Da Rede Brasil Atual
São Paulo – A 14ª
Conferência Nacional de Saúde (CNS), encerrada neste domingo (4), em Brasília,
aprovou como diretrizes a implementação efetiva de políticas de saúde para toda
a população, a aprovação da emenda 29, com destinação de 10% de recursos ao
setor pela União, fim da "dupla porta" nos hospitais públicos e um
marco legal para as relações do Estado com o terceiro setor, entre outras. O
relatório final, aprovado por delegados de todo o Brasil, resume o debate
desenvolvido no evento ao longo de quatro dias e tem apoio da Comissão
Organizadora e de vários outros segmentos.
O presidente da 14ª CNS,
ministro Alexandre Padilha, disse que foi um momento histórico a aprovação do
relatório final e da carta à sociedade. Para Jurema Werneck, coordenadora geral
da conferência, foi um momento de celebração para a Saúde este "esforço
democrático para mostrar ao país o que é realmente importante para a
consolidação do SUS".
Entre outros aspectos
tratados na Carta de Brasília, estão a valorização do trabalhador, o
investimento em educação permanente, a implementação e ampliação das políticas
de promoção da equidade e a adoção da carga horária de 30 horas semanais para
enfermagem e para todas as categorias profissionais que compõem o SUS.
Confira a íntegra da Carta de Brasília:
Nestes cinco dias da etapa nacional da 14ª Conferência Nacional de
Saúde reunimos 2.937 delegados e 491 convidados, representantes de 4.375
Conferências Municipais e 27 Conferências Estaduais.
Somos aqueles que defendem o Sistema Único de Saúde como patrimônio do
povo brasileiro.
Punhos cerrados e palmas! Cenhos franzidos e sorrisos.
Nossos mais fortes sentimentos se expressam em defesa do Sistema Único
de Saúde.
Defendemos intransigentemente um SUS Universal, integral, equânime,
descentralizado e estruturado no controle social.
Os compromissos dessa Conferência foram traçados para garantir a
qualidade de vida de todos e todas.
A Saúde é constitucionalmente assegurada ao povo brasileiro como
direito de todos e dever do Estado. A Saúde integra as políticas de Seguridade
Social, conforme estabelecido na Constituição Brasileira, e necessita ser
fortalecida como política de proteção social no País.
Os princípios e as diretrizes do SUS – de descentralização, atenção
integral e participação da comunidade – continuam a mobilizar cada ação de
usuários, trabalhadores, gestores e prestadores do SUS.
Construímos o SUS tendo como orientação a universalidade, a
integralidade, a igualdade e a equidade no acesso às ações e aos serviços de
saúde.
O SUS, como previsto na Constituição e na legislação vigente é um
modelo de reforma democrática do Estado brasileiro. É necessário transformarmos
o SUS previsto na Constituição em um SUS real.
São os princípios da solidariedade e do respeito aos direitos humanos
fundamentais que garantirão esse percurso que já é nosso curso nos últimos 30
anos em que atores sociais militantes do SUS, como os usuários, os
trabalhadores, os gestores e os prestadores, exercem papel fundamental na
construção do SUS.
A ordenação das ações políticas e econômicas deve garantir os direitos
sociais, a universalização das políticas sociais e o respeito às diversidades
etnicorracial, geracional, de gênero e regional. Defendemos, assim, o
desenvolvimento sustentável e um projeto de Nação baseado na soberania, no crescimento
sustentado da economia e no fortalecimento da base produtiva e tecnológica para
diminuir a dependência externa.
A valorização do trabalho, a redistribuição da renda e a consolidação
da democracia caminham em consonância com este projeto de desenvolvimento,
garantindo os direitos constitucionais à alimentação adequada, ao emprego, à
moradia, à educação, ao acesso à terra, ao saneamento, ao esporte e lazer, à
cultura, à segurança pública, à segurança alimentar e nutricional integradas às
políticas de saúde.
Queremos implantar e ampliar as Políticas de Promoção da Equidade para
reduzir as condições desiguais a que são submetidas as mulheres, crianças,
idosos, a população negra e a população indígena, as comunidades quilombolas,
as populações do campo e da floresta, ribeirinha, a população LGBT, a população
cigana, as pessoas em situação de rua, as pessoas com deficiência e patologias
e necessidades alimentares especiais.
As políticas de promoção da saúde devem ser organizadas com base no
território com participação inter-setorial articulando a vigilância em saúde
com a Atenção Básica e devem ser financiadas de forma tripartite pelas três
esferas de governo para que sejam superadas as iniqüidades e as especificidades
regionais do País.
Defendemos que a Atenção Básica seja ordenadora da rede de saúde,
caracterizando-se pela resolutividade e pelo acesso e acolhimento com qualidade
em tempo adequado e com civilidade.
A importância da efetivação da Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde da Mulher, a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos,
além da garantia de atenção à mulher em situação de violência, contribuirão
para a redução da mortalidade materna e neonatal, o combate ao câncer de colo
uterino e de mama e uma vida com dignidade e saúde em todas as fases de vida.
A implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População
Negra deve estar voltada para o entendimento de que o racismo é um dos
determinantes das condições de saúde.
Que as Políticas de Atenção Integral à Saúde das Populações do Campo e
da Floresta e da População LGBT, recentemente pactuadas e formalizadas, se
tornem instrumentos que contribuam para a garantia do direito, da promoção da
igualdade e da qualidade de vida dessas populações, superando todas as formas de
discriminação e exclusão da cidadania, e transformando o campo e a cidade em
lugar de produção da saúde.
Para garantir o acesso às ações e serviços de saúde, com qualidade e
respeito às populações indígenas, defendemos o fortalecimento do Subsistema de Atenção
à Saúde Indígena.
