Por Mauro Santayana
Agiu bem a ministra
Maria do Socorro, ao recuar da açodada insinuação de que o boato sobre a Bolsa
Família partira de “uma central de boatos da Oposição”. Boatos dessa natureza
costumam surgir por acaso, da imaginação de qualquer um, que os põe a circular.
Eles medram em minutos e horas, e é difícil vencê-los.
Em conferência que fez
há alguns anos sobre a criação literária, Garcia Márquez tratou do tema: falou
do seu desejo de construir um romance a partir da brincadeira que certo
açougueiro faz com uma freguesa ingênua e
provoca, em poucas horas, uma rebelião social.
Todos nós sabemos como é
fácil promover uma corrida bancária. Por isso o boato sobre o Bolsa Família
contaminou vários estados em tão pouco tempo: atingiu pessoas ingênuas e que
dependem do subsídio federal para navegar o seu mês. É mais provável que o
rumor tenha surgido assim, como certos incêndios se iniciam com raios de sol concentrados por um caco de vidro.
Ao acreditar que tenha
havido intenção política na invencionice, é melhor atribuí-la a outro tipo de
oposição, que não seja a político-partidária. Ainda que façamos de conta que nada existe, convém remontar há tempos
antigos, mas historicamente recentes, para saber que os inimigos externos não
descansam, e começam a investir na criação de crises artificiais. São os que
alimentam e adestram gatos, com o método de Pavlov, para retirar as sardinhas
do braseiro. Para isso, é claro, é preciso reunir as brasas.
Estamos em momento que
pede lucidez e bom senso, mas não faltam os pirotécnicos. Daqui a poucos meses,
e em ano eleitoral, fará 50 anos que o presidente João Goulart foi afastado
violentamente do poder que o povo, em eleições livres, lhe conferira.
Melhor seria que nos
limitássemos a registrar a data, como registramos outros fatos históricos, como
a Guerra de Canudos ou a Campanha da Vacina Obrigatória. Não temos por que
comemorar o episódio, nem por que reacender os sentimentos dos que – além de o
Brasil como um todo – sofreram pesadamente o período ditatorial. Foi, como já
se sabe hoje, movimento político,
insuflado pelos estrategistas norte-americanos, dentro do contexto da Guerra
Fria, contra o desenvolvimento autônomo de nosso país. Movimento político que,
como outros anteriores, chegou aos quartéis mediante as chamadas vivandeiras.
Os comandantes militares
do passado odiavam as vivandeiras, que abasteciam, de víveres e de boatos, os
exércitos em operação, corroendo o brio moral das tropas. Alguns oficiais que serviam em 1964, já
doutrinados pelo Pentágono, ouviram as desafinadas sereias, com os resultados
conhecidos. E convém registrar que inúmeros oficiais e graduados das Forças
Armadas sofreram tanto quanto os civis com a repressão conhecida.
É preciso entender o que
houve, com a ajuda dos historiadores e estudiosos de política, a fim de evitar
outros desvios. Entender, sem açular o ódio recíproco, e sem descuidar da
vigilância na defesa da liberdade.
Temos que nos preparar
para novos e prováveis boatos e combatê-los com a divulgação da verdade. As
eleições do ano próximo consolidarão o maior período de estabilidade
constitucional de nossa República, com mais de um quarto de século de vigência
da Carta de 5 de Outubro. Ainda que tenha sido submetida a emendas esdrúxulas,
sobretudo na ordem econômica, e em benefício do neoliberalismo globalizador, o
documento permitiu o impeachment, sem traumas, de um presidente imaturo, e a
normalidade das escolhas eleitorais que se seguiram.
A retomada dos ritos
democráticos de construção dos governos pela soberania popular se fez contra os
extremos do espectro ideológico. O movimento de 1964 fora “contra” os
espantalhos do “comunismo ateu”, e em favor da “família cristã”. Não há mais
comunismo ateu e, se formos duros na análise, resta muito pouco do escasso
espírito cristão que ainda havia na sociedade mundial.
Foi a articulação dos
moderados, no centro da razão política, que levou as multidões às ruas e à
vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral. A doença matou-o, mas não o derrotou,
como o suave, mas corajoso, comandante de uma revolução política, que, para
lembrar Victor Hugo, significou o fim de uma ficção para o retorno à realidade,
ou seja, à soberania do povo sobre o Estado.
Boatos como esse,
nascidos da parvoíce de alguém, ou
produzidos pela sabotagem de agentes externos ou internos, interessados na
baderna, não nos afastarão do caminho do meio,
que duramente aprendemos a trilhar.
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