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Brasil ainda não sabe o que fazer com seu lixo nuclear

Por Mauricio Thuswohl
Paralisada desde o acidente em Fukushima, no Japão, há dois anos, a expansão da planta de usinas nucleares no Brasil deverá ser retomada em 2013 como parte do Plano Nacional de Energia (PNE) a ser divulgado pelo governo federal.
A opção nuclear, no entanto, ainda esbarra em problemas e incertezas que, por sua vez, provocam a oposição de ambientalistas e outros setores sociais no país. A continuidade do Programa Nuclear Brasileiro (PNB) dependerá da superação de dificuldades que vão desde a obtenção de créditos e financiamento até a estocagem dos rejeitos radioativos decorrentes da operação das usinas.
O destino definitivo do lixo nuclear produzido pelas duas usinas em operação no Brasil, localizadas no município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, continua sendo uma incógnita. Atualmente, os rejeitos radioativos produzidos por Angra 1 (em atividade há 28 anos) e Angra 2 (onze anos) são armazenados nas imediações ou nos próprios terrenos das usinas. O lixo nuclear de baixa e média radioatividade (resinas, líquidos, filtros, roupas e outros itens ou equipamentos) é acondicionado em caixas de ferro, como barris, e vedado com concreto. Já o lixo de alta radioatividade (o combustível nuclear propriamente dito) é submerso em piscinas de isolamento onde permanecerá sendo resfriado por pelo menos cinco anos.
Uma das condicionantes impostas pelos órgãos ambientais do governo brasileiro ao projeto de operação da usina Angra 3 é a construção de dois depósitos geológicos para o armazenamento por até 100 anos do lixo nuclear produzido no país. Um depósito serviria para resíduos de alta radioatividade e outro para resíduos de média e baixa radioatividade, além de lixo hospitalar. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estipulou 2018 como prazo para a construção dos depósitos definitivos. As piscinas usadas como isolantes radioativos nas usinas de Angra, segundo técnicos do instituto, esgotarão sua capacidade em 2020.
Angra 1 e Angra 2 produzem cada uma cerca de 50 metros cúbicos anuais de lixo nuclear de alta radioatividade. Em Angra 2, os rejeitos ficam cobertos por dez metros de água em uma piscina isolante localizada dentro do próprio reator. Já em Angra 1, a piscina está localizada em uma área externa ao prédio do reator. Próximos aos trabalhadores das usinas, à população local e a uma fauna marinha riquíssima, os depósitos de Angra dos Reis são, literalmente, uma bomba prestes a explodir. Sua substituição é urgente, mas o governo brasileiro ainda estuda o melhor local – longe de regiões povoadas e com impacto ambiental reduzido – para a instalação dos novos depósitos definitivos.
No momento em que aconteceu o acidente de Fukushima, o governo brasileiro discutia a possibilidade de armazenar definitivamente o lixo nuclear de média e baixa radioatividade de Angra 1 e Angra 2 no único depósito com capacidade para isso no país. Localizado no pequeno município de Abadia de Goiás, o depósito abriga desde 1987 cerca de seis mil toneladas de materiais contaminados por césio 137 e recolhidos após o histórico acidente com uma cápsula radioativa ocorrido na cidade de Goiânia. A proposta provocou forte rejeição entre a população local e os políticos goianos e, após o desastre no Japão, o assunto foi novamente deixado de lado.
Novas usinas
Com previsão de lançamento ainda para o primeiro semestre deste ano, o novo PNE trará um diagnóstico das necessidades energéticas do Brasil até 2050. Nele, deverá ser retomada a proposta presente no PNE anterior, lançado em 2007, de conclusão da usina Angra 3 e construção de três novas usinas nucleares (duas na Região Nordeste e uma na Região Sudeste). Mas, a continuidade dos projetos dependerá da obtenção de novas linhas de crédito internacionais, cada vez mais raras desde o acidente nuclear japonês.
Atualmente, a construção de usinas nucleares no Brasil é responsabilidade da empresa estatal Eletronuclear, filiada ao sistema Eletrobras. Financiadora de 30% do custo total do PNB nessas quase três décadas, a Alemanha decidiu, após o acidente de Fukushima, abandonar de vez a energia nuclear. Com ela, foram-se os financiamentos à Eletronuclear, estimados em R$ 12 bilhões. Agora, as empresas estatais brasileiras tentam a obtenção de novos créditos no exterior. No plano interno, a Eletrobras fechou em dezembro do ano passado um contrato de crédito de R$ 3,8 bilhões com a Caixa Econômica Federal.
Rejeitos
Presentes no reator das usinas nucleares, cilindros cheios de pastilhas de urânio enriquecido funcionam como combustível para gerar energia. A cada ano, um terço desses cilindros se esgota e precisa ser trocado. Esse material é conhecido como Rejeito de Alta Atividade (RAA), com alto potencial de contaminação.
O RAA não funciona mais como combustível, mas ainda assim emite radiação e calor, o que continuará fazendo por séculos. Por isso, é guardado dentro de uma piscina especialmente construída para resfriar o combustível e conter a radiação. Equipamentos da usina que têm contato direto com o RAA são contaminados e se tornam Rejeitos de Média Atividade (RMA). Cerca de mil vezes menos radioativo que o RAA, esse tipo de lixo nuclear é solidificado em concreto dentro de barris metálicos.
Por sua vez, todo material ou equipamento que tem contato indireto com o RAA, como as roupas de proteção dos funcionários, ganha um nível de contaminação baixo, cerca de mil vezes menor que o RMA. Esse Rejeito de Baixa Atividade (RBA) pode ser lavado e recolocado em uso por mais algumas vezes antes de ser definitivamente fechado em barris.
Submarino nuclear
Apesar da indefinição no que diz respeito a suas usinas, o Brasil segue avançando no projeto, executado em parceria com a França, de construção do seu submarino nuclear, com custo total estimado em R$ 15 bilhões. A francesa Direction des Constructions Navales et Services (DCNS) se comprometeu com a transferência de tecnologia, e uma equipe de engenheiros brasileiros do Centro Tecnológico da Martinha cumpre desde o ano passado diversos períodos de trabalho em um estaleiro da empresa em Cherbourg.
Segundo a Marinha brasileira, a parceria com a empresa francesa é gerenciada pela Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear (Cogesn). Está prevista no projeto a construção de quatro submarinos convencionais e do primeiro submarino nuclear, além da construção de um estaleiro, uma base para submarinos e uma unidade fabril para elementos metálicos. O acordo não incluirá a troca de componentes nucleares, cabendo à Marinha projetar e construir o seu próprio sistema de propulsão nuclear para depois integrá-lo à plataforma projetada em conjunto com os técnicos franceses.

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