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Capitalismo à brasileira: Estado garante lucro privado no Mineirão

Por Leonardo Dupin
Não existe chance de derrota financeira para o consórcio
A suposta multa dada pelo governo mineiro ao consórcio Minas Arena, que administra o Mineirão, começou a ser paga.
Por ter deixado os torcedores de Cruzeiro e Atlético sem água, sem comida e por não ter aberto o estacionamento no horário prometido na reinauguração do estádio, o consórcio terá que pagar cinco prestações no valor de R$ 200 mil. Foi o que afirmou o secretário da Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo (Secopa), Tiago Lacerda, em audiência pública realizada em 16 de abril.
Mas o que representa essa multa? Será um cartão amarelo por incompetência administrativa ou uma justificativa pelas críticas recebidas?
Para entendê-la é preciso conhecer os jogadores e as regras do futebol mineiro, quando a partida acontece nos bastidores. O governo do estado e o consórcio Minas Arena têm sido os principais jogadores e vêm trocando passes.
Para ter direito a operar o Mineirão por 25 anos, o Minas Arena teve que investir R$ 654,5 milhões no estádio, dos quais recolheu do BNDES R$ 400 milhões.
Porém, antes disso, houve outros gastos pagos pelas três empresas que compõem o consórcio Minas Arena (Egesa, Construcap e Hap Engenharia), pouco divulgados. Juntas, essas três empresas doaram para campanhas políticas nas duas últimas eleições, em 2010 e 2012, um montante de R$ 25 milhões. Só para o PSDB mineiro, que governa o estado, foram mais de R$ 6 milhões.
Na eleição municipal do ano passado, o time que recebeu a maior bolada foi o PSB, do prefeito reeleito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda.
Segundo o TRE, R$ 1,540 milhão — mais da metade dos R$ 2,9 milhões que as três empresas doaram – teve como destino os cofres do partido. Lacerda entrou em campo para disputar a reeleição, com apoio do PSDB e seus jogadores mais importantes, o governador Antonio Anastasia e o senador Aécio Neves. Os dois tucanos atuaram na marcação, demovendo dois possíveis adversários eleitorais do prefeito. Délio Malheiros (PV) entrou para o time de Lacerda e se tornou vice-prefeito.
Já Eros Biondini (PTB), aguentou o banco de reservas e após as eleições foi nomeado secretário do governo Anastasia.
Porém, a contratação de meio campo mais interessante do governador tucano, foi a de Tiago Lacerda (filho do prefeito Marcio Lacerda). Ele tornou-se secretário da Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo (Secopa), responsável por gerenciar um generoso contrato assinado entre o governo e o Minas Arena.
No mundo da aclamada livre economia de mercado tucana, não existe chance de derrota financeira para o consórcio, uma vez que o contrato assinado impossibilita o prejuízo para a empresa (o mesmo não acontecendo com os cofres públicos).
Durante o período de concessão do estádio, o Minas Arena terá um retorno garantido, que vai variar de acordo com seu desempenho financeiro. Por exemplo, se o negócio não render lucro, o governo repassa ao consórcio um valor mensal que pode chegar até R$ 3,7 milhões por mês.
O contrato assinado estabelece uma faixa de garantia, se o negócio rende até R$ 2,59 milhões por mês, o governo completa a diferença entre R$ 3,7 milhões e R$ 2,59 milhões.
Enquanto paga cinco parcelas de R$ 200 mil referentes à multa, o Minas Arena recebe uma quantia mensal do Estado, que pode chegar a ser 18 vezes maior, durante esses 25 anos.
Assim, ainda que o estádio permanecesse fechado, o faturamento do consórcio nesse período iria passar de R$ 1,1 bilhão.
No mundo do futebol mineiro, políticos e empreiteiras fazem um jogo de cartas marcadas, onde a mídia discute a venda do tropeiro e oculta os grandes lances.

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