Por Jailton da Costa Ferreira
Para o presidente da
Associação Brasileira de Energia Nuclear, Edson Kuramoto, o fechamento das
usinas na Alemanha, após acidentes em Fukushima, é decisão meramente política
Nem sempre a imagem da
energia nuclear foi tão negativa. Do início do século passado até a Segunda
Guerra Mundial floresceu uma indústria nuclear baseada no rádio-226. O uso mais
importante deste isótopo radioativo e do radônio (produto da desintegração do
rádio-226) foi na medicina, permitindo novas formas de tratamento de tumores
cancerosos. Na época os efeitos biológicos da radiação ionizante não eram bem
conhecidos e substâncias radioativas foram adicionadas a fertilizantes - para
estimular o crescimento das plantas - bem como a tônicos capilares, cremes para
a pele, antissépticos bucais e colírios; estes usos revelam uma boa imagem
associada à radioatividade.
No início de agosto de
1945 o Japão estava sem condições de continuar a guerra. A marinha americana
impedia a entrada de matérias primas indispensáveis e sistematicamente destruía
o que restava da máquina de guerra japonesa. Além disso, suas cidades estavam
sendo incendiadas pelos bombardeiros que massacravam muitos civis inocentes. É
neste contexto que em 6 de agosto explode em Hiroshima uma bomba nuclear; dias
depois outra explode em Nagasaki. A bomba lançada em Hiroshima pesava 4400 kg,
mas seus efeitos térmicos e mecânicos equivaliam à explosão de 16 mil toneladas
de TNT. Este poder explosivo sem precedente não era tudo o que a bomba trazia;
quando explodia ela emitia um intenso pulso de radiação ionizante e produzia
material radioativo que emitia muita radiação. Parte do material radioativo
presente na nuvem de detritos que se formou sobre Hiroshima caiu sobre a cidade
e cercanias.
Os efeitos sobre aqueles
visivelmente afetados pela radiação foram tais que se criou uma palavra para
eles: hibakusha (pessoa afetada pela bomba). Estas pessoas eram evitadas e
sentiam profunda angústia e vergonha. A divulgação dos efeitos das bombas
nucleares mudou a imagem associada à radioatividade. Este foi um caso em que se
utilizou uma arma militarmente desnecessária. O mundo soube que as armas
nucleares existiam e podiam ser usadas sim.
Até agosto de 1949, apenas
os Estados Unidos haviam detonado um artefato nuclear; seu arsenal nuclear
havia crescido lentamente, as bombas não estavam prontas para uso e levava dias
para serem montadas. Isto mudou com o surgimento do arsenal nuclear soviético.
Em 1952 o governo americano cedeu e entregou aos seus militares o arsenal
nuclear e a definição de suas necessidades. O resultado foi que todo o sistema
foi preparado para a guerra nuclear total; a lista de alvos na URSS passou para
2 mil em 1959 e estava em 25 mil em 1968. Algo equivalente se deu na URSS;
quando esta desapareceu em 1989, a soma do número de ogivas nucleares dos
Estados Unidos e URSS passava de 70 mil. A situação complicou com o
aparecimento de mais estados possuidores de armas nucleares.
Além das imagens em
Hiroshima e Nagasaki destruídas, as imagens dos testes nucleares realizados na
superfície causaram forte impacto no modo como a energia nuclear era vista;
principalmente os realizados no atol de Bikini.
Atualmente os Estados
Unidos possuem cerca de 7700 ogivas nucleares, das quais 3000 estão para serem
desmontadas; a Rússia tem nos seus arsenais cerca de 4500 ogivas. O número de
ogivas dos demais estados nucleares, declarados ou não, está entre 970 e 1140
ogivas. Parte das ogivas existentes, aquelas que estão nos mísseis ICBM e SLBM
dos Estados Unidos e Rússia, totalizam um poder explosivo equivalente a 1088
milhões de toneladas de TNT. A probabilidade de a Terra ser atingida por um
cometa com energia de impacto igual a este poder explosivo é estimada em um a
cada 40 mil anos; não se imagina uma probabilidade tão baixa para uma guerra
nuclear. Uma guerra nuclear, acidental ou não, total ou quase, significará o
suicídio de sociedades inteiras. Este é o grande risco que o uso da energia
nuclear hoje acarreta.
Em 1948 os Estados
Unidos iniciaram o desenvolvimento de reatores a água leve para seu programa de
submarinos nucleares. O programa resultou no lançamento ao mar em 1954 do
Nautilus; este submarino possuía um reator tipo PWR. Outra versão de reator a
água leve, o tipo BWR, em princípio mais simples porque permitia que a água
fosse vaporizada no reator, também foi desenvolvida.
A ideia de substituir
nas termelétricas a carvão ou óleo as fornalhas e caldeiras pelo sistema
nuclear de geração de vapor usado no Nautilus (ou da versão BWR) se seguiu
naturalmente. O reator do Nautilus produzia cerca de 30 megawatts (MW) quando
operava a plena potência; já os reatores para as termelétricas necessitavam
produzir potência térmica constante entre 1800 a 3600 MW. Ocorrendo no mar um
acidente em um submarino nuclear que cause sua perda, ele ficará no fundo do
oceano, isolado a centenas ou milhares de metros da superfície; este não é o
caso de uma termelétrica a energia nuclear. A solução adotada para evitar, em
caso de acidente, a perda total de controle do material altamente radioativo
produzido no reator (produtos de fissão e actinídeos) foi encerrar o sistema
nuclear de geração de vapor em um edifício reforçado e hermeticamente fechado. Apenas a existência deste prédio não é
suficiente. Quando um reator de potência que vem operando a plena potência é
desligado, seu material radioativo produz por dias e dias calor suficiente para
fundir o reator se este calor não for removido pelo refrigerante que o resfria.
