Por Leonardo Sakamoto
Vou voltar a um tema que
eu adoro. Considerando que a renda do capital segue estratosfericamente maior
que a do trabalho e os recursos usados para o pagamento de juros são bem
maiores que os aplicados em programas sociais (em todos os governos, de FHC a
Dilma), fico extremamente incomodado quando ouço ou leio pessoas reclamando que
“dar dinheiro aos pobres os torna vagabundos”.
É engraçado que ninguém
reclama do dinheiro que vai às classes mais abastadas, que investem em fundos
baseados na dívida pública federal. Grosso modo, muito vai para poucos e pouco
vai para muitos. E, mesmo assim, sou obrigado a ouvir pérolas quase que
diariamente, reclamando dos programas de transferência de renda, não no sentido
de melhorá-los, mas de extingui-los. É claro que é importante avançar na
construção de “portas de saídas” para programas como o Bolsa-Família, gerando
autonomia econômica. Mas a raiva com a qual essas iniciativas ainda vêm sendo
tratadas por algumas pessoas me surpreende. Pessoal, supera! Não há partido
político que vá se eleger com uma plataforma que cancele esses processos de
transferência de renda. Isso já é política de Estado e não de governo.
“Ah, mas minha tia tem
uma amiga em que a empregada recebe o bolsa-família e, por isso, desistiu de
trabalhar. Quer ficar no bem bom com o dinheiro público.” Quantos já ouviram
coisas assim? Primeiro reduzindo todo um programa a uma única história.
Segundo, uma história mal contada, pois é difícil imaginar que uma família consiga
sobreviver com dignidade com um montante de renda não raro menor que uma
garrafa de vinho paga pelo sujeito fino que decretou tal preconceito. Terceiro,
para alguém preferir a segurança da mensalidade do programa do que um salário é
que a remuneração deve ser baixa demais ou a garantia de permanência no emprego
inexistente.
Este post não está
criticando ou elogiando ninguém, mas tentando entender o que, além do
preconceito, faz com que um cidadão que tenha um pouco mais na conta bancária
acredite que pisar no andar de baixo é a solução para galgar ao andar de cima?
E crer que o futuro de um país é feito uma Arca de Noé, com espaço para salvar
pouca gente de um dilúvio iminente?
Para esse pessoal, é
cada um por si e o Sobrenatural – proporcionalmente ao tamanho do dízimo
deixado mensalmente – para todos. Fraternidade e solidariedade são palavras que
significam “doação de calças velhas para vítimas de enchente”, “brinquedos
usados repassados a orfanatos no Natal” ou “um DOC limpa-consciência feito a
alguma ONG”.
Nada sobre um esforço
coletivo de buscar a dignidade para todos, com distribuição imediata (e não
depois que o bolo crescer) da riqueza gerada no país. Crescimento produzido
pelos mesmos trabalhadores que não desfrutam da maior parte de seus resultados.
Porque, apenas teoricamente, todos nascem livres e iguais.
E se eu dissesse que
“dar dinheiro aos ricos os torna vagabundos?” Por que usar a frase para os
pobres é ser um “analista sensato da realidade” e usar a frase aos ricos é ser
um “canalha de um comunista safado”?
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