansado dessa situação e
querendo voltar à carreira militar, entrou, segundo relata, em contato com
Miro, que propôs uma reunião na casa da mãe de Oliveira, em São Paulo. Acompanhado da mãe e da irmã, Oliveira ouviu
de Miro que, para voltar ao Exército, teria de fotografar comunistas suspeitos na
capital e ajudar nos espancamentos e torturas de militantes políticos.
“Aí eu disse que não
faria isso e começaram a me agredir. Quebraram meu braço, agrediram a minha mãe
e minha irmã, que sofreu um aborto”, relembra, emocionado. “Quando eu tive alta
saí [do país] porque eles me disseram que as coisas iriam se complicar pra
mim”.
Oliveira disse que foi
morar no Chile, a convite de um amigo.
Lá, segundo ele, exerceu atividades de sobrevivência, sem ligação com o
serviço secreto militar.
Deserção
De volta ao Brasil, ele
afirma que voltou às funções de quartel, mas no interior de São Paulo. Na
década de 1990, depois de 30 anos do primeiro processo de deserção – ele diz
que sofreu cinco - voltou a ser processado pelo mesmo crime, mesmo sem ter sido
excluído de serviço ativo.
Em 1997, entrou com um
habeas corpus na Justiça Militar para ser isento do crime. “Fazia 30 anos que
eu tava fora do Exército. No outro dia, me inseriram no serviço ativo, com 45
anos já, como soldado recruta", conta. "Fui o mais velho do Brasil.
Fiquei aquartelado por dois anos fazendo serviços internos”.
Mesmo com o retorno oficial, desde então
Oliveira diz tentar remover a deserção de seu currículo militar - e sem
sucesso.
Comentários
Postar um comentário