Por Sabrina Valle - O Estado de S. Paulo
Com a exploração mais
consistente do gás de xisto nos EUA, preço do gás americano passou a custar 20%
do cobrado no Brasil, o que reduziu a competitividade nacional e afastou
investimentos de indústrias como as de vidro, cerâmica e petroquímica.
RIO - A concorrência com
o baixo custo do gás de xisto americano, que em três anos passou a custar 20%
do preço do gás natural no Brasil, está fazendo o País perder ou adiar bilhões
de dólares em investimentos.
Indústrias que têm até
35% de seus custos no gás, como fabricantes de cerâmica e vidro, petroquímica e
química, perderam competitividade, elevaram importações e migram investimentos
para o exterior. Até setores tradicionais, como o de brinquedos, sentem os
efeitos.
"Uma fatia
importante do setor está com forno desligado. Estamos perdendo competitividade.
O risco é a produção nacional ser substituída pela importada", diz o
superintendente da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para
Revestimentos (Anfacer), Antonio Carlos Kieling.
Kieling diz que as
importações do setor estouraram 9.000% em sete anos, para US$ 220 milhões ao
ano, num movimento crescente, já que 25% dos custos de produção vêm do gás. A
avaliação sobre perda de competitividade é a mesma em vários setores, mas
atinge com maior peso a indústria química e petroquímica. Empresas como
Braskem, Unigel e Dow Chemical estão entre as que paralisaram decisões de
investimento de bilhões de dólares.
A multinacional de
vidros AGC decidiu há pouco mais de três anos investir numa fábrica de R$ 800
milhões. Será inaugurada em Guaratinguetá (SP) neste ano para produção de vidro
plano, espelhos e vidro automotivo. "De lá para cá, o preço do gás dobrou,
mudou totalmente o cenário e a rentabilidade", disse o CEO da AGC Vidros
do Brasil, Davide Cappellino.
A decisão de dobrar a
capacidade, com mais R$ 800 milhões, foi suspensa por tempo indeterminado.
Unidades da multinacional nos Estados Unidos, Emirados Árabes, Arábia Saudita e
Egito, onde o preço do gás é 20% do cobrado no Brasil, ganharam preferência na
destinação de recursos. "Com certeza, o preço do gás tornou a decisão de
investir no Brasil muito mais difícil."
Revisão
A também multinacional
Cebrace planejou até R$ 1 bilhão para transformar o Brasil em plataforma de
exportação de vidros para a América Latina. A empresa estancou novas decisões
de investimentos no Brasil e voltou os olhos para países como Argentina e
Colômbia. O mesmo aconteceu com a Guardian, que revê investimentos. Hoje, o
setor importa 35% do vidro plano, ante 10% de 2007.
"Não há novos
investimentos de peso, e o futuro depende de decisões de agora. Quero ver como
o setor vai estar lá para 2018", diz Lucien Belmonte, superintendente da
associação setorial Abividro, que estima, grosso modo, uma perda de até US$ 3 bilhões
na década pela redução de competitividade acarretada pelo preço do gás.
Revolução
A reviravolta no mercado
aconteceu depois de uma revolução energética nos Estados Unidos, com a
disseminação, nos últimos cinco anos, da técnica de fraturamento terrestre em
formações de xisto.
Neste curto período, os
Estados Unidos trocaram a posição de grande importador de gás pela de potencial
exportador, um cenário impensável em 2008. A superoferta fez o preço do gás
americano cair de US$ 9, naquele ano, a US$ 1,82 por milhão de BTU (unidade
térmica britânica, a referência para o mercado de gás) em abril de 2012.
Hoje, o preço do gás
americano fica em torno de US$ 2,5 a US$ 3 por milhão/BTUs. No Brasil o produto
está cerca de cinco vezes mais caro – custa entre US$ 12 e US$ 16. Na Europa,
ronda os US$ 8 a US$ 10. "Todo mundo que compete no mercado internacional
e que tem produção no Brasil está reclamando conosco", diz uma fonte do
governo.
O efeito é mais intenso
para indústrias que usam o gás como matéria-prima, caso das fabricantes de
fertilizantes, ou para mover as máquinas. Costuma ser o caso também de produtos
que dependem de altas temperaturas para serem produzidos, como as cerâmicas.
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