Por Gabriel Bonis
Em livro, Neil Gross
analisa por que acadêmicos dos EUA são mais progressistas que outros setores da
sociedade. "Pesquisas recentes sugerem que a universidade não cria
liberais”, diz Neil Gross
Por razões históricas, o
setor acadêmico do ensino superior dos Estados Unidos consolidou desde o início
do século XX uma reputação de bastião do pensamento político de esquerda e
liberal. Algo que, com o passar dos anos, levou os conservadores a tecerem
críticas de que as universidades norte-americanas haviam se transformado em
locais de doutrinação e silenciamento de vozes contrárias. “Por muito tempo,
cientistas sociais acreditaram que a faculdade tornava os estudantes mais
liberais. Mas pesquisas recentes sugerem que a universidade não cria liberais”,
diz Neil Gross, ex-professor da conceituada Universidade de Harvard, nos EUA, a
CartaCapital.
Atualmente lecionando
Sociologia na Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, o professor
analisou no livro Why Are Professors Liberal and Why Do Conservatives Care?
(Por que os Professores são Liberais e Por que os Conservadores se importam?)
(Harvard University Press, 400 págs., US$ 27,91) a reputação liberal da
academia dos EUA. E conclui que o setor emprega uma proporção maior de liberais
porque sua “imagem progressista” atrai mais estudantes liberais para a
carreira. “A verdadeira razão pela qual não há muitos professores
conservadores, ao menos nos EUA, é porque não existem muitos conservadores que
vão para a universidade obter Ph.D.s.”
Na entrevista abaixo,
Gross analisa o sistema universitário norte-americano, diz que as ciências
aplicadas reúnem mais professores conservadores e critica docentes que exageram
no uso de suas inclinações políticas nas salas de aula.
CartaCapital: De onde surgiu esse tema? É uma resposta ao livro The
Professors: The 101 Most Dangerous Academics in America (Os Professores: Os 101
Acadêmicos Mais Perigosos nos Estados Unidos, em tradução livre), do
conservador David Horowitz?
Neil Gross:
Interessei-me pelo tema quando lecionava em Harvard, há sete anos. O livro de
Horowitz acabara de ser lançado. Naquela época, também havia uma grande
controvérsia em Harvard sobre alguns comentários do então presidente da
instituição, Lawrence H. Summers [em 2005, ele sugeriu em uma conferência
acadêmica, que “diferenças inatas” poderiam explicar por que havia menos
mulheres bem sucedidas que homens em carreiras ligadas à ciência e matemática. Ele
se demitiu e uma mulher assumiu o seu cargo]. Havia muita preocupação na
universidade sobre esses comentários, muitas pessoas os consideravam políticos
e não científicos. Era um momento de conflitos sobre política na educação
superior. Tentei analisar o tema como sociólogo para entender qual era a
política dos professores e por que eles eram o que eram nas universidades.
CC: Aproveitando a deixa do título do seu livro: Por que os professores
são liberais e por que os conservadores se importam?
NG: Algumas das teorias
mais famosas sobre o tema não têm muita força explicatória como é possível
imaginar. O fato de que os professores possuem um nível educacional elevado e
que a educação parece inclinar as tendências políticas pessoais mais para a
esquerda não explica muito. Outro argumento tem a ver com a autosseleção. A
verdadeira razão pela qual não há muitos professores conservadores, ao menos
nos EUA, é porque não existem muitos conservadores que vão para a universidade
obter Ph.D.s Mas por quê isso ocorre? Há uma relação com o que é chamado de
“inclinação política” de ocupação. Ao longo do tempo, algumas profissões
ganharam uma reputação pela política típica de seus membros. E durante o século
XX, a academia dos EUA construiu uma imagem liberal. Essa reputação interessa
mais a estudantes liberais que podem considerar essa carreira, enquanto essa
opção, em geral, não atrai um aluno conservador. Neste sentido, a inclinação à
esquerda dos professores se tornou um fenômeno autoproduzido. Há uma reputação
de que eles são mais liberais, o que leva estudantes liberais a querer se
tornar professores, reforçando essa imagem.
CC: Na campanha presidencial dos EUA no ano passado, o candidato
republicano Rick Santorum chamou Barack Obama de “esnobe” por defender que todos
os americanos fossem para a universidade. Para ele, há “bons homens e mulheres”
que realizam suas tarefas diárias sem precisar de “um professor liberal que os
doutrine”. O ensino superior cria, de fato, liberais?
NG: Por muito tempo,
cientistas sociais acreditaram que ir à faculdade tornava os estudantes mais
liberais. Recentemente, as pesquisas sugerem que essas estimativas foram
supervalorizadas. Há algumas evidências de que quando as pessoas cursam o
ensino superior, suas visões mudam para uma direção mais progressista. Elas
tendem a ficar mais tolerantes a problemas sociais, por exemplo. Por outro
lado, pesquisas mais profundas que analisam a população jovem como um todo,
incluindo os que vão à universidade e os que não vão, indicam que essa concepção
foi superestimada. Pessoas com ensino superior completo tendem a ser mais
liberais, mas grande parte disso se explica pelo fato de que indivíduos mais
liberais no ensino médio têm mais chances de completar a educação superior. Não
há evidência concreta de que as pessoas se tornem muito mais liberais na
faculdade.
