Por Flavio Aguiar
Quando a gente fala em
“Velho Mundo”, o que vem ao pensamento é a Europa. Ou a Eurásia e a África. Mas
a expressão tem uma dimensão temporal, como demonstra o adjetivo. E nesta
dimensão o Velho Mundo é a pátria da direita brasileira e de seus arautos
embora, é claro, eles vivam assombrados, lembrando livremente comentário de
Sérgio Buarque de Hollanda, pelo “secreto horror” que a pátria brasileira lhes
desperta.
Secreto? Cada vez menos.
Já nem são assombrados, são aterrados pela dura realidade de abrirem a janela
para ver, não o Sena, nem o Tâmisa, (por favor, não lembremos o Tejo, também
subdesenvolvido), muito menos o Reno, o Elba e o Mosela, nem mesmo o Hudson e
os Grandes Lagos, mas – horreur!, my God, meus sais! – os nossos rios, do
Oiapoque ao Chuí, e em vez da retilínea Floresta Negra, as retortas da
Amazônia, da Mata Atlântica, do Cerrado, da Caatinga, dos bananais etc.
Até os nossos temperados
pinheiros – as araucárias – são cheios de curvas e obrigados a conviver com
aquela mata confusa que eles abrigam e protegem, em vez de desfrutarem da
exclusividade silenciosa e vertical dos pinheirais europeus e das Rochosas.
A nossa direita vive
ainda em tempos de Casa Grande & Senzala. Imagina-se na Casa Grande, mas
isto é uma espécie de miragem acalentada para compensar o fato de que na sua
dura imaginação empedrada vivem mesmo é num puxadinho da Senzala. A Senzala somos
nós, o Brasil. Eles são, mas não conseguem assim se reconhecer, apenas os
capatazes da Senzala.
São assim mesmo,
escritos com minúscula, diante da majestade, do tamanho e do alcance da Senzala
que eles querem administrar tirando um percentual de benefícios, entre eles o
de quando em quando fazer um turismo – que pensam ainda ser exclusivo – pelo
alpendre da Casa Grande, que são as suas paisagens. Porque Casa Grande mesmo, é
a Europa; são os Estados Unidos, o Japão, a Coréia do Sul, a Austrália, a Nova
Zelândia.
Bom, pelo menos uma
certa Europa, aquela entre o Oder (fronteira da Alemanha com a Polônia) e o
Tâmisa. Pra lá do Oder também há uma espécie de Senzala, mas que pelo menos,
para este tipo de imaginário, é branca em vez de trigueira ou mesmo negra. Bom,
há o mundo dos amarelos e indianos que se agiganta, vá lá: mas deixem que eles
briguem e se entendam com os Estados Unidos e a Rússia.
Esse “complexo de
capataz” reapareceu com fúria em vários comentários que li sobre a eleição do
diplomata brasileiro Roberto Carvalho de Azevêdo para a direção geral da OMC.
Com indisfarçável má vontade muitos destes comentários tiveram de reconhecer
que a diplomacia brasileira marcou um ponto. Aliás, um ponto não, um golaço.
Uma cesta daquelas de Oscar na seleção. Fruto de um trabalho paciente de
aquisição de respeito e representatividade.
Porém, essa vitória
também propicia à indigestão e acidez da capatazia a oportunidade de lembrar
que ela se deve ao “equivocado privilégio” que nosso país dá ao “terceiro
mundo”, preferindo abrir embaixadas pela África, dinamizar o Mercosul, procurar
se instalar na América Central, no Caribe, na Ásia, em vez de abrir mais e mais
escritórios-mercadinhos nas salas de espera do “primeiro mundo”.
É uma visão de tal
anacronismo e subserviência que dá pena. Ela se baseia num retrato em branco e
preto do mundo, ainda o da guerra fria, sem conseguir reconhecer o quão mais
complexo este nosso vale de lágrimas e realizações se tornou. Até porque se há
um lugar em que a diplomacia brasileira é respeitada – e agora talvez comece
também a ser temida – é a Europa.
Prova disso é que, se os
países líderes da União Europeia, os Estados Unidos, o Japão e a Coreia do Sul
fizeram campanha pelo diplomata mexicano Hermínio Blanco, nenhum deles teve a
coragem de vetar o brasileiro. Ao contrário do que ocorreu anteriormente,
quando a eleição de um tailandês provocou tal tempestade que ele se viu forçado
a repartir o mandato com o neozelandês que era o preferido do clube da Casa
Grande Mundial. Vivam assombrados, lembrando livremente comentário de Sérgio
Buarque de Hollanda, pelo "secreto horror" que a pátria brasileira
lhes desperta.
O “velho mundo” que a
nossa direita acalanta com sua “realidade” vem perdendo espaço a olhos vistos
na ordem internacional – o que não quer dizer que esteja entregando o poder e
desistindo de procurar manter sua hegemonia. Para tanto, vem semeando a
desgraça e o infortúnio dentro de suas próprias fronteiras, tendo aumentado o
seu “exército da pobreza de reserva” enormemente nos Estados Unidos durante as
administrações republicanas recentes e fazendo o mesmo agora na Europa, onde o
pensamento ortodoxo dominante (vem perdendo a hegemonia) está criando sua
própria periferia.
Mas este é o mundo em
que a nossa direita se espelha. E vai continuar se espelhando durante muito
tempo, mesmo que a imagem que ela vê vire uma mera fantasmagoria. Seu ideal é o
México – que virou decididamente um puxadinho econômico dos Estados Unidos que
importa quase tudo de lá ou por lá – até boa parte das incômodas drogas. Mas
pelo menos nos filmes, de vez em quando uma horda de robustos caubóis invade
México – o que, para a nossa direita, sem dúvida, é um sinal de proximidade com
a civilização.
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