Por isso foram adicionados no prédio do reator, e em outros prédios da
instalação, tanques de água, bombas, motores, válvulas e mais equipamentos para
impedir a fusão do reator. Outros tipos de reatores foram desenvolvidos além do
PWR e do BWR, mas estes predominaram em número.
Em 1968 metade das
termelétricas encomendadas nos Estados Unidos era a energia nuclear; todavia,
quando ocorreu o acidente de Three Mile Island em 1979 (houve a fusão do núcleo
do reator, perda da instalação, mas o material radioativo foi contido no prédio
do reator) os adiamentos e cancelamentos já havia reduzido substancialmente o
crescimento da indústria nuclear naquele país. A principal razão foi a
constatação que a tecnologia nuclear não estava madura para este uso. À medida que as falhas de projeto e
construção eram identificadas, crescia a incerteza quanto à segurança e
aumentavam os custos para correção das deficiências. Certas soluções de
engenharia adotadas, posteriormente tidas como inadequadas, foram mantidas sob
a alegação que corrigi-las implicava no fim da indústria nuclear; a contenção
do reator de Fukushima I é um exemplo. Apesar do revés, países como o Japão e a
França persistiram na expansão das termelétricas a energia nuclear.
Um problema escamoteado
desde o início da operação de grandes reatores nucleares é o do chamado lixo
radioativo produzido nos reatores. Parte deste lixo é formada pelos actinídeos;
estes são os 15 elementos químicos a partir do actínio, são todos radioativos,
alguns de meia-vida extremamente longa. São tidos como a parte do lixo que
constitui risco para as gerações futuras. Uma solução é destruí-los em reatores
nucleares. Há um processo, denominado pirometalúrgico, que extrai o urânio e
demais actinídeos do combustível gasto e os adiciona ao combustível fresco para
serem queimados em reatores rápidos. Embora conhecido, sua tecnologia não foi
desenvolvida no passado. Retirado do combustível gasto os actinídeos, o lixo
radioativo restante pode, com a tecnologia disponível, ser armazenado em
repositórios. Haja vista a meia-vida relativamente curta destes produtos de
fissão, sua atividade praticamente cessaria depois de alguns séculos no
repositório. Um componente importante desse lixo é o césio-137. Após 668 anos
no repositório a quantidade de césio-137 será 4 bilhões de vezes menor do que a
inicial; este tempo é a idade da catedral de Notre-Dame em Paris desde sua
conclusão.
Quando o reator de
Chernobyl explodiu em 1986, o que se constatou foi o descaso do estado
soviético com a segurança de seus súditos. No Ocidente e no Japão houve certa
complacência diante do acidente: aqui estas coisas não aconteceriam. Então em
2011 acontece a fusão em três reatores em Fukushima com vazamento de grande
quantidade de material radioativo. Não foi o maremoto a causa para que a
magnitude da catástrofe tenha sido o que foi e é, mas o projeto, que expôs ao
mar o sistema de geração de energia elétrica de emergência da central nuclear;
sistema indispensável após o terremoto. Deu-se algo comparável ao que causou o
desastre do ônibus espacial Challenger em 1986, alguns engenheiros esqueceram
de que eram engenheiros e foi o bastante.
Há ainda algo que pesa
sobre as centrais nucleares e outras instalações não subterrâneas que armazenam
grandes quantidades de material altamente radioativo: o terrorismo.
Um modo de aumentar a
confiabilidade das termelétricas a energia nuclear é utilizar sistemas passivos
(não usar bombas acionadas a motores, mas a força da gravidade, por exemplo)
para manter o reator resfriado em caso de acidente. Hoje dois tipos de reatores
da chamada geração III estão sendo construídos: o AP1000 e o EPR. O primeiro
incorpora componentes passivos; o segundo requer mais equipamentos de
segurança, é mais complexo e caro. Quanto à segurança estes reatores PWR são
evoluções dos modelos antigos.
Se tivessem sido bem
sucedidas, milhares de termelétricas a energia nuclear estariam em operação
pelo mundo. Com esta quantidade de termelétricas operando, é admissível que um
reator seja perdido por acidente a cada quarenta anos, mas não há razão para
aceitar que qualquer quantidade significativa de material radioativo vaze do
prédio de um reator para o meio ambiente. Os acidentes ocorridos nos últimos
quarenta anos desmentem a afirmação de que os reatores já construídos são suficientemente
seguros. Se o problema do lixo radioativo for solucionado e todas as
instalações nucleares do ciclo de combustível forem realmente seguras, então o
uso da fissão nuclear para fins pacíficos é seguro. Se isto não for viável,
então melhor é utilizar a energia nuclear que foi produzida no Sol e está sendo
irradiada para a Terra e pesquisar a viabilidade do uso da fusão nuclear
deutério-deutério para geração de energia elétrica.
Jailton da Costa
Ferreira é engenheiro. A opinião apresentada é do autor e não necessariamente
da Comissão Nacional de Energia Nuclear onde trabalha.
Comentários
Postar um comentário