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Caso Bolsa Família é desvendado

Por Eduardo Guimarães
Todos têm direito a ter qualquer opinião sobre qualquer coisa. E se o que pensamos sobre qualquer assunto não for injurioso, difamatório, calunioso ou preconceituoso contra pessoas ou instituições, temos o direito de difundir publicamente. Só não temos o direito de apresentar nossas convicções como fatos. Fazer isso é trapaça, pura e simplesmente.
Este Blog, por exemplo, julga que difundir um boato sobre extinção do Bolsa Família não poderia interessar ao governo federal, mas interessaria à oposição. E pensa, também, que a antecipação do pagamento do benefício pela Caixa Econômica Federal não poderia fazer os beneficiários concluírem, autonomamente, que isso significaria a extinção do programa social.
Os beneficiários do Bolsa Família somam 13 milhões de famílias, ou cerca de 50 milhões de pessoas. Estima-se que metade desse contingente – pais e a mães dessas famílias beneficiadas –, vota. A mera suspeita de que o governo Dilma iria extinguir o programa por certo causaria revolta contra si em cerca de 1/5 do eleitorado brasileiro.
A oposição, no entanto, teria muito a ganhar caso fosse instilada tal dúvida nesse expressivo naco do eleitorado. Se cerca de 25 milhões de pessoas se indispusessem de forma tão veemente contra o governo, desapareceria, do dia para a noite, a vantagem que elegeu Dilma Rousseff em 2010.
Por fim, a teoria ventilada por setores da oposição e da grande mídia de que o governo espalharia o boato para depois desmenti-lo e de que, assim, mostraria aos beneficiários a importância do benefício que lhes paga, é ainda mais inverossímil. Por que o governo julgaria que os beneficiários do programa não valorizam sua importância?
A possibilidade de o governo ter sido o autor do boato cai por terra diante de matéria do portal UOL divulgada na semana passada que mostrou que mesmo após os veementes desmentidos do governo algumas famílias entrevistadas afirmaram que ainda não acreditavam que o programa Bolsa Família não iria acabar.
Sejamos francos: dizer que o governo levantaria dúvidas sobre a continuidade do programa apesar de ser facilmente imaginável que pessoas tão humildes, como mostra a matéria supracitada, poderiam demorar a acreditar que não é verdade que o benefício seria extinto, é uma literal sandice.
Resta, então, a teoria de que a antecipação do dia de pagamento do benefício pela Caixa fez os beneficiários concluírem, por si sós, que isso significaria que o Bolsa Família iria acabar.
A teoria que se tornou consenso em toda a grande imprensa brasileira e que a oposição já trata como fato inquestionável afirma que, em 24 horas, alguns beneficiários que conseguiram sacar o dinheiro antes foram capazes de espalhar por 12 ou 13 Estados – mas não em todos os 26 Estados brasileiros – que o programa social seria extinto.
A teoria de que a culpa pelo pânico é da antecipação do pagamento do Bolsa Família tampouco se dá ao trabalho de explicar por que, se essa antecipação ocorreu nos 26 Estados brasileiros e no Distrito Federal, só em 12 ou 13 Estados ocorreu o pânico. E por que só houve pânico nos Estados do Norte e do Nordeste e na Baixada Fluminense.
Essas dúvidas são mais do que suficientes para obrigar qualquer analista sério a no mínimo não tratar essa versão como fato. Ou seja: quem está tratando essa suposição sobre o pânico dessas famílias como fato está tentando enganar a sociedade, está mentindo.
A conduta esperável de um grande meio de comunicação ou de um jornalista de renome ou de um líder político de expressão é a de aguardar a conclusão da investigação do ocorrido pela Polícia Federal, conclusão que, inclusive, poderá ser posta em dúvida se não vier revestida de provas inquestionáveis. Mas só após ser conhecida.
Contudo, a seriedade obriga a reconhecer que pessoas que têm posições que as obrigam a ter responsabilidade no tratamento de um caso assim e que não poderiam se antecipar e difundir conclusões como verdades absolutas, infelizmente não estão só na oposição e na mídia oposicionista.
Apesar de estarem se tornando incontáveis os jornalistas de grandes meios de comunicação e os políticos de oposição que estão difundindo como fato inquestionável a versão sobre a culpa pelo pânico ser da Caixa, a ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, foi a primeira a se aventurar em difundir conclusões precipitadas, acusando a oposição.
Um blogueiro ou um colunista de um grande jornal até podem expor suas opiniões no sentido de que possa ter ocorrido isso ou aquilo, mas políticos da oposição e autoridades do governo, nunca. Têm obrigação de, no mínimo, esperar o fim da investigação da Polícia Federal.
O principal pré-candidato de oposição a presidente da República, o senador tucano Aécio Neves, e a ministra Maria do Rosário, por exemplo, agiram muito mal. Contudo, a ministra deu apenas UMA declaração pelo Twitter e, inclusive, recuou da declaração. Errou? Sim, errou. Agora, o que Aécio Neves está fazendo é vergonhoso.
Aécio está culpando pessoalmente sua provável adversária na eleição do ano que vem e exortando-a a “pedir desculpas” pelo que ainda ninguém sabe se de fato aconteceu. Ele está sendo incrivelmente irresponsável. Está fazendo politicagem, não pode fazer as afirmações que está fazendo. Está mentindo.
Quanto à “grande imprensa”, se alguém, algum dia, chegou a duvidar de que é partidária da oposição – ainda que ouse se dizer “isenta” –, não pode ter mais dúvidas. Esse bando de jornalistas que está afirmando que a antecipação do pagamento do benefício pela Caixa foi a causa do pânico daquela população sofrida, não passa de um bando de picaretas.

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