Por LUTA PELA EDUCAÇÃO
Nós, que participamos da
luta sindical e política, e que atuamos no campo da educação pública, não
podemos nos dar ao luxo de nos enganar: precisamos fazer de nossa prática
educacional uma militância política cotidiana, comprometida com o
desenvolvimento da consciência crítica dos jovens estudantes. Existe uma
tendência, no seio da escola pública, a pensar que os governos não nos valorizam,
logo, já que não somos valorizados, não temos motivos para pensar em um ensino
público de qualidade para os nossos jovens. Ora, segundo nosso ponto de vista,
desistir de dar uma aula de qualidade, por conta das manobras governamentais, é
alienante e simplesmente ajuda o projeto de reprodução da lógica do capital.
Vamos raciocinar: quem
estuda na escola pública? Filhos da classe trabalhadora, não é verdade? E quem
somos nós, os educadores? Trabalhadores da educação, não é verdade? Então, quem
sai prejudicado se desistirmos de lutar por uma escola pública, gratuita e de
qualidade? Todos nós, da classe trabalhadora. E é preciso entender: não
interessa aos governos, favoráveis ao capitalismo, o investimento na escola
pública, gratuita e de qualidade, justamente porque nessa escola estão os
filhos da classe trabalhadora e, no capitalismo, os trabalhadores são criados
para serem escravos da exploração, escravos da mais-valia. Não somos
criados-formados para sermos livres e críticos, com vida digna. Somos
criados-formados para reproduzir as relações de produção do capital: lucro,
consumismo, exploração, riqueza para poucos, destruição ambiental e da vida.
Qual, então, o lugar do
educador nesse mundo? É preciso ser categórico, nosso lugar é o da militância
política. Não podemos nos dar ao luxo de não sermos militantes políticos em
nossas aulas, não podemos nos dar ao luxo de desistir. Um mundo melhor será
parto da luta diária, não será filho do desânimo, da descrença ou da
desesperança. É isso que os capitalistas querem, que fiquemos abatidos,
desanimados, desesperançados, desapaixonados, entediados, assim não precisam
gastar com a educação dos trabalhadores.
Porém, enquanto
educadores, temos obrigação moral de sermos apaixonados pela educação, porque
educar é despertar a crítica, é desnaturalizar as práticas, é desmistificar as
falsas verdades, é arrancar o obscurantismo da sociedade, é questionar as
políticas públicas ausentes, é combater as opressões machistas, racistas,
homofóbicas, trabalhistas, políticas, de classe, educar é sonhar com outros
mundos possíveis. Não existe aula neutra, a eleição de um tema X ou Y, a ser
discutido em sala de aula, já está repleto de ideologia. Damos aulas para
legitimar a visão burguesa do mundo ou damos aulas para despertar os filhos da
classe trabalhadora para um outro mundo, um mundo sem opressões e sem
exploração?
Nosso lugar precisa ser
o do ânimo presente, caminhando com espírito de luta rumo ao futuro. Qual tem
sido, em geral, o projeto dos governos para a educação, por exemplo? Doutrinar
alunos e professores rumo às avaliações externas, como se bastasse subir as
metas educacionais para alunos e professores terem uma vida melhor. Todos sabem
que esse é um projeto de educação falso. Mesmo se tivéssemos uma avaliação
externa em que os alunos fossem altamente bem sucedidos, sem despertar a
postura crítica e o desejo de construir um mundo mais justo, no outro dia, após
o resultado das avaliações, ainda teríamos as mesmas mazelas sociais, o mundo
dos ricos e o mundo dos pobres, o mundo dos incluídos e dos excluídos
socialmente. Portanto, não podemos educar pensando nessa lógica das avaliações
externas, como se elas fossem o grande selo de qualidade da educação pública.
Esse não pode ser o nosso projeto de educação, não pode ser o projeto de
educação dos lutadores. Nós, os lutadores, temos que despertar a postura crítica
dos estudantes. Temos de desnaturalizar, deseternizar, deslegitimar, questionar
as pretensas verdades das diversas práticas sociais. Temos de despertar nos
educandos o desejo do não existente, a partir de uma crítica lúcida daquilo que
existe.
Por exemplo, o mundo é
machista, deveríamos, na educação do dia a dia, despertar o desejo de um mundo
em que as mulheres sejam respeitadas. O mundo é racista, deveríamos despertar o
desejo de um mundo sem opressão. O mundo é homofóbico, deveríamos despertar o
desejo de tolerância face ao diferente. O mundo é agressivo, deveríamos
despertar o desejo da gentileza. O mundo é inculto, deveríamos despertar o
desejo de descobrir. O burguês não paga o total de horas trabalhadas ao
operário, deveríamos despertar em nossos jovens o desejo de justiça
trabalhista. Os pobres morrem por diversas enfermidades nas filas do SUS,
deveríamos despertar o interesse por um sistema de saúde decente. Os jovens são
ceifados pelo mundo das drogas, deveríamos despertar perspectivas e sonhos
outros para nossa juventude. O mundo não tem emprego para todos, deveríamos
despertar o sonho do pleno emprego. O mundo não oferece sequer moradia para uma
boa parte da população, deveríamos despertar nos jovens o desejo de morar
dignamente. Os pobres sofrem, deveríamos despertar o desejo de não sofrer.
Infelizmente, os
governos não tem sido nossos aliados nessa luta por uma educação crítica, pois
ao comprometerem-se com o capitalismo, suas práticas políticas não toleram
cinco minutos de exame crítico. Não é necessário e nem é natural, por exemplo,
sufocar os professores dentro das escolas, simplesmente porque não lhes paga o
suficiente para sobreviver. Qual governo, entretanto, não está fazendo isso?
Existe algum? Não é legítimo e necessário manter escolas sem livros, sem
laboratórios, sem jornais, sem espaços de lazer. Quantos se preocupam em
resolver seriamente tais problemas? E os demais problemas mencionados acima:
existe alguma política dos governos voltada para despertar nos jovens e no povo
o desejo de um mundo melhor? Não temos visto tal prática. Portanto, a educação
é o lugar de problematizar-discutir os problemas da sociedade, é o lugar de
instigar o desejo do não existente, a partir de um exame atento das condições
reais e vigentes.
Em toda disciplina, é
possível fazer isso. Os lutadores precisam pesquisar e compartilhar práticas
rumo a uma educação que desnaturalize as falsas verdades das práticas sociais.
Nossos sindicatos precisam dar voz a esse debate. O que motiva a paixão de educadores
e estudantes é a luta acompanhada da visão crítica. Quando temos a certeza de
que o nosso trabalho é uma militância política cotidiana contra todos os
inimigos políticos, econômicos e ideológicos que emperram a construção de um
mundo mais justo, então encontramos sentido para o nosso trabalho, nos tornamos
incansáveis, fazemos greves, preparamos aulas que despertam a consciência
crítica, ganhamos aliados, ganhamos apoio na classe trabalhadora, ganhamos
outros sujeitos para sonhar junto conosco, caímos, levantamos, sabemos que a
cada dia estamos travando uma batalha contra o senso comum e contra a lógica da
reprodução das relações de produção. É hora de debater, na escola, os temas que
angustiam as vidas da classe trabalhadora. Esse é nosso papel. Educar para a
vida futura começa educando os seres humanos para entenderem a vida presente,
com a firme convicção de é possível modificar aquilo que não aceitamos. Não
temos o direito de desistir. É preciso fazer das nossas aulas uma militância
política em prol da luta para transformar o mundo.
Como Socialista Livre e
trabalhando como professor, acredito que a educação pode e deve ser um lugar de
militância política.
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