Pular para o conteúdo principal

Direita ataca o Bolsa Família

Por Luiz Carlos Azenha
Fico imaginando qual seria a vantagem de atacar o Bolsa Família a esta altura da campanha eleitoral, se atacar o programa não rende votos junto aos beneficiários. Existe ao menos uma resposta possível: já que os votos dos beneficiários estão perdidos mesmo, usemos o programa para ganhar votos dos não-beneficiários, retomando em outros termos o debate em torno do “bolsa-esmola”. Não é de hoje que a direita identifica o Bolsa Família com “assistencialismo” ou “caça aos votos”, desconhecendo o impacto dinamizador que ele tem na economia, especialmente no Nordeste.
Convenhamos, é um prato cheio para o tradicional discurso da demonização dos pobres, que atrai parcelas crescentes da classe média e da classe média baixa, sujeitas ao bombardeio diário da grande mídia sobre o Estado que cobra muito imposto mas é perdulário e ineficiente.
Como escreveu hoje Vladimir Safatle, na Folha de S. Paulo, os liberais brasileiros nunca reclamam quando o Estado é mãe para eles; só não pode ser mãe para os mais pobres.
Vale a pena reproduzir um trecho:
Na verdade, eis aí um verdadeiro Estado-providência, mas seus filhos são apenas certos setores da burguesia nacional e da sociedade civil associada ao governo. Há dois exemplos paradigmáticos ocorridos nas últimas semanas.
Durante os últimos anos, o governo investiu mais de R$ 1 bilhão na reforma do estádio do Maracanã. Obra feita a toque de caixa devido ao calendário da Copa do Mundo. Dias atrás, ficamos sabendo que um consórcio composto pela Odebrecht e pelo onipresente empresário Eike Batista ganhou o direito de administrar o estádio por (vejam só vocês) R$ 180 milhões pagáveis em 30 anos. Ou seja, só em reformas o Estado, principalmente via BNDES, gastou mais de R$ 1 bilhão para entregar a seus filhos, por menos de 20% do valor investido, um complexo esportivo com o qual nem mesmo o mais néscio dos administradores seria capaz de perder dinheiro.
Na mesma semana, descobrimos também que o governo paulista resolveu inventar um cartão que dá R$ 1.350,00 para viciados que queiram se internar em comunidades terapêuticas cadastradas. Nada de mais, à parte o Estado acabar por financiar comunidades terapêuticas privadas, normalmente vinculadas a igrejas e com abordagens “espirituais” de atendimento psicológico bastante questionáveis, enquanto sucateia vários Caps (Centro de Atenção Psicossocial) pelo Estado.
Assim caminha o paulatino abandono da capacidade governamental de formular políticas públicas em saúde mental. Mas pelo menos alguns de seus filhos, por coincidência com grande influência nos próximos embates eleitorais, serão amparados.
Curiosamente, na mesma página, em editorial, o diário conservador elogia posturas do virtual candidato do PSDB ao Planalto, Aécio Neves, com apenas um reparo:
O líder tucano deu novos sinais de hesitação, contudo. Repetiu a saudação à bandeira petista, o Bolsa Família, declarando ser o PSDB “o partido dos programas de transferência de renda” — prova de que reluta, ainda, em assumir uma dicção mais liberal com denúncia ácida de seu aspecto assistencialista.
Registre-se que, na mesma página, a colunista Eliane Cantanhede, falando sobre “mentirinhas”, escreveu que é uma farsa a ideia de que milhões de brasileiros ascenderam socialmente nos governos Lula/Dilma:
Segundo o repórter João Carlos Magalhães, basta aplicar a inflação à “linha da miséria” (R$ 70 por mês, desde 2011) que 22,3 milhões voltam para onde estavam. E de onde, no mundo de verdade, nunca saíram.
Ou seja, o Estado-mãe de que nos falou Safatle, quando ajuda pobres, é ora assistencialista, ora produtor de propaganda enganosa.
Curiosamente, uma comentarista estreou no Viomundo falando sobre o boato em torno do fim do Bolsa Família nos seguintes termos:
O Bolsa Família é esmola, é indigno e é uma ofensa a classe média que trabalha e se esforça para ganhar a vida com descencia. Bolsa Família é vergonhoso e é claramente um projeto para garantir votos assim como outros absurdos neste país decadente.
Notem que o raciocínio implica em jogar a classe média contra os pobres. Parece mesmo que a direita brasileira elegeu requentar um velho tema eleitoral. Talvez isso ajude a explicar a quem o crime de dizer que o Bolsa Família acabou interessa…
PS do Viomundo: Dexter Rocha, que pode ser um fake, criou um perfil no Facebook só para propagar uma página que usa uma única entrevista para tentar desqualificar todo o programa, usando o senso comum que tem grande apelo mesmo entre quem um dia já dependeu de um programa social. É a ascensão social despolitizada do governo Lula cobrando seu preço…

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Por que a luta por liberdade acadêmica é a luta pela democracia

Por Judith Butler Muitos acadêmicos se encontram sujeitos à censura, à prisão e ao exílio. Perderam seus cargos e se preocupam se algum dia poderão dar continuidade às suas pesquisas e aulas. Foram privados de seus cargos por causa de suas posições políticas, ou às vezes, por pontos de vista que supõem que tenham ou que lhes é atribuído, mas que não eles não têm. Perderam também a carreira. Pode-se perder um cargo acadêmico por várias razões, mas aqueles que são forçados a deixar seu país e seu cargo de trabalho perdem também sua comunidade de pertencimento. Uma carreira profissional representa um histórico acumulado de uma vida de pesquisa, com um propósito e um compromisso. Uma pessoa pensa e estuda de determinada maneira, se dedica a uma linha de pesquisa e a uma comunidade de interlocutores e colaboradores. Um cargo em um departamento de uma universidade possibilita a busca por uma vocação; oferece o suporte essencial para escrever, ensinar e pesquisar; paga o salário que lib

54 museus virtuais para você visitar

American Museum of Natural History ; My studios ; Museu Virtual Gentileza ;

O mundo como fábula, como perversidade e como possibilidade: Introdução geral do livro "Por uma outra globalização" de Milton Santos

Por Milton Santos Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação? De um lado, é abusivamente mencionado o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mun­do físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente percebido. Explicações mecanicistas são, todavia, insuficientes. É a maneira como, sobre essa base material, se produz a história humana que é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada. Quando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de um mundo veraz, o que é imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, q