Por Ricardo Machado
Movimento feminista tem
papel importante para mobilizar críticas e ações sobre a postura do patriarcado
em relação ao tráfico e prostituição de mulheres. Vulnerabilidade econômica do
sexo feminino está no cerne do tráfico de gênero, analisa Nalu Faria
A sociedade de mercado rouba sonhos e cria
ilusões. “Constrói essa ideia que terá acesso a uma experiência a partir do que
consome. O consumo está o tempo todo associado à felicidade, ou que a pessoa é
aquilo que consome. Ter passa a ser algo muito importante. Isso como parte de
uma coisificação das pessoas e das relações humanas”, considera Nalu Faria,
psicóloga e coordenadora geral da Sempreviva Organização Feminista – SOF,
www.sof.org.br, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. Na avaliação de Nalu, a
estrutura social que coloca as mulheres como principais vítimas do tráfico
humano está relacionada a “vulnerabilidade econômica das mulheres, depois a
identidade e subjetividade feminina, como românticas, idealistas, voltadas para
acreditar em sonhos como dos príncipes encantados, hoje travestidos de ofertas
milagrosas de trabalho, ou de princesas em pele de modelos.
Nalu Faria é psicóloga e
especialista em Psicodrama Pedagógico pelo Grupo de Estudos e Trabalhos
Psicodrámaticos, e especialista em Psicologia Institucional pela Sedes
Sapientiae. Atua nos movimentos que
lutam pelos direitos das mulheres no Brasil, tais como a violência doméstica,
equiparação salarial, luta contra o machismo e o direito ao aborto. É autora,
entre outros artigos, de O feminimismo latino-americano e caribenho:
perspectivas diante do neoliberalismo (São Paulo: Livre Mercado para o
Feminismo, 2005). No site da SOF, entidade que coordena, há diversos cadernos e
artigos sobre a questão da luta das mulheres para download .
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que diferenças existem entre tráfico sexual e turismo
sexual?
Nalu Faria – No caso do
tráfico em geral, é mais explícita a relação com escravidão e/ou da enorme
quantidade de dinheiro que as mulheres têm que pagar. Por outro lado, há
situações de turismo sexual relacionada ao tráfico. Em geral, o turismo sexual
usa a fragilidade de mulheres muito jovens para envolvê-las nesta atividade,
sem significar retirá-las da família ou de seu lugar de moradia.
IHU On-Line – Que modelos de práticas sustentam a ideia liberal de
direito de que a escolha de um trabalho de prostituição é voluntária?
Nalu Faria – Uma das
estratégias é tratar a prostituição como outro serviço qualquer, ou que se as
mulheres quisessem poderiam trabalhar em outra coisa. Isso hoje é reforçado por
estarmos em uma sociedade onde o tabu da virgindade já não é tão forte. Mas
essa visão oculta que há uma instituição da prostituição, que são vários os
mecanismos que levam as mulheres à prostituição, que as mulheres prostituídas
geralmente possuem uma forte baixa-estima, que não conseguem se imaginar em
outra situação. Outras vezes há a pressão por ganhar mais dinheiro que os
pequenos salários que conseguem com outro emprego, ocasião à qual muitas vezes
os parceiros amorosos as obrigam. Mas há um elemento fundamental e que tem sido
considerado: a maioria das mulheres chegam à prostituição quase meninas e,
quando completam 18 anos, elas já têm sua vida, sua identidade, sua
subjetividade muito marcada por essa experiência.
IHU On-Line – Que subjetividades são construídas em uma sociedade
marcada pelo livre mercado e pelo consumo?
Nalu Faria – Essa
sociedade de mercado rouba os sonhos e cria ilusões. Constrói essa ideia que
terá acesso a uma experiência a partir do que consome. O consumo está o tempo
todo associado à felicidade, ou que a pessoa é aquilo que consome. Ter passa a
ser algo muito importante. Isso como parte de uma coisificação das pessoas e
das relações humanas.
IHU On-Line – Como a divisão internacional do trabalho está relacionada
ao tráfico de pessoas?
Nalu Faria – Um elemento
fundamental para compreender essa dimensão é a indústria do entretenimento como
parte de uma sociedade focada cada vez mais na competitividade, no
individualismo. Portanto, da diminuição de relações pessoais baseadas em
vínculos, reciprocidade. Além do mais, por uma escassez de mulheres do Norte
para as atividades vinculadas a essa indústria do entretenimento, muito
centrada na prostituição. Daí a necessidade de traficar mulheres. Além disso,
os traficantes de mulheres chegam a dizer que é uma ótima mercadoria, pois pode
ser vendida muitas vezes.
IHU On-Line – Que papel a América Latina e o Brasil, mais
especificamente, cumprem na divisão internacional do trabalho?
Nalu Faria – No período de
implantação da globalização neoliberal, falamos de uma nova divisão
internacional do trabalho, baseada nessa migração massiva para realizarem as
tarefas mais desvalorizadas no Norte. Por outro lado, pelo tipo de produção a
que se dedicou a região, tanto de reprimarização da economia quanto do tipo de
produção voltada para exportação. Por exemplo, as maquilas no México e América
Central, as flores na Colômbia, frutas e peixe no Chile, soja no Cone Sul, etc.
IHU On-Line – Qual a estrutura nesse contexto social que implica que as
mulheres sejam as principais vítimas do tráfico humano?
Nalu Faria – Primeiro, a
vulnerabilidade econômica das mulheres; depois a identidade e a subjetividade
femininas, como românticas, idealistas, voltadas para acreditar em sonhos como
os de príncipes encantados, hoje travestidos de ofertas milagrosas de trabalho,
ou de princesas em pele de modelos.
IHU On-Line – Qual o papel dos movimentos feministas no combate à
exploração e ao tráfico de mulheres?
Nalu Faria – Temos que
intensificar a mobilização a críticas e ações de como o patriarcado tem se
organizado e essa imbricação com o mercado. Precisamos reforçar muito o debate
sobre a autonomia das mulheres e a compreensão sobre os mecanismos patriarcais.
Ao mesmo tempo, temos que massificar e enraizar nosso movimento. É necessário
construir alianças com outros movimentos para que essa pauta não esteja
restrita ao movimento de mulheres.
IHU On-Line – Qual é a responsabilidade do Estado nesse processo?
Nalu Faria – O trafico
se dá por máfias. Então há que se ter uma investigação permanente. Ao mesmo
tempo, há que se implementar um amplo trabalho educativo, em particular nas
escolas. Por fim, realizar amplos debates públicos, assim como coibir o sexismo
nos meios de comunicação, nas manifestações culturais, etc. Ou seja, atuar de
forma enérgica contra a coisificação e a mercantilizaçao das mulheres.
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