A Vigilância em Saúde do Trabalhador deve se viabilizar por meio da
integração entre a Rede Nacional de Saúde do Trabalhador e as Vigilâncias em
Saúde Estaduais e Municipais.
Buscamos o desenvolvimento de um indicador universal de acidentes de
trabalho que se incorpore aos sistemas de informação do SUS. Defendemos o
fortalecimento da Política Nacional de Saúde Mental e Álcool e outras drogas,
alinhados aos preceitos da Reforma Psiquiátrica antimanicomial brasileira e
coerente com as deliberações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental.
Em relação ao financiamento do SUS é preciso aprovar a regulamentação
da Emenda Constitucional 29. A União deve destinar 10% da sua receita corrente
bruta para a saúde, sem incidência da Desvinculação de Recursos da União (DRU),
que permita ao Governo Federal a redistribuição de 20% de suas receitas para
outras despesas.
Defendemos a eliminação de todas as formas de subsídios públicos à
comercialização de planos e seguros privados de saúde e de insumos, bem como o
aprimoramento de mecanismos, normas e/ou portarias para o ressarcimento
imediato ao SUS por serviços a usuários da saúde suplementar.
Além disso, é necessário manter a redução da taxa de juros, criar novas
fontes de recursos, aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para a
saúde, tributar as grandes riquezas, fortunas e latifúndios, tributar o tabaco
e as bebidas alcoólicas, taxar a movimentação interbancária, instituir um
percentual dos royalties do petróleo e da mineração para a saúde e garantir um
percentual do lucro das empresas automobilísticas.
Defendemos a gestão 100% SUS, sem privatização: sistema único e comando
único, sem “dupla-porta”, contra a terceirização da gestão e com controle
social amplo. A gestão deve ser pública e a regulação de suas ações e serviços
deve ser 100% estatal, para qualquer prestador de serviços ou parceiros.
Precisamos contribuir para a construção do marco legal para as relações
do Estado com o terceiro setor. Defendemos a profissionalização das direções,
assegurando autonomia administrativa aos hospitais vinculados ao SUS,
contratualizando metas para as equipes e unidades de saúde. Defendemos a
exclusão dos gastos com a folha de pessoal da Saúde e da Educação do limite
estabelecido para as Prefeituras, Estados, Distrito Federal e União pela Lei de
Responsabilidade Fiscal e lutamos pela aprovação da Lei de Responsabilidade
Sanitária.
Para fortalecer a Política de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde é
estratégico promover a valorização dos trabalhadores e trabalhadoras em saúde,
investir na educação permanente e formação profissional de acordo com as
necessidades de saúde da população, garantir salários dignos e carreira
definida de acordo com as diretrizes da Mesa Nacional de Negociação Permanente
do SUS, assim como realizar concurso ou seleção pública com vínculos que
respeitem a legislação trabalhista. e assegurem condições adequadas de
trabalho, implantando a Política de Promoção da Saúde do Trabalhador do SUS.
Visando fortalecer a política de democratização das relações de
trabalho e fixação de profissionais, defendemos a implantação das Mesas
Municipais e Estaduais de Negociação do SUS, assim como os protocolos da Mesa
Nacional de Negociação Permanente em especial o de Diretrizes Nacionais da Carreira
Multiprofissional da Saúde e o da Política de Desprecarização. O Plano de
Cargos, Carreiras e Salários no âmbito municipal/regional deve ter como base as
necessidades loco-regionais, com contrapartida dos Estados e da União.
Defendemos a adoção da carga horária máxima de 30 horas semanais para a
enfermagem e para todas as categorias profissionais que compõem o SUS, sem
redução de salário, visando cuidados mais seguros e de qualidade aos usuários.
Apoiamos ainda a regulamentação do piso salarial dos Agentes
Comunitários de Saúde (ACS), Agentes de Controle de Endemias (ACE), Agentes
Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN) com
financiamento tripartite.
Para ampliar a atuação dos profissionais de saúde no SUS, em especial
na Atenção Básica, buscamos a valorização das Residências Médicas e
Multiprofissionais, assim como implementar o Serviço Civil para os
profissionais da área da saúde. A revisão e reestruturação curricular das
profissões da área da saúde devem estar articuladas com a regulação, a
fiscalização da qualidade e a criação de novos cursos, de acordo com as
necessidades sociais da população e do SUS no território.
O esforço de garantir e ampliar a participação da sociedade brasileira,
sobretudo dos segmentos mais excluídos, foi determinante para dar maior
legitimidade à 14ª Conferência Nacional de Saúde. Este esforço deve ser
estendido de forma permanente, pois ainda há desigualdades de acesso e de
participação de importantes segmentos populacionais no SUS.
Há ainda a incompreensão entre alguns gestores para com a participação
da comunidade garantida na Constituição Cidadã e o papel deliberativo dos
conselhos traduzidos na Lei nº 8.142/90. Superar esse impasse é uma tarefa,
mais do que um desafio.
A garantia do direito à saúde é, aqui, reafirmada com o compromisso
pela implantação de todas as deliberações da 14ª Conferência Nacional de Saúde
que orientará nossas ações nos próximos quatro anos reconhecendo a legitimidade
daqueles que compõe os conselhos de saúde, fortalecendo o caráter deliberativo
dos conselhos já conquistado em lei e que precisa ser assumido com precisão e
compromisso na prática em todas as esferas de governo, pelos gestores e
prestadores, pelos trabalhadores e pelos usuários.
Somos cidadãs e cidadãos que não deixam para o dia seguinte o que é
necessário fazer no dia de hoje. Somos fortes, somos SUS.
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