CC: Muitos acadêmicos nos EUA votam no partido Democrata, mas pontuam
que o partido não é tão liberal assim. Eles enxergam o partido como liberal?
NG: Os Democratas têm
grande apoio dos professores, mas a natureza dele varia conforme os pontos de
vista dos acadêmicos. Se analisarmos os números da eleição presidencial ou para
quem os professores doam dinheiro nas campanhas políticas, eles fazem isso muito
mais em favor dos democratas. Ao falar com acadêmicos progressistas, eles
tipicamente votam nos democratas nas eleições nacionais, mas sentem com
frequência que o partido é muito central e não reflete seus interesses. Já os
acadêmicos de centro-esquerda podem achar que os democratas os representam de
forma eficiente. Muitos acadêmicos, no entanto, prefeririam votar em candidatos
mais a esquerda se essa fosse uma opção viável no sistema eleitoral dos EUA.
CC: Há áreas de ensino mais propícias para professores conservadores,
como administração, engenharia e economia?
NG: Há variações
substanciais nos posicionamentos políticos conforme as disciplinas ensinadas.
Na minha pesquisa, e em diversos outros levantamentos, as Ciências Sociais
aparecem como área mais ligada à esquerda. Economia é uma exceção. Conforme se
analisa áreas de ciência mais aplicada, como engenharia e negócios, tende-se a
encontrar mais conservadores.
CC: O que explica essas variações? Seria por que nestas áreas de ensino
os professores não precisam demonstrar suas posições políticas?
NG: As Ciências Naturais
não são tão liberais quanto as Ciências Sociais. Ainda assim os professores de
naturais são mais liberais que a população em geral. E por que há uma
diferenciação entre campos? Fundamentalmente, isto está relacionado às conexões
entre as disciplinas e outras áreas da sociedade. As disciplinas mais ligadas
aos setores conservadores da sociedade tendem a reunir um elenco mais
conservador. As mais ligadas a questões sociais e artes atraem mais liberais.
CC: Na introdução do seu livro, o senhor cita o caso de uma professora
que leva convicções políticas próprias para a sala de aula na universidade. Um
comportamento criticado e chamado de enviesado por conservadores. O senhor
acredita que o ensino superior “direcionado”, seja para a esquerda ou à
direita, é um problema nos EUA e no mundo?
NG: A educação superior
é uma empresa muito diversa. O que é apropriado em uma área pode não ser em
outra. Há muitas instâncias nas quais os professores falarem de suas concepções
políticas em aulas é algo proveitoso. Em algumas ocasiões, isso pode levar ao
pensamento crítico. Mas o ensino superior dos EUA tem um problema de percepção.
Os conservadores acreditam que o ensino superior está em crise, que não ensina
o que deveria e que a pesquisa é ideológica. Isso é algo falso, mas não temos
sido convincentes em persuadir os críticos. Uma preocupação de ensinar com
influência política é que se cria a impressão de doutrinamento, mesmo que isso
não esteja ocorrendo. Muitos professores levam muito a sério a tentativa de não
doutrinar os seus alunos, mas apenas ensinar os conceitos de suas áreas.
CC: Mas é possível ser tão objetivo? Ao indicar uma leitura aos alunos
o professor será subjetivo e considerará, mesmo que subliminarmente, suas
próprias visões políticas?
NG: Depende do campo. Se
você ensina microbiologia, não há como suas concepções políticas interferirem
no conteúdo das aulas. Já nas ciências sociais e humanas, é inevitável que as
visões pessoais afetem o que é ensinado e moldem a informação.
CC: Em seu livro, o senhor diz que a ânsia dos conservadores em atacar
os liberais no mundo acadêmico é uma hipocrisia. Podemos dizer isso porque eles
também colocam suas tendências políticas em suas aulas?
NG: Certamente há
lugares na educação superior onde os conservadores podem ensinar ideias que
consideram importantes. Há universidades e campos de estudo assim. Mas existem
muitos tipos de conservadores e de críticos. Da forma como veem, a educação
superior é comandada por pessoas de esquerda, o que eles acham injusto. Se
alguém estivesse ensinando visões políticas diferentes das suas, você
obviamente ficaria chateado, mas isso não explica todos os aspectos dos
ataques.
CC: Esses ataques refletem algo do Macarthismo, quando as pessoas de
esquerda nos EUA eram vistas como comunistas e consideradas traidoras?
NG: Há esse aspecto da
história. No tempo do Macarthismo, esse viés era usado não só contra
professores, mas funcionários do governo e atores de Hollywood. Ainda existe
alguma influencia do conceito. Ao olhar as ondas de oposição a professores
liberais ao longo do tempo, algumas estão no período do Macarthismo. Mas houve
outras nos anos 1980 e 1990 e também após os atentados de 11 de setembro de
2001.
CC: Os professores do ensino superior são, de fato, mais liberais ou
esse posicionamento está mais relacionado a concepções de vida pessoais?
NG: Isso pode variar
conforme o país. Nos EUA, profissionais altamente qualificados tendem a ser
mais liberais e democratas. Os professores, no entanto, tendem a ser mais
democratas e mais liberais que esses profissionais. A razão para isso que é os
liberais são mais propensos a se tornarem professores. Ser professor não faz de
alguém um liberal.
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