Por Ricardo Kotscho
Na mesma segunda-feira
em que o "Estadão" rompia a cortina de silêncio que protege o
Judiciário de críticas, ao revelar as mordomias aéreas dos meritíssimos
ministros, em reportagem de Eduardo Bresciani e Mariângela Gallucci, Joaquim
Barbosa, o presidente do Supremo Tribunal Federal, atacou o Congresso Nacional
pela "ineficiência, inteiramente dominado pelo Executivo" e os
partidos políticos em geral, que qualificou de "mentirinha".
A surpreendente
reportagem do "Estadão" conta que o STF gastou, entre 2009 e 2012, R$
608 mil só com passagens internacionais de primeira classe para esposas de
ministros e outros R$ 295,5 mil em viagens dos magistrados em períodos de
recesso. Além disso, o jornal denunciou que Joaquim Barbosa viajou 19 vezes por
conta do STF em períodos nos quais estava de licença médica, tendo como destinos
Rio, São Paulo, Fortaleza e Salvador.
Em sua longa palestra no
Instituto de Educação Superior de Brasília, onde é professor, Joaquim Barbosa,
que se apresentou como uma espécie de tutor dos outros poderes, não tocou neste
assunto das viagens patrocinadas pelo STF, que consumiram um total de R$ 2,2
milhões dos cofres públicos nos últimos três anos.
Não que o falante
Barbosa tenha contado alguma grande novidade que todos os cidadãos já não
saibam sobre o funcionamento do parlamento e dos partidos políticos ou tenha
ofendido membros de outros poderes, mas estranhamente preferiu o silêncio
quando foi perguntado, após a palestra, sobre viagens pagas pelo tribunal e
licenças médicas.
Ao ouvir a pergunta, o
presidente do STF, como tem acontecido em outras ocasiões recentes, quando é
questionado, mostrou-se bastante irritado:
"Eu não quero falar
sobre este assunto. Eu não li a matéria. Essa matéria é do seu conhecimento,
não é do meu".
Pois deveria falar, já
que se trata de uso de dinheiro público em proveito privado, embora o STF
autorize este tipo de benefício, como informa a reportagem:
"O pagamento de
passagens aéreas a dependentes de ministros é permitido, em viagens
internacionais, por uma resolução de 2010, baseada em julgamento de um processo
administrativo do ano anterior. O ato diz que as passagens devem ser de
primeira classe e que este tipo de despesa deve ser arcado pela Corte quando a
presença do parente for "indispensável" para o evento do qual o
ministro participará".
Alguém sabia disso? Qual
o critério de "indispensável"? No meu caso, por exemplo, mesmo a
trabalho sempre gosto de viajar acompanhado da minha mulher, mas quem tem que
pagar a passagem dela somos nós.
Na crítica aos partidos
de "mentirinha" que tornam "o Congresso um poder dominado pelo
Executivo", o ministro Barbosa esqueceu de dizer que o Judiciário tem
grande parte de responsabilidade nesta deformação institucional, como bem
lembrou, em artigo publicado na "Folha", o cientista político
Humberto Dantas, professor do Insper, depois de listar vários casos em que o
STF facilitou a proliferação de legendas.
"Diante de tais
aspectos, não parece ser apenas o Executivo a furtar o Legislativo de seu
papel. Não há no país poder mais criativo em matéria eleitoral que o
Judiciário. Assim, que o professor Barbosa seja capaz de observar que o órgão
que preside contribui para reforçar a `mentirinha´ chamada `partido político´.
Antes do dia acabar, a
assessoria do presidente do STF distribuiu nota para dizer que Barbosa falou na
condição de "acadêmico e professor" e não teve "a intenção de
criticar ou emitir juízo de valor a respeito do Legislativo". Melhor
assim, pois o presidente da Câmara, Henrique Alves, já tinha divulgado outra
nota em que qualificou a manifestação do presidente do STF de
"desrespeitosa".
O que mais me chama a
atenção neste episódio é que nós estamos habituados a ver e ouvir todos os dias
duras críticas sobre mordomias contra membros do Executivo e do Legislativo, em
todos os níveis, mas que me lembre é a primeira vez que um veículo da grande
imprensa trata desta questão no Supremo Tribunal Federal.
Se os viajantes fossem
membros de outro poder, certamente a reportagem repercutiria nos demais veículos,
ganharia ares de escândalo e logo alguém pediria a instalação de uma CPI.
Telhados de vidro. A ética deve ser próativa em sua prática por ser um ato normal inerente a espécie humana que sabe que sabe e tem noção de consequência num mundo que é redondo e, a volta nova, mostra a anterior. A ética é uma maneira de caminhar.
ResponderExcluir